Al Majíd Veterano |
# mar/04
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A música está presente na vida de todos diariamente, voluntariamente ou não se ouve música várias vezes por dia e em alguns ela desperta paixões extremas que conduzem a uma dedicação intensiva, apaixonada que chega a adquirir cores religiosas. Porém, entre aqueles que têm uma relação mais profunda com a arte musical, profissionais ou diletantes, observo que a grande maioria não tem idéia de como foi feita a escala musical, muitos nunca se perguntaram, outros esqueceram e outros ainda relevaram esta questão como desimportante. Eu não, acho que o conhecimento da origem das notas musicais é fundamental para uma compreensão mais profunda da arte da execução, da composição e, por que não, da audição; sem falar que, na minha opinião, o conhecimento se justifica por si mesmo. Para aqueles que comungam comigo desta idéia apresento aqui algumas considerações sobre a origem das notas musicais.
Tem-se que uma vibração, não no vácuo, é claro, acima de 20 ciclos por segundo, ou 20 hertz produz um som audível para o ser humano médio. Se esta vibração se mantiver constante teremos uma nota musical, arbitrariamente se convencionou chamar de Lá a nota produzida por uma vibração de 440 Hz (usa-se hoje até 444 Hz com lá). Pronto, temos uma nota. Se multiplicarmos por 2 esta freqüência, teremos 880 Hz que será um outro Lá, uma oitava acima o qual representa o primeiro harmônico da série harmônica da nota ( sua oitava)- mais adiante falarei sobre campo harmônico. Mas agora temos uma nota e suas oitavas: e as outras como surgiram?
Quando o cientista Celsius (não me recordo do primeiro nome) se propôs a criar uma escala de medição de temperaturas ele mediu a temperatura de fusão do gelo e da ebulição da água (em condições normais de temperatura e pressão) e dividiu arbitrariamente esta distância em 100 graus formando a escala Celsius que usamos no Brasil (usam-se outras escalas no mundo, sempre dividindo a diferença de temperatura entre dois eventos). Ora, poder-se-ia pensar que a escala musical fosse a divisão em 12 graus da distância entre 2 oitavas, sendo o 12 uma escolha aleatória. Não é assim, aliás, a título de curiosidade, posso demonstrar tal afirmação: se temos uma freqüência de 440 Hz e a multiplicamos por 2 teremos uma nota e sua oitava (no caso a nota Lá) se dividirmos por 12 este intervalo teremos 12 graus matematicamente distribuídos da seguinte forma:
Nota
A A#
B
C
C# D D# E F F# G G# A
Freq. Hz 440
476,6667 513,3333 550
586,6667 623,3333 660 696,6667 733,3333 770 806,6667 843,3333 880
Se tivermos um sintetizador de sons (quase todos os programas de áudio de computador o têm) poderemos criar notas com estas freqüências e ver (ouvir) que não corresponde escala que conhecemos, mas mesmo sem ouvir nada, apenas com simples cálculos vemos que esta “escala” está errada: se continuarmos na mesma progressão teremos um paradoxo matemático:
Nota
A A#
B
C
C# D D# E F F# G G# A
Freq. Hz 440
476,6667 513,3333 550
586,6667 623,3333 660 696,6667 733,3333 770 806,6667 843,3333 880
Nota
A# B C
C#
D D# E
F F# G G# A
Freq. Hz 916,6667 953,3333 990
1026,667 1063,333 1100 1136,667 1173,333
1210 1246,667 1283,333 1320
Vemos aqui que, mantendo-se a mesma constante (33,66667) da divisão de 440 por 12, encontraremos um “lá” cuja freqüência é de 1320 Hz quando sabemos que deveria ser de 1760 Hz ou seja 880Hz X 2, de forma que, além da audição, a matemática mostra que o incremento aritmético de Hertz não nos conduz a uma escala musical correta.
Obviamente, como se trata de formar escalas que se vão repetir por diferentes oitavas teremos que usar um incremento percentual de forma que, como a diferença percentual entre uma nota e sua oitava é de 100%, basta dividir este incremento por 12 graus e assim teremos os 12 semitons que compõem a escala, ou não? Dividindo-se a oitava em incrementos percentuais constantes chegaríamos a um fator de 5,946 % de incremento para cada nota e assim teríamos:
Nota
A A#
B
C
C# D D# E F F# G G# A
Freq. Hz 440
466,1638 493,8833 523,2511 554,3653 587,3295 622,254 659,2551 698,456 5 739,9888 783,9909 830,6094
880
Nota
A#
B
C
C# D D# E F F# G G# A
Freq. Hz 932,3275 987,7666
1046,502 1108,731
1174,659 1244,508 1318,51 1396,913 1479,978
1567,982 1661,219 1760
De fato observamos que, matematicamente, o incremento percentual satisfaz a questão da proporcionalidade entre as notas e entre as oitavas, se pusermos estas freqüências em um sintetizador de som veremos que soarão notas bem reais, mas temos um problema: a notação musical é muito anterior ao surgimento da energia elétrica, sintetizadores então nem pensar. Então voltamos à pergunta original: como surgiu a escala?
Bem, em se partindo da primeira manifestação musical do Homem, o canto, teremos uma melodia e portanto notas definidas; a diferença individual das vozes nos faz supor que a primeira harmonia ou seja a segunda nota da escala foi a oitava ou seja uma freqüência 2 vezes maior alcançada de forma intuitiva que é também o primeiro harmônico da série. Dividindo-se por 2 o intervalo entre uma nota e sua oitava chegaremos a uma 3ª nota que vem a ser o segundo harmônico ressalte-se que os harmônicos de uma nota não são compreendidos isoladamente mas são audíveis e compõem o timbre). Esta 3ª nota seria o passo harmônico mais natural depois da oitava e vem a ser a 5ª justa da nota base, assim se temos para o Lá 440Hz teremos para o outro Lá, uma oitava acima, 880 Hz e exatamente entre os 2 teremos o Mi com 660Hz ou, entre 440 Hz e 220 Hz (o Lá e sua oitava abaixo) o Mi com 330 Hz , exatamente a metade de 660Hz. Se ainda dividirmos por 2 a distância entre o Lá e o Mi acima, sua 5ª justa, teremos o terceiro harmônico o Dó# com o qual formaremos o acorde perfeito maior Lá, Dó# e Mi. Se dividirmos a distância entre o Mi e o Lá acima deste ( 660Hz e 880Hz) teremos um Fá# a 770 Hz que nos dará um acorde perfeito menor Fá#, Lá e Dó#. Observando numa representação gráfica de ondas vemos que estas notas, por serem freqüências múltiplas entre si, quando sobrepostas apresentam uma configuração simétrica que pode ser facilmente percebida pelo ouvido humano devendo-se a este fato o nome “perfeito” que têm tais acordes.
Quero aqui fazer uma consideração, a simetria é um padrão universal de perfeição e beleza, o universo é simétrico, os seres vivos o são, até mesmo os átomos são simétricos de forma que, o conforto, a sensação de perfeição e beleza que se tem quando se ouve um acorde perfeitamente simétrico (perfeito maior ou menor) não é uma questão eletiva ou cultural, faz parte da nossa própria natureza e da natureza do mundo.
Continuando, veremos que se tomarmos um Mi (660Hz) e multiplicarmos por 2 teremos obviamente outro Mi uma oitava acima (1320 Hz) e dividindo-se por 2 a distância teremos a 5ª justa ou seja o Si (990 Hz) da mesma forma que se tomarmos a oitava inferior deste Mi ( 330 Hz), teremos com o mesmo cálculo outro Si (445 Hz). Em se procedendo assim sucessivamente teremos as primeiras 12 notas musicais e outras tantas mais se quisermos ou se as pudermos distinguir umas das outras, mas não é o fim da linha!
O leitor mais atento verá que se podem alcançar todas as notas partindo de qualquer uma, tanto para cima quanto para baixo apenas multiplicando ou dividindo cada freqüência por 1,5, assim teríamos um Lá 440 X 1,5 = Mi 660, Mi 660X 1,5= Si 990 etc como na tabela abaixo:
Ab
25,75217
51,50434
103,0087
206,0174
412,0348
824,0695
1648,139
Eb
38,62826
77,25652
154,513
309,0261
618,0521
1236,104
2472,209
Bb
57,94239
115,8848
231,7695
463,5391
927,0782
1854,156
3708,313
F
86,91358
173,8272
347,6543
695,3086
1390,617
2781,235
5562,469
C
130,3704
260,7407
521,4815
1042,963
2085,926
4171,852
8343,704
G
195,5556
391,1111
782,2222
1564,444
3128,889
6257,778
12515,56
D
293,3333
586,6667
1173,333
2346,667
4693,333
9386,667
18773,33
A
440
880
1760
3520
7040
14080
28160
E
660
1320
2640
5280
10560
21120
42240
B
990
1980
3960
7920
15840
31680
63360
F#
1485
742,5
371,25
185,625
92,8125
46,40625
23,20313
C#
2227,5
1113,75
556,875
278,4375
139,2188
69,60938
34,80469
G#
3341,25
1670,625
835,3125
417,6563
208,8281
104,4141
52,20703
D#
5011,875
2505,938
1252,969
626,4844
313,2422
156,6211
78,31055
A#
7517,813
3758,906
1879,453
939,7266
469,8633
234,9316
117,4658
F
11276,72
5638,359
2819,18
1409,59
704,7949
352,3975
176,1987
C
16915,08
8457,539
4228,77
2114,385
1057,192
528,5962
264,2981
G
25372,62
12686,31
6343,154
3171,577
1585,789
792,8943
396,4471
D
38058,93
19029,46
9514,731
4757,366
2378,683
1189,341
594,6707
A
57088,39
28544,19
14272,1
7136,049
3568,024
1784,012
892,0061
No entanto observa-se que, por razões matemáticas, as freqüências de Lá (em vermelho na tabela) calculadas pela divisão por 2 (oitavas) de um Lá alcançado pela razão de 1,5 a partir de 440 não correspondem às freqüências de Lá alcançadas pela multiplicação por 2 (oitavas) do Lá 440, note por exemplo um Lá 892,0061 Hz que deveria ser igual ao Lá 880 Hz! Aí reside a origem do sistema temperado!
No sistema natural (o canto por exemplo) a afinação de uma nota se dá em função de uma outra tomada com referência, assim, um Dó# tomado em função de um Lá terá uma afinação diferente de um Dó# tomado em função de um Fá# ( 550Hz e 556,875 Hz) porém, este sistema é complicado demais para ser codificado e usado em formações instrumentais maiores de forma que no benefício da prática diluíram-se as diferenças entre os extremos de freqüências de maneira que o “erro” presente em cada nota seja praticamente imperceptível ao ouvido humano, cada nota assume um pequeno erro e todas podem conversar entre si: este é o sistema temperado que possibilitou o surgimento do piano e mais tarde dos sintetizadores eletrônicos. É claro que em execuções musicais mais refinadas com instrumentos não temperados como a voz ou o violino, ainda se busca uma realidade musical mais perfeita mas de resto o sistema temperado veio para ficar com suas 12 tonalidades maiores e 12 menores genialmente apresentadas por Bach em seu “O cravo bem temperado”.
A título de curiosidade, e eu sei que alguns poucos ficarão curiosos, eu fiz uma tabela de notas musicais corrigidas pelo “fator de temperamento” que calculei em 1,498307077, ou seja: o fator de multiplicação deixa de ser exatamente 1,5. É claro que quanto mais distantes forem os extremos sonoros a equilibrar maior será a distorção do “fator de temperamento”.
A
3,437499999
6,874999999
13,75
27,5
54,99999999
110
220
440
880
1760
E
5,150430576
10,30086115
20,6017223
41,20344461
82,40688922
164,8138
329,6276
659,255114
1318,51
2637,020455
B
7,716926581
15,43385316
30,86770632
61,73541265
123,4708253
246,9417
493,8833
987,766602
1975,533
3951,06641
Gb
11,56232571
23,12465142
46,24930283
92,49860567
184,9972113
369,9944
739,9888
1479,97769
2959,955
5919,910763
Db
17,32391443
34,64782887
69,29565774
138,5913155
277,1826309
554,3653
1108,731
2217,46105
4434,922
8869,84419
b
25,9565436
51,91308719
103,8261744
207,6523488
415,3046975
830,6094
1661,219
3322,43758
6644,875
13289,75032
Eb
38,89087296
77,78174592
155,5634918
311,1269837
622,2539674
1244,508
2489,016
4978,03174
9956,063
19912,12696
Bb
58,27047019
116,5409404
233,0818807
466,1637615
932,327523
1864,655
3729,31
7458,62018
14917,24
29834,48074
F
87,30705785
174,6141157
349,2282314
698,4564628
1396,912926
2793,826
5587,652
11175,3034
22350,61
44701,21362
C
130,8127826
261,6255653
523,2511306
1046,502261
2093,004522
4186,009
8372,018
16744,0362
33488,07
66976,14471
G
195,997718
391,995436
783,9908719
1567,981744
3135,963488
6271,927
12543,85
25087,7079
50175,42
100350,8316
D
293,6647679
587,3295358
1174,659072
2349,318143
4698,636287
9397,273
18794,55
37589,0903
75178,18
150356,3612
A
440
220
110
55
27,5
E
659,2551138
329,6275569
164,8137785
82,40688923
B
987,7666025
493,8833013
246,9416506
123,4708253
61,73541266
F#
1479,977691
739,9888455
369,9944227
184,9972114
92,49860568
C#
2217,461048
1108,730524
554,365262
277,182631
138,5913155
69,29566
G#
3322,437581
1661,21879
830,6093952
415,3046976
207,6523488
103,8262
51,91309
D#
4978,03174
2489,01587
1244,507935
622,2539675
311,1269837
155,5635
77,78175
A#
7458,620185
3729,310092
1864,655046
932,3275231
466,1637616
233,0819
116,5409
58,2704702
F
11175,30341
5587,651704
2793,825852
1396,912926
698,4564629
349,2282
174,6141
87,3070579
43,65353
21,82676447
C
16744,03618
8372,018091
4186,009045
2093,004523
1046,502261
523,2511
261,6256
130,812783
65,40639
32,70319567
G
25087,70791
12543,85395
6271,926977
3135,963488
1567,981744
783,9909
391,9954
195,997718
97,99886
48,9994295
D
37589,0903
18794,54515
9397,272575
4698,636287
2349,318144
1174,659
587,3295
293,664768
146,8324
73,41619199
A
56320,00001
28160
14080
7040,000001
3520,000001
1760
880
440
220
110
E
84384,65458
42192,32729
21096,16365
10548,08182
5274,040912
2637,02
1318,51
659,255114
329,6276
164,8137785
B
126434,1251
63217,06257
31608,53129
15804,26564
7902,132822
3951,066
1975,533
987,766603
493,8833
246,9416507
F#
189437,1445
94718,57223
47359,28612
23679,64306
11839,82153
5919,911
2959,955
1479,97769
739,9888
369,9944228
C#
283835,0142
141917,5071
70958,75355
35479,37677
17739,68839
8869,844
4434,922
2217,46105
1108,731
554,3652621
Observe por exemplo que nesta tabela temperada o Mi, primeira 5ª de Lá, tem a freqüência de 659,255 Hz e não 660 Hz. Eu acho que nem mesmo o Sílvio Barbato iria perceber que está baixo, mas está!
Eu disse que iria falar sobre a série harmônica, falo agora: são os sons secundários emitidos quando se soa uma determinada nota e que variam em intensidade para cada instrumento que produza o som determinando seu timbre. Darei o exemplo da série harmônica de Dó para simplificar, aqueles que quiserem poderão transportar para qualquer nota, mantendo evidentemente os intervalos. Em tempo: os harmônicos de uma nota vão se tornando cada vez mais tênues quanto mais distantes, de forma que darei aqui apenas os primeiros harmônicos da série sem repeti-los, e não todos pois seria impossível. Dó, Sol, Mi, Ré , Fá..........etc.
Nota importante: Este trabalho não pretende ser a palavra final sobre o assunto de forma que, sentir-me-ei honrado se me forem apresentados erros que por ignorância ou distração tenha cometido.
Ayrton Pisco
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