Quais notas um tenor deve alcançar?

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billie_joe
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# jan/09 · Editado por: billie_joe
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Blytheron,

Comecei meus estudos de canto lírico há aproximadamente um ano, e no início minha tessitura ia também só até o G3, e começava em Bb1.

Hoje, com muito estudo e orientação técnica adequada, consigo chegar a Db4 ou mesmo D4 nos vocalizes de abertura de tom (normalmente feitos em "ó"), e minha tessitura só se firmou, por ora, em Bb3, para árias, mas tende a fixar em B3 ou mesmo C4. Sou tenor lírico.

Por concentrar meu trabalho mais na região média e aguda, acabei por perder um pouco da consistência nos graves, eis que comecei a trabalhar somente a partir de C2.

Quanto ao lance de primeiros e segundos tenores, concordo com a classificação do juca_22, no segundo post: em geral, nos corais de quatro ou mesmo oito vozes (como no "Coro dos Peregrinos", de Wagner), os primeiros tenores costumam ser os leggeros e os lírico-leggeros (vozes mais leves, metálicas e brilhantes, que atingem os agudos com mais facilidade), enquanto os segundos tenores são os líricos, os lírico-spintos, os lírico-dramáticos e, quando há, os dramáticos, sendo estes últimos bastante raros, que são vozes mais encorpadas.

Alguém citou Del Monaco aí. Este era um legítimo tenor dramático, emitia um B3 consistente e graves consideráveis, chegando mesmo a G1 e até Gb1 com consistência (procurem no youtube e acharão ele cantando o Prólogo -- Si può -- da ópera I Pagliacci, ária escrita pra barítonos líricos ou dramáticos graves e encorpados).

Muitas mitificações estão sendo tratadas neste tópico. Primeiramente, vi alguém aí dizer que emite G7... neste caso, deveria treinar, pois aumentando uma quarta, pode entrar no Guinness Book, já que o atual recordista em notas agudas masculinas, o tenor Adam Lopez, atinge "apenas" B7, em registro whistle.

Quanto ao controvertido "high C", o Dó4 de peito, nem todos os tenores atingem. Esta nota é confortável para os leggeros e lírico leggeros (vide a ária Pour Mon Âme, de La Fille Du Regiment, Donizetti, interpretada por lírico-leggeros, como Juan Diego Florez e por leggeros plenos, como Rockwell Blake e Alfredo Kraus).

Já para o tenor lírico -- o mais "famoso" --, que canta papéis como Il Ducca di Mantua, em Rigoletto (ária famosa: La Donna È Mobile), o B3 costuma ser o ápice da tessitura e o C4 pleno é geralmente uma nota de difícil execução, feita, quando muito, uma ou duas vezes numa ópera inteira para este naipe de voz.

Outra coisa a ter em mente: idade. É muito comum que os tenores, na juventude, tenham uma voz mais clara e leve, indicada para o bel-canto (Donizetti, Rossini, Mozart) e, com o passar do tempo, adquiram peso, tornando-se líricos ou lirico-spintos, com graves mais acentuados, de modo a cantar papéis de Verdi, Leoncavallo e até mesmo Wagner.

Em geral, a voz faz a muda na adolescência, encontra sua idade ótima para fixação de extensão e tessitura por volta dos 20 anos e para fixação de peso e escurecimento de timbre entre 25 e 30 anos.

Com relação ao tempo de estudo, é um assunto muito relativo, uma vez que o aparelho fonador é algo delicado e bastante individual. A resposta fisiológica ao estudo da técnica e a maior ou menor assimilação das orientações do professor ditarão o seu ritmo de desenvolvimento.

Como disse, eu mesmo abri de G3 a Bb3 em tessitura e até D4 em extensão, com apenas um ano de estudo, mas dando o sangue com estudos diários, principalmente de respiração e controle diafragmático. Em se tratando de iniciantes como nós, o ideal é procurar classificar a voz com base em outras propriedades que não a extensão, tais como o brilho, o metal, a leveza ou peso, a cor do timbre etc, pois tons agudos tendem a ficar "escondidos" até que a técnica permita que você os utilize.

Caso sua voz tenha uma cor baritonal, você pode ser um Barítono Martin (A1-Bb3), ou mesmo um Barítono Alto (A1-B3), tudo a depender dos seus graves, do "corpo" da sua voz e da agilidade (facilidade para legatos e coloraturas).

Uma dica: procure estudar sempre com maestros ou, ao menos, regentes, e evite treinadores de voz não-profissionais (são comuns em corais de igreja), pois uma má classificação pode prejudicar definitivamente sua voz.

Abraço.

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# jan/09 · Editado por: membro
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Apesar do post completo e muito bem escrito, eu faria algumas ressalvas:

Primeiro com relação a data do último post, já bem antigo e não creio que esse usuário ainda ande por aqui.

Segundo:

interpretada por lírico-leggeros, como Juan Diego Florez e por leggeros plenos, como Rockwell Blake e Alfredo Kraus).

Há uma confusão aqui. O Florez é um tenor ligeiro e Alfredo Kraus é um lirico-ligeiro. A diferença de peso da voz de um para o outro é bem significativa inclusive.

indicada para o bel-canto (Donizetti, Rossini, Mozart)

Mozart não é nem nunca foi um representante do belcanto.

procure estudar sempre com maestros ou, ao menos, regentes

Isso pode ser considerado com relação ao estilo, mas maestro e regente não são professores de canto, alguns até entendem alguns quesitos de técnica e podem dar algumas dicas. Para formar vozes: professores de canto.

igu_
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# fev/09
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Gente o dó central do piano é qual dó?? 1, 2,3,4???

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# fev/09
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igu_

Dó 3

billie_joe
Veterano
# fev/09 · Editado por: billie_joe
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Cantante,

Nem olhei a data do post... Bom, mas acho que talvez valha a pena "ressuscitá-lo", pelo assunto extremamente interessante que abarca. Mas de fato, peguei um tópico jurássico.

Quanto à questão do Kraus e do Flórez, eis aí uma discussão difícil. Se por um lado, Flórez "apareceu" cantando papéis de tenor leggero, por volta de 1996, há que se atentar par o fato de que ele nasceu em 73, e tinha, à época, meros 23 anos.

De lá pra cá, ele ganhou um pouco de peso, tanto que dá pra achar no youtube ele cantando La Donna è Mobile, típico papel pra tenor lírico "pleno", e que já necessita de mais peso -- sendo um papel verdiano --, e ele o faz com grande propriedade.

O Kraus, pelo contrário, é bem mais velho -- "apareceu" na década de 60 -- e em interpretações dos anos 80 e 90, sim pode-se reparar que seu timbre encorpou e escureceu, e seu repertório se diversificou. Mas veja os vídeos antigos, sobretudo de La Fille Du Regiment, ou como Almaviva em Il Barbieri di Siviglia, e perceberá uma grande tendência do timbre para o leggero.

Classificações são sempre perigosas. Mas admito, é uma questão difícil, eu posso estar fazendo confusão.

Quanto à questão do Mozart, eu acho que alguns papéis -- Don Ottavio, em Don Giovanni, por exemplo -- precisam de características do bel-canto.

Mas Mozart é peculiar, não só no contexto geral de sua obra como compositor de óperas e outros tipos de música erudita, mas também pelo fato de que seus papéis por vezes exigiam características bem específicas, sendo que hoje, entre os lirico-leggeros e os leggeros, fala-se em tenor mozartiano.

Enfim, a idéia geral quando citei Mozart é o fato de que a maioria dos cantores que interpretam papéis mozartianos costuma ter bom desempenho em papéis e peças de bel-canto.

Por fim, quanto aos maestros e regentes, eu estava me referindo basicamente ao canto coral. É claro que o ideal é ter um professor individual, mas muitas pessoas não fazem aulas de técnica vocal, e seu conhecimento se limita às noções gerais passadas no coral. E, convenhamos, corais de igreja podem ter regentes que transformam a maior voz do mundo em nada.

Mas é indiscutível, mesmo, que o professor de canto é a melhor escolha, quando disponível.

Abraço.

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# fev/09
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billie_joe

Quanto ao Florez, está mais para Matteuzzi do para Kraus por exemplo.

Vendo uma entrevista do próprio Kraus, que cantou Rigoletto a vida toda, ele diz que o papel do Duque de Mântua (totalmente adequado) à sua voz é basicamente escrito - e ele entende assim - para um tenor lirico-ligeiro. Como o próprio Kraus se coloca como lirico-ligeiro e levando-se em conta do fantástico professor de canto que ele foi, não creio que ele não tenha razão a respeito da própria voz.

Quanto à Mozart já que é o mais conhecido representante do Período Clássico, não pode ser citado como representante do belcanto. (foi só pela sua citação, não foi para ser chato não).

Agora, quanto à questão dos maestros e regentes em se tratando de coral, como vc mesmo diz, a realidade é que eles mesmos acabam sendo os "preparadores vocais", isso quando esse papel não é feito pelo pianista co-repetidor e com noções gerais (mesmo).
No mundo perfeito, todo coral teria que ter o seu professor de canto e um prof. de teoria musical no mínimo, fonoaudiólogo de plantão, mas...pura utopia.

até. :)

Até.

billie_joe
Veterano
# fev/09
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Cantante,

Certo, a minha intenção ao citar Mozart foi mais por conta das características exigidas para os tenores, mas, realmente, agrupá-lo com Donizetti e Rossini, se analisarmos o contexto geral da história da música, foi algo grosseiro.

Quanto ao Kraus, andei revisitando vários vídeos no youtube e realmente fez sentido observá-lo e ouvi-lo enquadrando-o como lírico-leggero. Acho que minha confusão vem do fato de que logo quando comecei a procurar os tenores líricos, gostei muito das interpretações do Francisco Araiza, e comparado com a dele, a voz do Kraus era mais leve.

Já o Flórez eu descobri recentemente, em outro contexto, e realmente valeu a pena rever a diferença e redefinir meus conceitos.

Já quanto ao lance de o papel de Il Ducca di Mantua ter sido escrito para lírico-leggero, você tocou num outro ponto. Eu tenho (como todo mundo, acho, hehe), em .mpeg, aquela montagem de Rigoletto de 1977, no Metropolitan, com Domingo, MacNell e Contrubas.

Embora seja possível notar que, mesmo à época -- ele estava no auge, tinha a voz também jovem --, Domingo parecia "fugir" um pouco dos B3 de Questa O Quella ou La Donna è Mobile, encurtando-os e até mesmo denotando certo esforço na emissão (ai, alto risco de heresia, hehe), considero uma grande interpretação, entre as melhores mesmo.

Recentemente li que o repertório dele inclui mais de 110 papéis completos e peças para récitas. É muita coisa.

Você acredita na existência do chamado "tenor absoluto"?

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# fev/09 · Editado por: membro
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O Placido é um cara muito inteligente. É notório que agudos não é muito a praia dele. Não é de hoje que ele 'foge" dos agudos ou melhor dá uma voltinha - com direito até a ficar de costas na hora de um dó por exemplo - quebrar o dó na Turandot, etc.
Eu penso que essa dificuldade é totalmente ligada à maneira como ele pensa em técnica, muita ponta, muita concentração (o que permitiu a ele cantar tantos papéis) porém sem liberdade na hora de subir para os super-agudos.
Numa voz como a dele, exigir mais do que um si3 é meio sacanagem da nossa parte, mas acontece que tem aqueles tenores tipo Bonisolli que tem um vozeirão do caramba e um dó super-seguro, mesmo o Del Monaco que não distribuia dós por aí, mas tinha um Si que era de fazer as pessoas pularem da cadeira, Corelli, etc, que complicam a vida dos caras que não tem facilidade.
O Kraus mesmo disse: bom, se um tenor não tiver pelo menos um dó...

Uma vez conversando com o Juremir Vieira, ele me disse que Rigoletto é ópera obrigatória para todo tenor. A ária Parmi veder le lagrime é ária de desempate/confronto lá fora e que quem começa nos teatros vai ter/e deve cantar isso alguns anos antes de se aventurar em outras óperas.

Não acredito em ninguém absoluto na verdade.
Alguns cantores tem essa mudança vocal conforme passam os anos, Del Monaco, Caruso, Mirella Freni, que começaram com vozes mais leves e depois entraram num repertório mais pesado.
Porém eu acho na verdade que já são vozes densas e que conseguem tirar o peso para conseguir cantar coisas mais leves - por uma questão mesmo de preservar a voz, porque obviamente não tem maturidade técnica para enfrentar um repertório mais duro - mas a essência da voz já é aquela que mais tarde vai se apresentar como definitiva.
Eu não vejo isso de "olha como sou versátil" seja muito produtivo. Já vi tenor lirico cantando papel de ligeiro mal pra caramba e enfim, a ópera ficou no currículo mas de que adianta? Cantou, mas cantou mal?

Antigamente os tenores podiam usar o falsete à vontade, Caruso, Gigli, e assim cantarem coisas mais leves sem problemas e sem serem criticados por estarem fora de estilo. Hoje não dá mais.

Tantos exemplos por aí de tenores que se arrebentaram tentando cantar papéis mais pesados (Carreras - Di Stefano), além da técnica ruim, ou falta dela é claro. E outros de voz mais densa tentando cantar papéis leves ficando completamente descaracterizados.

Nesse ponto eu acho que o cara mais esperto e que conseguiu melhor resultado foi o Placido mesmo, mais por inteligência e insistência, do que uma voz altamente capacitada.

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