'As leis são intrincadas, mal feitas" diz Joaquim Barbosa em entrevista

    Autor Mensagem
    Konrad
    Veterano
    # jun/11 · Editado por: Konrad


    Vale a leitura. Compartilho aqui.

    O relator do mensalão no STF descreve o foro privilegiado para parlamentares como "a racionalização da impunidade" e diz que é "patético" a Justiça ter quatro instâncias

    Nos últimos seis meses. o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, perdeu 9 quilos. Ele cortou as massas e aumentou a quantidade de verduras no prato - em mais uma tentativa de arrefecer as dores na coluna, problema de saúde que o persegue há anos. Aos 56 anos de idade, o ministro também carrega sobre os ombros a pesada responsabilidade de relatar o processo do mensalão - o maior escândalo de corrupção da história brasileira. que tanto pode levar para a cadeia figurões da política, o que seria um fato inédito, como também pode ajudar a consolidar o descrédito na Justiça, confirmando a máxima de que poderosos e prisão percorrem caminhos paralelos. Em entrevista a VEJA, Joaquim Barbosa, que deve assumir a presidência da Cone no fim do ano que vem, se diz formalmente impedido de comentar o caso do mensalão. Por outro lado, o ministro deixa clara a sua preocupação com as barreiras criadas pela própria legislação brasileira com o objetivo, segundo ele, de inviabilizar a punição de políticos corruptos.

    O protagonismo do STF dos últimos tempos tem usurpado as funções do Congresso?

    Temos uma Constituição muito boa, mas excessivamente detalhista, com um número imenso de dispositivos e, por isso, suscetível a fomentar interpretações e toda sorte de litígios. Também temos um sistema de jurisdição constitucional, talvez único no mundo, com um rol enorme de agentes e instituições dotadas da prerrogativa ou de competência para trazer questões ao Supremo. E um leque considerável de interesses. de visões, que acaba causando a intervenção do STF nas mais diversas questões, nas mais diferentes áreas, inclusive dando margem a esse tipo de acusação. Nossas decisões não deveriam passar de 200, no máximo 300 por ano. Hoje, são analisados 50000, 60000 processos. E uma insanidade.

    Qual é a consequência direta dessa sobrecarga?


    O pouco tempo de que dispomos para estudar e refletir sobre as questões verdadeiramente importantes, como anencefalia, ficha limpa, células-tronco. homoafetividade, regime de cotas raciais na educação. Estes, sim, são casos apropriados para uma Corte como o Supremo Tribunal Federal. Hoje, consumimos boa parte do nosso tempo julgando ações que não precisariam chegar aqui.

    O senhor pode dar um exemplo?


    Julguei um caso de um homem que foi processado criminalmente porque deu um chute na canela da sogra. Ele foi condenado e ingressou com um habeas corpus que veio parar aqui. Parece brincadeira. mas isso é recorrente.

    Há vários diagnósticos sobre o tema. Para o senhor, por que a Justiça no Brasil é tão lenta?

    Os processos demoram muito porque as leis são muito intrincadas, malfeitas. As leis não foram pensadas para dar solução rápida aos litígios. E um problema cultural, de falta de sentido prático para resolver as coisas. Deveríamos nos espelhar um pouco na Justiça americana. na rapidez com que ela resolve a maioria dos casos. Se um sistema judiciário não dá resposta rápida às demandas de natureza econômica. de natureza criminal, ele produz evidentemente uma descrença, um desanimo, que atingem a sociedade como um todo. inibindo investidores e empreendedores.

    Essa percepção tem do exercício da magistratura?


    O país atravessa um excelente momento econômico. Tenho amigos no exterior que dizem que hå muita gente querendo investir no Brasil. Ao chegarem aqui, porém, essas pessoas depararam com um emaranhado de problemas de ordem legal, que vai da emissão do visto de permanência à criação de uma empresa. São muitos os obstáculos.

    Esse emaranhado legal também está entre as causas da impunidade?

    A Justiça solta porque, muitas vezes, a decisão de prender não está muito bem fundamentada. Os elementos que levaram à prisão não são consistentes. A polícia trabalha mal, o Ministério Público trabalha mal. Na maioria dos casos que resultam em impunidade. é isso que ocorre. Por outro lado, o sistema penal brasileiro pune e muito... principalmente os negros, os pobres. as minorias em geral. Às vezes. de maneira cruel, mediante defesa puramente formal ou absolutamente ineficiente.

    O senhor concorda, então, com a ideia generalizada de que os poderosos não vão para a cadeia?

    O foro privilegiado, como o nome já diz. reflete bem essa distinção cruel que não deveria existir. Uma vez es chamei atenção para isso aqui no plenário do tribunal. Você se lembra quando o presidente Bill Clinton foi inquirido pelo Grand Jury? O que é um Grand Jury nos Estados Unidos? Nada mais que um órgão de primeira instância, composto de pessoas do povo. Era o presidente dos Estados Unidos comparecendo perante esse júri. falando sob juramento, sem privilégio algum. O homem mais poderoso do planeta submetendo-se às mesmas leis que punem o cidadão comum. O foro privilegiado é a racionalização da impunidade.

    Como assim?

    A criação do foro privilegiado foi uma aposta que se fez na impossibilidade de os tribunais superiores levarem a bom termo um processo judicial complexo. Pense bem: um tribunal em que cada um dos seus componentes tem 10000 casos para decidir, e cuja composição plenária julga questões que envolvem direitos e interesses diretos dos cidadãos. pode se dedicar às minucias características de um processo criminal? Não é a vocação de uma corte constitucional. Isso foi feito de maneira proposital.

    Para garantir impunidade?

    Evidente. O foro privilegiado foi uma esperteza que os políticos conceberam para se . proteger. Um escudo para que as acusações formuladas contra eles jamais tenham consequências.

    E, pelos exemplos recentes, parece que tem realmente funcionado.

    Político na cadeia? Vai demorar muito ainda para que se veja um caso. Um processo criminal, por colocar em jogo a liberdade de uma pessoa em única e última instância, tem de ser um processo feito com a máxima atenção. E difícil conciliar esse rol gigantesco de competências que o Supremo tem com a condução de um processo criminal. Coordenar a busca de provas, determinar medidas de restrição à liberdade, invasivas da intimidade, são coisas delicadíssimas.

    Esse raciocínio que o senhor acaba de fazer se aplica ao caso do mensalão?

    Não vou falar sobre isso. Esse é um processo que está em andamento. está sob os meus cuidados e. por isso. estou impedido de falar sobre ele.

    O senhor é o primeiro ministro negro do STF. Qual é a sua opinião sobre as politicas afirmativas?

    Em breve o Supremo vai se posicionar sobre a questão das cotas raciais. Não posso me antecipar sobre um tema que ainda está sob análise. O que posso dizer 6 que existem experiencias bem-sucedidas no mundo, mas isso não significa necessariamente que a receita possa ser copiada no Brasil. Não é um tema simples, mas é extremamente relevante.

    O senhor concorda com a forma como são escolhidos os ministros das cortes superiores?

    Não é o sistema ideal, mas não vislumbro outro melhor. Há os que criticam essa prerrogativa do presidente da República, mas acho que ele carrega consigo representatividade e legitimidade para isso. Qual seria a alternativa a esse sistema? A nomeação pelo Congresso? Seguramente essa alternativa teria como consequência inevitável o rebaixamento do Supremo a um cabide de emprego para políticos sem voto, em fim de carreira, como ocorre com o Tribunal de Contas da Unimo. Muita gente defende que se deva outorgar a escolha ao próprio Judiciário. Mas, com certeza, essa também não seria uma alternativa eficaz. Um corporativismo atroz se instalaria. Talvez, como ideia, poderíamos pensar em estabelecer um prazo fixo para o mandato dos ministros dos tribunais superiores.

    Quais serina es méritos dessa ideia de encartar a vida útil dos ministros?

    É sempre uma aventura institucional mudar subitamente a forma de funcionamento de um órgão que já tem 120 anos de vida e que, bem ou mal, é a mais estável das nossas instituições. Mas penso que pode haver ganhos no estabelecimento de mandatos, com duração fixa, de doze anos, por exemplo, sem renovação. Mandatos curtos trariam insegurança e suscitariam a discussão sobre a possibilidade de renovação, o que não seria bom.

    Da maneira como é feita hoje, a escolha dos ministros pelo presidente da República não leva a um comportamento submisso ao Executivo?

    No Brasil de hoje nao vejo nenhuma submissão do Judiciário ao Executivo. Nenhuma. O Judiciário brasileiro tem todas . as garantias, todas as prerrogativas para ser um dos mais independentes do mundo. Nem mesmo.os Estados Unidos contam com as nossas prerrogativas. As garantias da Constituição mudaram radicalmente a face do Poder Judiciário, que saiu de uma situação de invisibilidade, antes de 1988, para essa enorme visibilidade atual. O problema do Judiciário é de outra ordem, 6 organizacional, no plano da lei. Falta ousadia, falta coragem de propor mudanças que tornem a prestação jurisdicional mais rápida e pragmática.

    A Justiça é tarda e falha no Brasil por quais razões?

    É absurdo um sistema judiciário que conta com quatro graus de jurisdição! Deveriam ser apenas . duas instancias, como é no mundo inteiro. Essas instâncias favorecem o excesso de recursos. Faz sentido em um . país do tamanho do Brasil ter um sistema judicial em que tanto a Justiça Federal quanto a Justiça dos estados tenham como órgãos de cúpula das suas decisões duas cortes situadas na capital federal, uma com onze ministros e outra com 33? Bastaria uma. Em vez de termos duas cortes superiores para a Justiça comum, o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, poderíamos ter pequenas cortes, de no máximo sete juízes, em cada estado. Uma estrutura mínima que pulverizaria o trabalho do Superior Tribunal de Justiça. Só viriam para o Supremo os processos que tratassem de questões verdadeiramente constitucionais. Essa seria a maneira correta de o sistema funcionar.

    Então o senhor é a favor da proposta que prevê a execução imediata das decisões judiciais após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância?

    O Brasil precisa urgentemente de um sistema judicial que de respostas rápidas às demandas do cidadão por Justiça. Repito: não há como obter essas respostas rápidas com um sistema judicial com quatro graus de jurisdição. Isso é patético! Eu desafio qualquer um a me apontar uma única democracia minimamente funcional em que sejam necessárias quatro instâncias, que permitem dezenas de recursos, para que as decisões dos juízes, por mais singelas que sejam, tenham efetividade.

    O governo pretende flexibilizar a legislação para facilitar as compras e contratações para as obras da Copa do Mundo. Assunto que, provavelmente, vai acabar ocasionando um processo no STF. O que o senhor acha dessa saída?

    Sou contra abrir exceções para a Fifa. A Fifa é uma organização privada, que não presta contas a ninguém. Eu adoro futebol, mas as exigências que estão sendo feitas pela Fifa para organizar o Mundial no Brasil me parecem exorbitantes. Esse é mais um caso que não precisaria chegar ao Supremo.

    O STF confirmou na semana passada, inclusive com o voto do senhor a favor, a legalidade da decisão do ex-presidente Lula de não extraditar o terrorista Cesare Battisti. O Brasil não corre o risco do virar refúgio de criminosos?

    O que tenho a dizer sobre este caso está detalhado no meu voto. Não tenho nada a acrescentar.

    Konrad
    Veterano
    # jun/11
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    Já antecipando.

    "Mimimimimimimmimiim..... é da Veja" mimimimiimimi.

    Xeper
    Veterano
    # jun/11
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    Já antecipando.

    Quando sai o filme?

    Enfim, legal a entrevista msm e tal... mas vire e mexe esse assunto vem a tona e são dadas opniões parecidas. Essa é mais uma que chove no molhado

    jimmy vandrake
    Veterano
    # jun/11
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    O Brasil precisa urgentemente de um sistema judicial que de respostas rápidas às demandas do cidadão por Justiça. Repito: não há como obter essas respostas rápidas com um sistema judicial com quatro graus de jurisdição. Isso é patético! Eu desafio qualquer um a me apontar uma única democracia minimamente funcional em que sejam necessárias quatro instâncias, que permitem dezenas de recursos, para que as decisões dos juízes, por mais singelas que sejam, tenham efetividade.

    Esse é o ponto.
    Quem deveria promover a justiça é a lei através dos juizados. No entanto quem promove a grande bagunça e impunidade são os advogados através de recursos sem fim que acabam arrastando processos impedindo uma decisão judicial durante anos.
    Muitas pessoas acabam morrendo e não tem seus direitos julgados.

    Devil Boy
    Veterano
    # jun/11
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    Os processos demoram muito porque as leis são muito intrincadas, malfeitas. As leis não foram pensadas para dar solução rápida aos litígios. E um problema cultural, de falta de sentido prático para resolver as coisas. Deveríamos nos espelhar um pouco na Justiça americana. na rapidez com que ela resolve a maioria dos casos.

    Sim, é realmente um problema cultural. O Leviatã americano nem de longe tem a mesma densidade e as mesmas ambições megalômanas de absorver a sociedade que sua contraparte brasileira. Nada mais natural que, com menos burocracia e legiferança, ele se comporte de maneira mais eficiente.

    Para mim, a melhor Constituição já na promulgada na História do Universo foi essa aqui:

    http://www.h-net.org/~habsweb/sourcetexts/auscon.htm

    J. S. Coltrane
    Veterano
    # jun/11
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    discutir lei é discutir só a aparência e a legitmação do sistema tautológico de acumulação de capital

    brunohardrocker
    Veterano
    # jun/11
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    Por falar nisso, quero conferir a quantas anda:

    http://forum.cifraclub.com.br/forum/11/247313/

    qew
    Veterano
    # jun/11
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    Nossas decisões não deveriam passar de 200, no máximo 300 por ano. Hoje, são analisados 50000, 60000 processos. E uma insanidade.

    O ser humano por sí só já é podre, juntando com a cultura brasileira então dá nisso.

    GuitarHouse
    Veterano
    # jun/11 · Editado por: GuitarHouse
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    Eu detesto a Justiça do Trabalho, mas é meu maior foco hoje no escritório em razão de um cliente que possui centenas de funcionários. A cultura processual trabalhista é sensacional.

    Não se escuta falar mal da justiça do trabalho porque ela é uma justiça diferente. Funciona demais. Há vontade nos funcionários; há a cultura da necessidade de prestação eficiente.

    Celeridade acima de tudo. Processos duram muito pouco. Há processos que duram 3 semanas, 1 mês. Há processos com perícia que duram 3 meses, ou 6 meses em grau de recurso!

    Juizes do trabalho trabalham pesado. Há metas, prazos cumpridos pelos juizes (sentenças longas em dias!). Saem dezenas de sentenças por dia. Funcionários bem remunerados, peritos contábeis do próprio tribunal, 100% informatizado. Vários assessores. Servidores com sistemas high-tech e processos bem separados por arquivos "automáticos".

    A justiça no Brasil (a "comum e federal") é lenta pelo comodismo. Investimentos pesados em salários e informatização acelerariam-na em escala galopante.

    Além disso, a reforma processualista (CPC) está trazendo novidades que já existem no processo trabalhista há decadas. Muito menos recursos. Ao invés de vários sobre atos repetidos (utilizados para atrasar os processos), apenas um, ao final, analisando tudo! Além de outros pormenores técnicos.

    Ruim para os advogados que ganham com a demora do processo; excelente para o cidadão.


    Mas o principal problema na minha opinião é cultural: a justiça tem a cultura de que a "demora é necessária". Mas não é! Há rigidez exagerada para questões simples. Funcionários têm na cabeça que precisam trabalhar no "automático", sem pressa!

    Na just. trabalhista, uma secretaria junta em um dia todas as petições protocolizadas no dia anterior (e são MUITAS). Na justiça comum, essas petições ficam MESES paradas em uma pasta. É ridículo. Os funcionários ficam de olho no relógio para irem embora.

    Dentre outras questões...

    GuitarHouse
    Veterano
    # jul/11
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    E mais.

    A justiça do Trabalho aqui em BH agora tem telas iguais as de aeroporto indicando as audiências. Investimentos pesados que trazem celeridade e eficiência.

    Die Kunst der Fuge
    Veterano
    # jul/11
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    Não acredito em justiça.
    A vida nunca foi justa e nunca será. Nem a seleção natural é justa, por conta da deriva gênica, por exemplo.

    E as únicas leis que valem são as do Universo.

    No mais:

    discutir lei é discutir só a aparência e a legitmação do sistema tautológico de acumulação de capital
    [2]

    dibass
    Veterano
    # jul/11
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    Nem li.

    ...mas lerei depois. O assunto é interessante!! :)

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