Bog Veterano
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# fev/07
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Raizen
To caindo de para-quedas na discussão, então talvez eu tenha deixado passar algo no meio dela. Mas vamos lá... Vou escrever bastante. Mesmo.
Concordo que não é preciso saber "fazer melhor" para poder julgar um trabalho. Isso é claro. Porém, eu acho que você - e outras pessoas que postaram aqui - estão confundindo duas coisas que são bem distintas. Uma é a composição em si. A outra é a forma como esta composição chega aos seus ouvidos.
Por que isso é um problema? Simples, porque você pode avaliar objetivamente a forma como uma composição chega aos seus ouvidos, mas não a própria composição. Você pode medir precisamente a fidelidade sonora, a capacidade técnica que um instrumentista tem de reproduzir o que está na partitura, e coisas do tipo. Mas não pode fazer o mesmo para a composição, nem mesmo para o "sentimento" do instrumentista, improvisos e nuances da execução.
Você disse que precisamos ser "cientistas". Mas como pesquisador que sou (estou seguindo carreira acadêmica), sou o primeiro a admitir que existem coisas que a ciência não cobre. A ciência só vale para coisas objetivas. Ciência precisa ser Refutável - sem dogmas - Repetível e Redutível.
Então, vamos supor que seja possível isolar os tais "50% de matemática" que uma composição carrega. Suponhamos que você pode definir critérios objetivos e métricas para esses 50%. Peguemos, por exemplo, a complexidade harmônica. Ótimo, você é capaz de medir que uma composição é mais complexa que a outra. Legal. Agora, me diga no que exatamente uma música mais complexa é "melhor" do que uma música mais simples. "Melhor" ou "pior" não são definíveis objetivamente. Não existe "melhor" ou "pior" para a ciência, existe "mais" ou "menos" dentro de determinadas métricas.
Mas vamos complicar mais as coisas. Mesmo que você seja capaz de medir objetivamente os tais 50% matemáticos da música, o que você faz com os outros 50%? Em ciência, quando você tem montes e montes de parâmetros desconhecidos e intangíveis interagindo de maneiras complexas, tudo o que resta é a avaliação empírica. Por sinal, alguns cientistas mais "fundamentalistas" não aceitam isso, e alguns nem sequer consideram as ciências sociais ciências de fato. Mas suponhamos que você pode fazer uma avaliação empírica com base estatística. Aí é que a coisa desgringola de vez. Imaginemos um experimento simples: pegamos um monte de gente e tocamos 2 músicas, pedindo para que elas avaliem qual é a "melhor". Num universo não-viciado, vamos ter uma avaliação para lá de subjetiva. Se duvidar, o pagode vai ganhar da música clássica. Ok, não parece uma abordagem muito promissora, não é mesmo?
Que tal olharmos, como você falou, para a letra da música? Ótimo, peguemos um clássico acima de qualquer suspeita: Greensleeves. A canção original era em inglês arcaico, mas numa tradução (bem) livre para o linguajar do povão, fica algo assim:
Ah, meu amor, você me saceneia
Me chutando de lado sem pudor
E eu te amei por tanto tempo
Me alegrando em sua companhia
Joaninha era minha alegria
Joaninha era meu prazer
Joaninha era meu coração de ouro
E quem mais, senão Joaninha?
Opa, pera lá? O que é isso? Parece que, retirada toda a erudição e pompa do linguajar arcaico, tudo o que sobra é, em essência, uma musiqueta no melhor estilo dor-de-corno. Ou CPM22!!! E que tal olharmos para um clássico moderno, tropicalista? Caetano Veloso e Gilberto Gil:
Batmacumbaiéié batmacumbaobá
Batmacumbaiéié batmacumba
Batmacumbaiéié batmacumba
Batmacumbaiéié batmacum
Batmacumbaiéié batman
Batmacumbaiéié bat
Batmacumbaiéié ba
Batmacumbaiéié
Batmacumba
Batmacum
Batman
Bat
Ba
Batmacum
Batmacumba
Batmacumbaié
Batmacumbaiéié
Batmacumbaiéié ba
Batmacumbaiéié bat
Batmacumbaiéié batman
Batmacumbaiéié batmacum
Batmacumbaiéié batmacumbao
Batmacumbaiéié batmacumbaobá
Que raio de significado essas letras carregam? Realmente, avaliar o SIGNIFICADO da letra parece também não ser muito promissor. Avaliar a forma... defina critérios para avaliar objetivamente a forma de uma letra de música.
Moral da história: o problema todo reside na necessidade de avaliar objetivamente uma coisa que é essencialmente subjetiva. Uma composição só é "melhor" ou "pior" depois que é feito um juízo de valor, e o juízo de valor é feito com base em parâmetros totalmente pessoais. O conceito de melhor ou pior só existe dentro da cabeça de cada um. É subjetivo. Não é mensurável. Não é redutível (os parâmetros são obscuros), não é repetível (os parâmetros são diferentes para cada um) e não é refutável (tente convencer um fã do Iron Maiden do contrário para ver). Avaliar uma arte não é ciência.
É por isso mesmo que a gente precisa respeitar o gosto alheio. Porque a música passa por filtros diferentes para cada pessoa. A avaliação, os parâmetros, é tudo pessoal, é tudo subjetivo. Num mundo que (ainda) procura valorizar o pensamento racional, objetivo, científico, algumas pessoas se incomodam em aceitar a subjetividade. Mas a crítica artística é, essencialmente, subjetiva - o que não quer dizer que não seja válida. Quer um exemplo? Leia essa declaração do Pablo Villaça, crítico de cinema:
http://www.cinemaemcena.com.br/frm_Colunas_Detalhe.aspx?ID=51&id_tipo= 1&tipo=Conversa%20de%20cin%C3%A9filo
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