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mateusstarling Veterano |
# mai/12 · Editado por: mateusstarling
O ouvido musical é moldado pelo contexto cultural, social e a exposição a estilos musicais diferentes (a internet tem sido uma grande ferramenta para quebrar essas barreiras estilísticas-culturais).
O acorde de mão cheia no piano, aquele que simplesmente colocamos os nossos 10 dedos em notas aleatórias, pode ser o som mais horroroso para determinado ouvido ou para determinado momento, mas pode ser o som mais desejável para outro contexto, seja na composição de uma trilha sonora de cinema, alias, a quase 1 século as sonoridades dodecafônicas* (leia sobre Arnold Shoenberg) têm sido exploradas em muitos contextos cujo resultado final do trabalho possa ser definido como “belo”, ou na improvisação de um contexto mais livre. Vide músicos como Hermeto Pascoal, Cecil Taylor, Herbie Hancock e etc.
O próprio contexto cinematográfico esclarece como nossos ouvidos aceitam determinadas sonoridades “feias” se associadas a determinadas imagens estáticas ou em movimento. A técnica de composição dodecafônica é usada praticamente em quase todos os filmes de nossa era e é matéria obrigatória para quem estuda trilha sonora numa faculdade como a Berklee por exemplo.
Quando estudei harmonia e improvisação pela primeira vez foi me ensinado que na escala maior o quarto grau é evitado e daí essa palavra evitada começou a aparecer cada dia com mais frequencia. A ideia é a quarta “luta” com a terça num intervalo de semi tom. Portanto, se um acorde possui a terça, em tese, não poderia possuir a quarta em sua estrutura, portanto para aceitarmos essa premissa voltamos à questão do contexto e da estética.
A melhor prova que podemos ter é a prática. Qual a sensação que temos quando tocamos a terça e quarta de um acorde maior ao mesmo tempo? Pode soar horrível num contexto, mas pode ser exatamente o que você procura em outro. Esse conhecimento tradicional é importante, porque em tese é a regra vigente no mundo musical ocidental, portanto, se queremos quebrar regras precisamos saber quais são elas, mas existe aquele lindo ditado: “Não sabia que era impossível, foi lá e fez.”
Foi importante saber disso tudo porque eu experimentei essas sonoridades e constatei que em determinados contextos elas são realmente indesejáveis. Porém, ao longo do tempo essas sonoridades indesejadas foram extremamente importantes para que muitos músicos se comunicassem através de composições e improvisos e hoje se tornarem referencias para nós. A grande questão é aquilo que se torna padrão musical para cada um. Para a população leiga é o que toca nas rádios ou na Tv e para nós músicos o que é?
Há pouco tempo atrás houve um concurso musical no youtube onde o participante deveria improvisar a vontade sobre uma base onde havia uma bateria estilo rock e um baixo pedal tocando simplesmente o bordão E (Mi).
Esse tipo de contexto de improvisação é ótimo para mostrarmos como o nosso ouvido é facilmente manipulável, pois numa situação dessas qual seria a tonalidade? Quais seriam as notas evitadas? Que escala usar? Obviamente você pode pensar em:
E iônico, E dórico, E frigio, E lídio, E mixolídio, E eólio, E lócrio. Você também pode pensar que esse Mi é o primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto ou sexto grau do campo harmônico da escala menor melódica, menor harmônica ou maior harmônica. Podemos pensar também que esse bordão é uma inversão de um acorde maior, menor, alterado e etc. Dessa maneira qual a conclusão óbvia que temos?
Qualquer nota dentro desse contexto teria uma explicação teórica e poderia ser usada. E na prática como fica?
Se você toca sobre o bordão Mi e pensa que o mesmo é iônico você estabeleceu uma sonoridade. Essa palavra “sonoridade” é muito importante porque muitas pessoas se algemam pensando: “Bem, agora é Mi iônico e eu só posso tocar as 7 notas desse modo.” Mas com um contexto que te dá tanta liberdade por que você precisa pensar em escala ou modo?
A grande questão é que a maioria das pessoas se condicionam a tocar APENAS tendo que pensar em determinado modo, tonalidade ou escala. Eu coloquei (APENAS) em destaque porque é obvio que você deve aprender a tocar pensando em modo ou escala, saber o que usar sobre determinado acorde, porém, uma coisa não afasta a outra.
Um bom passo para começar a experimentar novas sonoridades somando aquilo que você já tem é pensar em algo tipo:
Eu vou pensar nesse Mi como dórico, mas vou convidar outras notas a estarem participando desse contexto. Portanto, a sonoridade será menor, mas vou acrescentar a sétima maior (ela é derivado da escala menor melódica), sem excluir a sétima menor. Agora a sétima maior também pode aparecer como uma nova cor. Que tal acrescentar a nota #11? Essa nota já é comumente usada como nota de passagem (blue note) mas por que não vê-la também como uma nota de tensão, onde você pode estacionar sobre a mesma e trazer uma nova cor para o seu improviso? Tenho 2 músicas onde a melodia da mesma forma construídas sobre essa ideia, escala menor dórica + 7M e #11 como notas adicionais e boas para se estacionar. (Guerreiro do cd Kairos e 777 do cd Free Fusion) Existe também a possibilidade de você não pensar em escala e simplesmente tocar pensando em intervalos, tocar de forma livre sem remeter a tonalidade, o que no fim acaba sendo muito mais difícil para a maioria das pessoas que estão acostumadas a pensar em tonalidade.
Aliás, por mais que o seu contexto musical não te proporcione muita liberdade acho interessante que qualquer improvisador gaste um tempo praticando livremente o seu instrumento sem pensar em tonalidade.
Esse assunto é enorme, então continua numa próxima.
Deus abençoe a todos. Mateus Starling
* Dodecafonismo: As 12 notas da escala cromática são tratadas como equivalentes, sujeitas a uma relação ordenada e não hierárquica. Para se repetir 1 nota é necessário que se toque antes as outras 11 notas da escala cromática. As notas são organizadas em grupos de doze notas denominados séries as quais podem ser usadas de quatro diferentes maneiras: 1) série original 2) série retrógrada 3) série invertida 4) retrógrado da inversão
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mateusstarling Veterano |
# mai/12
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texto originalmente extraído: http://www.mateusstarling.com.br/pt/blog/142-existe-nota-evitada
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guizimm Veterano |
# mai/12
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vou ler depois
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sandroguiraldo Veterano |
# mai/12
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mateusstarling
colocamos os nossos 12 dedos
???????????????????????????????????
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g.wilhelms Veterano |
# mai/12
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mateusstarling
Texto excelente. Eu estava mesmo pensando em criar um tópico sobre esse assunto. Pessoalmente, eu nunca trouxe essa preocupação com uma nota ser evitada ou não para o meu improviso, pois acho que isso limita as possibilidades. Acho que ai ocorre um erro na didática de alguns professores, que ensinam para os alunos fazendo uma separação entre o que seria o permitido e o proibido. Acho que era o Charlie Parker que dizia que é possível tocar "qualquer nota sobre qualquer acorde", e eu concordo com essa ideia, isso claro respeitando o contexto e a situação.
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Curly Veterano |
# mai/12
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mateusstarling
Excelente artigo, queria mesmo ouvir sua opinão sobre isso !
colocamos os nossos 12 dedos em notas aleatórias
Que vc é um extraterreno eu já desconfiava, rs...
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Scrutinizer Veterano |
# mai/12
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Queria saber de onde que tiram que dodecafonismo é algo tão ativo na música de hoje... Serialismo morreu na década de 60.
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chiock Veterano |
# mai/12
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Muito legal esse seu texto abriu mais a minha mente. Flw.
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mateusstarling Veterano |
# mai/12
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Valeu galera. O lance dos dedos foi engraçada, eu estava com o lance dos 12 tons na cabeça, rs... Concordo completamente com o Parker g.wilhelms mas ele mesmo foi um cara que respeito muito os acordes, alias na maior parte da vida dele ele tocou o bebop baseado no acorde por acorde, quem acabou usufrindo mais da liberdade improvisacional foram os influenciados pelo mesmo como Miles, Monk, Coltrane, Ornet Colleman e etc.
Scrutinizer Dodecafonismo e o atonalismo ainda é extramamente usado em trilha de cinema. Na Berklee tem o estudo do dodecafonismo no cinema e tem uma lista de filmes e as partes com composições dodecafonicas para o aluno analisar e são algumas centenas de citações de trechos de filmes da ultima decada. Alias, na propria Berklee tem estudio onde se fazem trilhas de filmes, varios que ganharam o Oscar, por isso mesmo ficou facil catalogar porque muitos dos que fizeram as trilhas são exatamente os professores da materia em questão.
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mateusstarling Veterano |
# mai/12
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Shoenberg foi um compositor erudito então é obvio que a influencia do dodecafonismo na musica erudita é muito maior do que na música popular, existem varios compositores eruditos que ainda usam o dodecafonismo ou a influencia atonal da concepção, eu mesmo uso em varias composições minhas e muitos outros musicos espalhados por nosso globo terrestre.
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Buja Veterano |
# mai/12
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mateusstarling colocamos os nossos 12 dedos em notas aleatórias 12 dedos.... O.o rsrs...achei engracado....mas os doze dedos vem das 12 notas com acidentes? C, C#, D, D#, E, F, F#, G, G#, A, A#, B ? Se for faz sentido!
Ahhh e muito obrigado por trzer temas assim....foi por causa do seu topico que descobri da onde saiu esse negocio das notas musicais. Sempre quis saber porque Lá = A, C = Dó e tambem descobri o porque dos nomes das notas Ut Re Mi Fa Sol La San.....Muito interessante o assunto
Valeu cara
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Scrutinizer Veterano |
# mai/12
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mateusstarling Então, queria que você me desse exemplos de compositores que usam o dodecafonismo em trilhas de filmes, pois desconheço.
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mateusstarling Veterano |
# mai/12 · Editado por: mateusstarling
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Scrutinizer Leonard Roseman no filme o planeta dos macacos. Alias, a parte dodecafonica desse filme é a mais relembrada. Elmer Bernstein e muitos outros nomes. Quando vc em Boston vá la na Biblioteca digital que tem la o catalogo e é acessivel para qualquer pessoa.
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De Ros Veterano
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# mai/12
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mateusstarling
O concurso que tu te referiu no texto foi o da Fuhrmann? Era bem isso que eu queria que a galera explorasse, e rolou muito coisa boa!
Sobre as notas evitadas, eu ultimamente só estou evitando as notas falsas! Esses dias tentaram me empurrar uma nota de 50 que ao invés de onça, tinha o Tom, do "Tom e Jerry", hehehehe!!
Muito massa o tópico! Na minha humilde opinião, as trilhas para cinema escondem algumas das melhores composições dos últimos anos!
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mateusstarling Veterano |
# mai/12 · Editado por: mateusstarling
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Scrutinizer Leonard Rosenman estudou diretamente com o Shoenberg e suas trilhas, incluindo star treck, carregavam forte influencia dodecafonica.
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mateusstarling Veterano |
# mai/12
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De Ros isso mesmo, foi o seu concurso né? Não quis citar o seu nome porque derrepente você não gostaria.
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Scrutinizer Veterano |
# mai/12 · Editado por: Scrutinizer
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mateusstarling Você não acha que esses são exceções? Eu pergunto porque na verdade é uma área que não tenho contato, a de cinema. Daí quando falo do desuso dessa técnica é pensando em compositores mais "acadêmicos".
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De Ros Veterano
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# mai/12
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mateusstarling
Tu tá brincando? Para mim é uma honra figurar num texto seu!
Voltando ao assunto, não é dodecafonismo, mas na trilha de 2001, do Kubrick, tem um som do Ligeti chamado Lux Eterna que é microtonal. Que coisa de doido, velho. Ouvi quando era criança e nunca me esqueci. Era o som que eu escutava quando tinha febre ou ficava muito doente!!
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g.wilhelms Veterano |
# mai/12
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Voltando ao assunto, não é dodecafonismo, mas na trilha de 2001, do Kubrick, tem um som do Ligeti chamado Lux Eterna que é microtonal
Uma curiosidade que sempre tive, como conseguem compor algo microtonal? Usam instrumentos não-temperados?
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Scrutinizer Veterano |
# mai/12
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Ligeti chamado Lux Eterna que é microtonal. Eu não tenho certeza disso, se não me engano ele usa os 12 sons da escala cromática, o que tenho certeza é de que é micropolifônico.
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Scrutinizer Veterano |
# mai/12
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como conseguem compor algo microtonal? Usam instrumentos não-temperados? É uma possibilidade, ou instrumentos desafinados, como Charles Ives, outra é usar sons eletrônicos, por exemplo.
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guizimm Veterano |
# mai/12
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texto muito bom, esse blog é bom demais
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g.wilhelms Veterano |
# mai/12 · Editado por: g.wilhelms
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Scrutinizer É uma possibilidade, ou instrumentos desafinados, como Charles Ives, outra é usar sons eletrônicos, por exemplo
Saquei. Ainda não tinha ouvido Lux Aeterna, mas adorei. Agora estou ouvindo Requiem for a dream.
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De Ros Veterano
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# mai/12
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g.wilhelms
Uma curiosidade que sempre tive, como conseguem compor algo microtonal? Usam instrumentos não-temperados?
Esse som é para um coro.
Scrutinizer
Micropolifônico - microtonal a várias vozes. Acho que uma coisa não exclui a outra.
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ALF is back Veterano
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# mai/12 · Editado por: ALF is back
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mateusstarling excelente texto cara! criei um topico sobre modos gregos e comentei la q dps faria um topico complementando aquele pra falar das tais avoid notes...agora q vc postou esse texto cheio de embasamento historico nem preciso mais fazer outro topico!!
um dos argumentos q eu ia utilizar e que talvez possa ser util pra galera q tanto se bitola nas avoid notes é bem simples e prático e pode somar algo:
pegue o violão ou guitarra...faça aquele dó simples...sem pestana...apenas dó...
uma das ditas avoid notes, como o Mateus abordou, é o IV grau de jônio.... pois bem... pegue esse dó simples e substitua a terça mais grave dele (a nota q o dedo 2 faz) pela 4ª (usando o dedo 4, por exemplo) agora toque e me diga se esse acorde é desagradável de ouvir é um dos acordes mais bonitos q ja ouvi!
edit: ele terá uma 4ª justa (F) e uma terça maior (mizinha solta) o F seria uma avoid note pra esse modo...mas particularmente, eu nunca estou avoidando essa nota! rs
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mateusstarling Veterano |
# mai/12
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De Ros A trilha feita por Leonard Rosenman é: Star Trek IV: The Voyage Home, não tem nada haver com a de 2001.
MICROTONS: A questão dos microtons também é outro mais interessante, eu inclusive tive um professor na Berklee chamado David Fiuczynski que usa uma guitarra de microtom o guitarrista Prasana também usa guitarra de mircrotom o que é um tipo de sonoridade comum no sul da índia, eu estudei solejo sul indiano na parte ritimica não estudei a parte melodica exatamente por necessitar de um instrumento com microtons.
David Fiuczynski:
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De Ros Veterano
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# mai/12
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mateusstarling
"A trilha feita por Leonard Rosenman é: Star Trek IV: The Voyage Home, não tem nada haver com a de 2001."
Pois é, por isso que eu falei que a de 2001 é do Ligeti...
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Led Zé Veterano |
# mai/12
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mateusstarling Nossa, cara. Seus textos me fazem me sentir um analfabeto musical. Dodecafonia? Que doença é essa meu Deus?!
Brincadeiras a parte, acho muito bacana seus textos, apesar de não conseguir acompanhar muito hehehe..Abrax
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Ken Himura Veterano |
# mai/12
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Scrutinizer Queria saber de onde que tiram que dodecafonismo é algo tão ativo na música de hoje... Serialismo morreu na década de 60.
Existem abordagens novas para o serialismo, coisa bem recente, menos de 30 anos de criação. Tem uma tal da técnica da "série infinita", não lembro o nome do compositor. Entre outras misturas de serialismo com outros materiais. Ele nunca saiu da ativa, tanto que é matéria obrigatória (e extensa) em todos os cursos de composição erudita. A gente passa muito tempo lendo e praticando isso, não tem como fugir.
E como os colegas citaram, é comum aparecer em filmes também.
g.wilhelms Uma curiosidade que sempre tive, como conseguem compor algo microtonal? Usam instrumentos não-temperados? Isso! Ou sintetizadores/pcs, instrumentos construídos para pegar intervalos assim ou desafinando/preparando instrumentos temperados.
De Ros Micropolifônico - microtonal a várias vozes. Acho que uma coisa não exclui a outra.
Exclui, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Microtonalismo é usar intervalos menores que semitons num contexto tonal; micropolifonia, bem resumidamente, é uma textura onde um acorde geralmente dissonante "migra" pra outro. É como se fossem clusters que se seguem, mas ao invés de estáticos, são formados por linhas que se movem o tempo inteiro. Não usa microtons a priori; eles aparecem como portamentos e glissandos, assim como em qualquer outro contexto em que não se use especificamente. Ou seja, não há foco nenhum em microtons.
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De Ros Veterano
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# mai/12 · Editado por: De Ros
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Ken Himura
Putz!! Vivendo e aprendendo! Valeu!!!
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