O Cérebro dos músicos e Robert Schumann

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    The Root Of All Evil
    Veterano
    # fev/10 · Editado por: The Root Of All Evil


    Avanços na neurociência permitem entender como o treinamento musical 'molda' o sistema nervoso

    Robert e Clara Schumann

    Robert Schumann (1810-1856) foi um compositor alemão do período romântico, cuja vida foi tão romântica quanto sua escola musical. Pretendia ser um grande pianista. Treinou e ensaiou tão febrilmente que, a certo momento, um de seus dedos da mão direita travou. Desesperado, usou todos os recursos da medicina e das superstições da época para corrigir a rigidez do dedo.

    Nessa época, apaixonou-se por Clara Wieck, a bela filha de seu professor de piano. Mas o velho Friedrich era contra, e o casal teve que esperar vários anos para legitimar sua união. Clara ultrapassou Robert como pianista, e a este só "restou" a composição. Nesse particular, tornou-se um gigante. Gigante atormentado, tão cheio de dúvidas sobre si próprio, sobre a existência, sobre a Música, que seu equilíbrio mental foi abalado gradualmente, até a loucura. Nessa época, já tinha composto obras-primas, e em sua loucura compôs outras tantas, inexcedíveis. Tentou o suicídio jogando-se no rio Reno, mas foi salvo por pescadores e teve que ser internado em um asilo, onde morreu algum tempo depois, aos 46 anos.

    Se Schumann tivesse vivido em nossos dias seria um excelente sujeito experimental. É que os músicos se tornaram um modelo "de escolha" para o estudo da neuroplasticidade, a propriedade que o sistema nervoso apresenta de se deixar modificar pelo meio ambiente. Pode ser algo significativo que acontece uma só vez, algo que se repete inúmeras vezes (como o treinamento musical) ou uma lesão traumática devastadora – o cérebro sempre se modificará de algum modo após essas experiências provenientes do ambiente.

    FIGURA I
    Em cada um destes dois segmentos de três segundos do Sexto Estudo sobre Paganini , composto por Franz Liszt, o pianista deve produzir 1.800 notas por minuto!

    A diferença está no cérebro
    Os recursos tecnológicos atualmente disponíveis permitem não apenas visualizar em vida as características morfológicas mais diminutas do cérebro, mas também conhecer as propriedades funcionais de cada região cerebral.

    Muitos músicos começam cedo, ainda na infância, e treinam febrilmente como Schumann, dia após dia, durante anos. Suas habilidades motoras são especiais, bem como sua acuidade auditiva. Alguns músicos têm ouvido absoluto, isto é, são capazes de identificar um tom puro isolado, coisa que nós outros não conseguimos, a não ser se o tal tom vier seguido de outros para comparação (ouvido relativo). Maestros têm uma percepção da localização espacial dos sons acima da média das pessoas comuns. Pianistas conseguem tocar cerca de 2 mil notas por minuto. Para isso, treinam a tal ponto que em 1% deles aparece o "travamento" que Schumann teve, chamado pelos médicos de "distonia focal".

    Audição diferenciada, habilidade motora impressionante. Sem falar da sensibilidade emotiva, da criatividade e da disciplina rígida para o estudo e o aperfeiçoamento técnico. Mas o que tem de diferente o cérebro dos músicos? Que teria de diferente o cérebro de Schumann?

    O eletroencefalograma de alta densidade (com grande número de eletrodos no crânio) e a ressonância magnética funcional (um exame de imagem que aponta as regiões cerebrais ativas para cada função) têm contribuído muito para esclarecer essa questão. Músicos podem ser submetidos a esses exames enquanto ouvem trechos musicais e sons não-musicais ou escutam sons originados de diferentes pontos do ambiente. Ou então, enquanto executam com os dedos trechos musicais, ou apenas imaginam os movimentos correspondentes.

    FIGURA II

    As áreas representadas em cores revelaram-se maiores em músicos. Em vermelho, a área motora do córtex cerebral que comanda os dedos da mão direita dos pianistas. Em amarelo a área auditiva, e em laranja o corpo caloso, uma ponte de fibras nervosas que conecta os dois hemisférios cerebrais, aqui representado cortado no plano mediano.

    Os pesquisadores geralmente comparam músicos precoces (que começaram na infância) com músicos tardios e com não-músicos. Os resultados são claros: a área de comando dos dedos da mão esquerda (a que dedilha) no córtex cerebral de violinistas precoces, por exemplo, é maior que a de violinistas tardios, que por sua vez é maior que a de não-músicos. Mais neurônios tornam-se necessários para comandar dedos tão ágeis.

    O corpo caloso, um grande feixe de fibras nervosas que comunicam um hemisfério cerebral com o outro, é maior em músicos, o que possivelmente provoca maior grau de integração entre os dois lados do cérebro e, portanto, possibilita um controle mais preciso e coordenação mais eficiente dos dedos das duas mãos. Não é trivial tocar duas coisas diferentes com cada uma das mãos, no piano. Você já tentou colocar as duas mãos no peito, e bater repetitivamente com a mão esquerda, enquanto a mão direita se move para cima e para baixo?


    Distonia e esquizofrenia


    O cérebro de Schumann devia ser assim. Só que, como era suscetível ao excesso de treinamento, tornou-se distônico. E como é o cérebro dos distônicos? A neuroimagem funcional também responde a essa pergunta: a representação dos dedos no cérebro, normalmente bem distinta para cada um deles, torna-se sobreposta nos distônicos. Os grupos de neurônios que deviam ser especializados em comandar o polegar, vizinhos daqueles que comandam o indicador e assim por diante, tornam-se misturados, confusos. E não há parafusos e dispositivos manuais que corrijam circuitos neurais alterados. O cérebro de Schumann deve ter adquirido a super-representação dos dedos, como é o caso dos músicos precoces, mas com o excesso de treinamento se deformou, misturando circuitos, como acontece nos distônicos.

    A neurociência moderna permite intuir muito sobre o cérebro de Schumann. Mas ainda não sabemos o que aconteceu no final. Schumann tornou-se esquizofrênico, e ainda não descobrimos o que há de diferente no cérebro dos esquizofrênicos. Teremos que esperar alguns anos até que se possa elucidar essa parte da história.

    Roberto Lent
    Professor de Neurociência
    Instituto de Ciências Biomédicas
    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    FONTE

    The Root Of All Evil
    Veterano
    # fev/10 · Editado por: The Root Of All Evil
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    No texto não cita, mas a paralisia do dedo do Schumann surgiu quando ele passou um período treinando com um dos dedos imobilizados, pra desenvolver a independência deste dedo. Quando ele liberou o dedo, este não se movia mais.

    Curly
    Veterano
    # fev/10
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    The Root Of All Evil

    tem se falado muito hoje na Neurociência, a maior parte dessas idéias já constavam do livro "os dragões do eden", do astrônomo carl sagan, publicado nos anos 70, a diferença é que a Neurociência tem agora a possibilidade de ver e analizar imagens tomografadas do cérebro.

    quantos aos grandes gênios da música, prefiro entendê-los como alguém que está em contato com uma outra dimensão espiritual, feita de pura música, de onde recebem uma torrente infinita de melodias...

    The Root Of All Evil
    Veterano
    # fev/10
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    Curly
    prefiro entendê-los como alguém que está em contato com uma outra dimensão espiritual, feita de pura música, de onde recebem uma torrente infinita de melodias...

    Bonito ^^


    ----------
    LEIAM!!!

    João Cachorro
    Veterano
    # fev/10
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    Legal o texto, é evidente que quem aprende qualquer coisa na infância tem uma enorme vantagem em relação a quem aprender na adolecência ou na fase adulta. Eu quero que meu filho tenha contato desde de muito cedo com a música e com algum instrumento, acho que o piano ou teclado no caso é o ideal para começar.

    Eu infelezmente começei relativamente tarde com a música 12 anos, e tive uma evolução muito lenta, mas hoje em dia estou bem melhor, e tenho me dedicado a educar o meu ouvido. É algo legal de se fazer, é como jogar video-game para mim, pórem é um jogo em que tem-se que ter muita insistência para passar de fase.

    Acho que ter ouvido absoluto, tocar mil notas por segundos, participar de orquestras e ser um grande instrumentista é algo grandioso, mas nada se comparar aos que conseguem compor, esses sim tem um grande dom.

    ohm777
    Veterano
    # fev/10
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    Muito bom o texto, já havia ouvido Schumann mas nunca soube da história dele.
    Uma coisa que eu aprendi ao longo do tempo é fato: o cérebro dos músicos trabalha de forma diferente das pessoas normais.
    Quando ouvimos música analisamos ela de uma forma mais racional também, usando mais o lado direito do cérebro.

    Curly
    tem se falado muito hoje na Neurociência, a maior parte dessas idéias já constavam do livro "os dragões do eden", do astrônomo carl sagan, publicado nos anos 70, a diferença é que a Neurociência tem agora a possibilidade de ver e analizar imagens tomografadas do cérebro.

    quantos aos grandes gênios da música, prefiro entendê-los como alguém que está em contato com uma outra dimensão espiritual, feita de pura música, de onde recebem uma torrente infinita de melodias...


    Compartilho da mesma opinião!

    Blackus
    Veterano
    # fev/10
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    quantos aos grandes gênios da música, prefiro entendê-los como alguém que está em contato com uma outra dimensão espiritual, feita de pura música, de onde recebem uma torrente infinita de melodias...

    O mundo ainda é muito romântico mesmo... Os grandes gênios são simplesmente pessoas que pensam, são filósofos e arquitetos de sons.

    Monsfogueri
    Veterano
    # fev/10
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    Alguns músicos têm ouvido absoluto, isto é, são capazes de identificar um tom puro isolado, coisa que nós outros não conseguimos, a não ser se o tal tom vier seguido de outros para comparação (ouvido relativo).

    se eu entendi bem isso ai, eu tenho ouvido absoluto então, pq qdo eu vou tirar uma música eu vou pegando nota por nota, nem fico pensando mto em escalas, apesar de sabê-las

    J. S. Coltrane
    Veterano
    # fev/10
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    The Root Of All Evil

    Isso ocorreu antes ou depois dele alegar ouvir uma nota eterna em sua cabeça?

    Ele não quebrou o dedo para superar isso, ou estou confundindo com outro cara?

    Eu adoro a sonata para piano op. 22 dele. O cara usa da ressonância das cordas para tirar um som de cello no piano. Cabuloso

    makumbator
    Moderador
    # fev/10 · Editado por: makumbator
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    The Root Of All Evil

    Muito bom o texto.

    Fofoca dos Schumann:

    O Brahms era apaixonado pela Clara Schumann, mas em respeito ao seu grande amigo, nunca tentou dar uma carcada nela(mesmo depois da morte de Robert, ele continuou sendo grande amigo da viúva Clara, inclusive passou a morar com ela e criar os filhos do amigo).
    O casal Schumann foram grandes incentivadores do iniciante Brahms, inclusive Clara estreiou várias de suas peças de piano.


    Muitos biógrafos acreditam que o casal formou com Brahms uma espécie de triângulo amoroso platônico(tão forte era a ligação dos 3)

    The Root Of All Evil
    Veterano
    # fev/10
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    makumbator

    Tô por dentro deste romance ai!

    Ahahaha mas sei lá hein, tenho minhas dúvidas se ele carcou ou não na Clara Schumann =P


    Não me lembro em que ocasião foi, mas o Brahms ia dar um presente para a Clara Schumann, só que as lojas estavam fechadas no dia, e então ele enviou de presente pra ela um manuscrito com a Sinfonia No. 3 dele, que ele ainda ia lançar.

    No youtube tem um vídeo com o terceiro movimento (música bonita de doer o peito), contanto alguns aspectos legais do caso deles:



    The Root Of All Evil
    Veterano
    # fev/10
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    J. S. Coltrane
    Ele não quebrou o dedo para superar isso, ou estou confundindo com outro cara?


    Ai não sei.

    makumbator
    Moderador
    # fev/10
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    J. S. Coltrane

    Também não sei sobre a questão da nota ressoante ou de quebrar o dedo, mas sei que ele tentou o suicído se jogando no rio Reno. Ele também ficou internado em sanatórios. Hoje, especialistas dizem que há fortem indícios de que ele seria bipolar(em grau extremo).

    The Root Of All Evil



    Ahahaha mas sei lá hein, tenho minhas dúvidas se ele carcou ou não na Clara Schumann =P


    Vai saber né...com certeza ele queria...heheh e como eles viveram "amigados" após a morte do Robert, é até possível que tenha rolado algo.


    Não me lembro em que ocasião foi, mas o Brahms ia dar um presente para a Clara Schumann, só que as lojas estavam fechadas no dia, e então ele enviou de presente pra ela um manuscrito com a Sinfonia No. 3 dele, que ele ainda ia lançar.

    Em suma, era um pão-duro que fazia os presentes para os amigos...hahsahsa, hoje em dia ele seria ridicularizado por não comprar nada pronto! Mulherada de hoje cospe na sua cara se vc der uma "musiquinha" de presente e não rolar nenhum outro presente material...

    The Root Of All Evil
    Veterano
    # fev/10
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    makumbator
    Em suma, era um pão-duro que fazia os presentes para os amigos...hahsahsa, hoje em dia ele seria ridicularizado por não comprar nada pronto! Mulherada de hoje cospe na sua cara se vc der uma "musiquinha" de presente e não rolar nenhum outro presente material...

    E ela adorou o presente! Que músico não se apaixonaria por uma mulher destas? =D

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