Ken Himura Veterano |
# set/13
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Luisfelp FR1 Metrônomo, e tocando bem devagar.
--- A todos: Estou com uma pesquisa quase acadêmica parada (por falta de tempo no momento) a respeito de otimização na técnica instrumental. Originalmente, a pesquisa era em cima de violino e viola, mas acredito (e os resultados mais primitivos indicam) que sirva pra qualquer instrumento de cordas, sejam com palhetadas, pinçadas, com arco, marteladas etc - ou seja, piano e cravo estão nesse bolo aí (talvez órgão também), com ligeiras adaptações. Não posso afirmar para sopros e percussão pois me falta conhecimento fisiológico suficiente para medir os "passos" para a otimização. Talvez aconteça num futuro.
O objetivo do projeto é capacitar o músico em um nível técnico profissional alto, no menor tempo possível e com um nível aceitável de esforço( o esforço bem utilizado, nada de se matar tocando). Friso o aspecto técnico, porque no campo da musicalidade vão influir no resultado variáveis as quais não tenho controle num primeiro momento: experiência com música, tamanho do repertório auditivo, grau de domínio dos campos teóricos da música, maturidade do músico, criatividade...
Quem não me conhece já deve imaginar o que faço pelo texto acima: sou violinista. Mas, curiosamente, ando me aproximando da guitarra agora para uns projetos futuros de composição eletroacústica que devo iniciar em 2014, então resolvi juntar uma grana, comprar uma guitarra bobinha (de até uns 500 contos - aliás, preciso de dicas) para meus experimentos e, de quebra, aprender o bê-á-bá do instrumento.
Isto tem 2 efeitos colaterais: 1o - vou poder testar minha tese em mim mesmo começando do zero em um instrumento que nunca toquei. Já uso esse pensamento no meu estudo de violino/viola, porém só desenvolvi este método com uns 8 anos de experiência no instrumento;
2o - se o resultado for favorável, a criação de uma "escola" de técnica. Caso não seja, serve de feedback pra refinar o processo. E começa tudo de novo.
Vamos aos finalmentes, no próximo post vou dar umas dicas de como sistematizar o estudo.
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Ken Himura Veterano |
# set/13
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Desculpem a demora, amigos. Estou realmente sem muito tempo, então vou postando aos poucos aqui quando eu conseguir escrever.
Lembrando que minha intenção é a formação de profissionais. Se você não quiser ser profissional, leia mesmo assim e separe o que te agrade. Não vou citar referências bibliográficas porque acho que vai dificultar o entendimento, visto que o foco do fórum não é a pesquisa acadêmica. Se rolar alguma dúvida quanto a isso ou qualquer outro aspecto, podem me procurar. E se preparem, porque o texto é bem grande.
* Primeira regra: Estudar não é a mesma coisa que Tocar. Isto precisa ficar bem claro. Estudar é um processo que visa aquisição e manutenção, enquanto Tocar visa exibição. Pra exibir, você tem que ter. Ações diferentes, gatilhos diferentes com estratégias diferentes.
Então, nada de achar que quarto é palco.
* Segunda regra: Estude devagar. Esta regra é muito negligenciada. O estudo deve ser sempre feito com foco e controle, para evitar a aquisição de erros técnicos que, com o feedback que a repetição dá ao cérebro, se transformam em vícios difíceis de corrigir. Nunca ouviram um professor mais antigo dizer que "um erro só se desfaz com cem vezes certas"? É bem assim o processo de cognição. Então, procure sempre que possível reforçar a técnica correta. Para tal, estude com foco e controle, coisas que só o estudo lento provê. Este é parte do "segredo do sucesso" de alguns dos melhores violinistas da história, entre eles Itzhak Perlman.
Use o metrônomo em estudo na faixa de 45 a 75bpm. Acima disso só em questões bem específicas e esporadicamente. A velocidade virá naturalmente com a interiorização do trecho estudado - tocar rápido nada mais é que repetir velozmente algo que você tem pleno domínio.
* Terceira regra: Metrônomo é bom, mas saiba usá-lo. Importante saber usar bem esta ferramenta. Conheço várias pessoas que só conseguem tocar em 4/4 por causa do mau uso do metrônomo.
A priori, o estudo de repertório não se dá com metrônomo. Você usa num primeiro momento para resolver as questões rítmicas quando dá aquela passada geral e nas primeiras passadas nos fragmentos após a análise. Depois disso, você esquece um pouco do metrônomo e se concentra mais na interpretação.
Já o estudo de escalas/arpejos é perfeito para o uso de metrônomo, já que a constância e precisão rítmica é necessária dentro desse paradigma.
Outra coisa importante é saber contar de cabeça, sem depender do metrônomo pra se encontrar na música. Isto se adquire com o estudo detalhado de percepção, principalmente rítmica. Procurem um livro chamado "Rítmica", de José Eduardo Gramani, e façam alguns exercícios dele todos os dias (ou pelo menos dia sim, dia não).
* Quarta regra: Crie um ambiente propício ao estudo. O ideal aqui é montar um espaço onde você possa se isolar do mundo exterior e entrar no mindset do estudo e da música. Isto é importante pois tudo começa pela motivação - e ter um bom ambiente ajuda a motivar-se.
Desconecte-se: deixe pra trás celular, facebook, twitter, interfone, vizinha/mãe/vó chamando, e mergulhe de cabeça neste ambiente.
Eu uso meu próprio quarto. Quando vou estudar, deixo-o bem iluminado e coloco todos os materiais já ao alcance das mãos.
* Quinta regra: Descanso é fundamental Faça uso da técnica pomodoro (pt.wikipedia.org/wiki/Técnica_Pomodoro), mas adapte-a às suas necessidades.
É realmente importante respeitar o tempo de descanso. Ele é o alívio da tensão sofrida pelo cérebro durante o estudo (a criação de novos caminhos entre os neurônios) e também serve como uma ferramenta para manter seu foco sempre alto. A tendência é nosso foco diminuir com o passar dos minutos, então tirar alguns minutinhos em off vai evitar este déficit de atenção. A cada 45-50 min de prática, 10-15 min de descanso - o que também ajuda a prevenir doenças e lesões por esforço repetitivo.
Também deve-se manter uma boa qualidade de sono, com no mínimo 6 horas por dia. É de suma importância pois é durante o sono que nosso cérebro refaz os caminhos cognitivos todos para reforçar nossas habilidades (lembra-se da história de evitar o feedback negativo da regra 2?). Atrapalhar este processo é penoso à técnica que você está construindo, além de submeter o corpo à tensões desnecessárias.
* Sexta regra: Lei do menor esforço, ou KISS (Keep It Simple Stupid). Simples não é sinônimo de fácil, deixo isso frisado. Mantendo o mais simples provê uma maior eficiência ao tocar. O que é o menor esforço em técnica? Por exemplo, ao ter várias opções de dedilhado, escolher fazer aquele em que a mão muda menos de forma e tem a melhor realização sonora.
Exemplos de simplicidade: evitar mudar exageradamente de posição de mão(1), evitar aplicar pressão excessiva no braço ou nas cordas, manter uma boa postura frente ao instrumento etc.
(1) - Na família dos arcos e no violão clássico o estudo das posições e trocas é importante. Posição seria o intervalo do braço do instrumento que mão fixa e em sua forma normal cobre, contando a partir das cordas soltas e subindo a ordem a cada grau (geralmente 1 tom). As posições servem para mapear o braço do instrumento dentro do seu cérebro, fazendo um link entre qual dedo representa qual nota em qual posição. Uma analogia boa é pensar que as posições são como andares de um prédio, enquanto a mudança seria o elevador.
* Sétima regra: Não decore os padrões de digitação - entenda-os! Não decore padrões, você é músico e não datilógrafo. Decorar sem entender o porquê daquilo resulta em falta de controle.
Entenda como funciona a lógica por trás disso e pratique muito, assim você absorve os fundamentos sem ter que decorar cada um dos zilhões de padrões de digitação que existem.
* Oitava regra: Encare os estudos como se fossem músicas para uma apresentação Esta regra parece entrar em confronto com a #1, mas investigando mais a fundo, vemos que não. Encare os exercícios repetitivos (1234,1234,1234 lembra-se?) como se fossem músicas a ser preparadas para uma apresentação. Isto dá um gás a mais - você acaba se utilizando dum outro mindset e além de estar mais motivado, fica mais focado também. É importante sempre tirar um bom som do instrumento, com controle.
* Nona regra: Cuide-se bem. Saúde do músico é um campo em que a academia começou a se preocupar de uns anos para cá. É sabido que músicos têm propensão a desenvolver uma porção de doenças por causa de sua atividade, e nós temos que minimizar o risco delas ocorrem. Lembre-se que uma lesão pode ser fatal nas suas pretensões com o instrumento.
Cada sessão de estudo deve começar por um alongamento de todo o corpo, com bastante foco nas mãos e braços, seguido de um aquecimento no instrumento. Vou colocar um exercício como aquecimento no fim do texto; acho interessante pois ele trabalha vários fatores e muita escala, perfeito para aquecer e para controle do fluxo melódico - não a toa, o nome dele é "exercício para soltar os 4 dedos". Ele é originalmente para violino, mas pode ser transposto para qualquer instrumento sem perder suas propriedades: pra violão, guitarra e contrabaixo (elétrico e acústico), eu colocaria em mi maior; para o violoncello e a viola, em dó maior; para piano e cravo, dó maior com as duas mãos fazendo a mesma linha, com 1 oitava de distância.
* Décima regra: Escalas são suas amigas. Então saiba estudá-las. Existe uma infinidade de escalas. Tonais, atonais, modais, especiais, exóticas, sintéticas, com x sons por oitava... escalas são o recurso básico para a construção melódica - elas provêm a gama de notas e intervalos que o modo/tom utiliza.
Então, é de suma importância o estudo de escalas. Mais importante até que o de repertório nesta fase. Mas como estudá-las? Max Rostal, no seu prefácio para o livro "Scale System de Carl Flesch, propõe uma boa forma de divisão do estudo durante a semana (link no fim). Só que esta rotina já exige alguém tecnicamente avançado para cumpri-la de forma competente. Uma solução que encontrei foi mesclar isto com outros materiais e deixar a seção de cordas duplas mais pra frente no estudo, enquanto enfoca mais em escalas/arpejos diversos de 2, 3 e 4 oitavas e em cordas duplas "quebradas" (ou seja, não ao mesmo tempo, como nas escalas em 3as alternadas).
Podemos (e devemos) também estudar articulação junto de escalas. Por exemplo: na guitarra, tocar 3 vezes o mesmo exercício de escala, sendo que: na 1a, tocar todas as notas com palhetada alternada; na 2a, ligar as notas de 2 em 2; na 3a, ligar de 4 em 4(talvez crie um problema esta articulação aqui neste contexto)... o céu é o limite.
Jascha Heifetz (se não o conhece, deveria) sempre dizia em suas masterclasses: "se vocês querem tocar da forma que fazem hoje em dia quando ficarem velhos, estudem escalas todos os dias". Lembrando que o teste de admissão nesses masterclasses eram duríssimos; a maioria dos alunos viraram grandes músicos de sua época.
* Décima primeira regra: Teoria não existe sem prática; prática não se mantém sem teoria. Vejo muitos músicos estudando harmonia, por exemplo, sem nem saber partitura. Não é impossível, mas além de limitante nesse nosso contexto, é muito mais difícil de internalizar os conceitos. Saber partitura é fundamental para qualquer músico profissional assim como saber ler e escrever é fundamental para qualquer escritor. Além de ser uma forma mais confiável que a memória para o registro musical, ela provê uma facilidade extra: a visualização de toda a estrutura da música.
Saber partitura vem junto de um trabalho de percepção (use programas como o EarTuner, Earope, Auralia...), senão fica descolado da aplicação prática.
Entrando agora nas matérias teóricas, vejo muita gente estudar harmonia mas negligenciar formas e contraponto. Do ponto de vista do intérprete, forma é tão importante quanto harmonia, porque são as duas ferramentas principais para sua análise de uma música. Com o estudo da harmonia, você entende como a mistura de sons está ocorrendo e como ela pode mudar, enquanto que o estudo de forma te mostra como a estrutura da música funciona. Praticando análise, você percebe o quanto a harmonia está atrelada à forma, e vice-versa. Entender como a música funciona é o passo primordial para executá-la bem.
Já o contraponto eu também acho interessante para o intérprete estudar (para o compositor, é obrigatório!). Não como meio de obter um controle de criação melódico-harmônica ou coisa assim, mas como uma ferramenta para obter a capacidade quase que "mágica" de ter uma visão clara do que acontece ao mesmo tempo. Isso pode não fazer muito sentido para quem só toca pop-rock, mas em estilos onde o pau tá quebrando o tempo inteiro (como prog rock, choro, jazz, música clássica etc), faz uma diferença enorme em termos de performance.
Recapitulando: * Para o intérprete: harmonia, forma e contraponto tão de bom tamanho; * Para o compositor: harmonia, forma, contraponto, orquestração e instrumentação, alguns tópicos de musicologia, psicoacústica... e, óbvio, composição.
--- Por enquanto, tá bom. Depois eu volto com formas de dividir o tempo de estudo e estratégias para otimização.
Links: * LEONARD, Hubért - "Exercice pour délier les 4 doigts", do livro "Gymnastique du violon". http://postimg.org/image/clbz1oaed/ * ROSTAL, Max & FLESCH, Carl - Tabela para divisão do estudo de escalas, no prefácio do editor de "Scale System", edição de Max Rostal. http://postimg.org/image/ql2ptnmml/
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