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Strondell Veterano |
# jun/09
Alguém sabe como é a base da teoria oriental? Eu naum conheço absolutamente nada, mas quero aprender sobre a música oriental, pq eh um modo diferente d pensar e eu acho mtu interessante isso. Tipo, como são os compassos (se houver compasso xD), como é organizada a harmonia, como são as escalas. Eu sei q lá a menor distância eh de 1/8 de tom, q eh algo mtu mais complexo do que o nosso 1/2 tom. E se vcs tiverem umas referências d músicas orientais, artistas e talz, me falem. Soh não falem artistas com nome de oriental que usam música ocidental!
Abraçãoo!
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Ken Himura Veterano |
# jun/09 · Editado por: Ken Himura
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Não existe uma "teoria oriental", cada cultura tem sua forma.
A Música Indiana é baseada no sistema de Ragas, e é divida em duas escolas (cada uma é uma região da Índia): carnática e hindustani.
O sistema hindustani possui 22 microtons. Estas minúsculas frações são denominadas shrutis, do sânscrito "ouvir". Se pensarmos neste sistema como uma construção de pedras, sete delas destacar-se-ão como mestras: as sete notas principais denominadas Saptakas(grupo de sete) que são exatamente igual ao nosso modo maior de Dó. Cada uma destas notas recebe o nome de Svara (tom inteiro), termo que provém do sânscrito Sva(si mesmo) e Rajri(brilhar). A nota é concebida pela tradição védica como "aquilo que tem brilho próprio". Estas notas são consideradas puras e chamadas Shuddha(naturais). São elas:
Nome - Abreviação - Grafia - Nota Ocidental Shadja - Sa - S - Dó Rishaba - Ri - R - Ré Gandhara - Ga - G - Mi Madhyama - Ma - M - Fá Pancama - Pa - P - Sol Daiavata - Dha - D - Lá Nishaba - Ni - N - Sí
O sistema de notação musical indiano compreende também as noções de bemol (komal) e tivra (sustenido), representados pela seguinte grafia: R_ – Ri komal (bemol) M' – Ma tivra (sustenido)
Entre duas notas, estende-se um verdadeiro oceano de microtons, intervalos mínimos que revelam toda a riqueza e sensibilidade da música clássica indiana. O esquema completo destes 22 shrutis é o seguinte:
1 - Shuddha Sa 2 - Atikomal Ri 3 - Komal Ri 4 - Madya Ri 5 - Shuddha Ri 6 - Atikomal Ga 7 - Komal Ga 8 - Shuddha Ga 9 - Tivra Ga 10 - Shuddha Ma 11 - Tivra Ma 12 - Tivra Ma 13 - Tivratara Ma 14 - Shuddha Pa 15 - Atikomal Dha 16 - Komal Dha 17 - Trisruti Dha 18 - Shuddha Dha 19 - Atikomal Ni 20 - Komal Ni 21 - Shuddha Ni 22 - Tivra Ni
O que realmente caracteriza a riqueza e a dimensão transcendental da música clássica indiana são os shrutis. Existe uma forte relação entre os 22 shrutis e os 22 nadis, meridianos de energia etéria que interligam os chakras. Dominar estas minúsculas nuanças leva ao executante anos e anos de intensa prática. Curioso que este processo de dividir a oitava em intervalos cada vez menores aparentemente contraria o espírito de síntese da filosofia indiana. Mas é por meio dos shrutis que os grandes mestres pontificam sua perícia e virtuosismo em exprimir todos os matizes da música das esferas. Alguns especialistas afirmam que o Ga do Raga Shri não seria o mesmo Ga do Raga Pilu. Existiria uma diferença microtonal entre eles, sendo que apenas a perfeita acuidade auditiva dos grandes mestres podem distinguir. Na microtonalidade das notas, residiria o segredo e o poder mágico de certas interpretações.
No Ocidente, os quartos de tom são também plenamente utilizados. O prodigioso violinista Jascha Heifetz costumava afirmar que: "os virtuoses conseguem entrever o que a partitura não diz". É notável o vasto espectro dos microtons que podemos apreciar nas interpretações de mestres como Segovia, Pablo Casals, Ruggiero Ricci, Yehudi Menuhin, entre outros. O introdutor da música microtonal no Ocidente foi o mexicano Julián Carillo (1875-1965), criador da teoria do 13º Som (14 tons e 13 intervalos), cujas composições foram elaboradas para pianos microtonais e instrumentos capazes de reproduzir até a sexagésima parte da oitava. No Brasil, tivemos a presença visionária do suíço Walter Smetak (1913 - 1984), o genial criador de vinas microtonais feitas com cabaças nordestinas. Recentemente falescido, o compositor húngaro Gyorgy Ligeti (1923 - 2006) explorava os quartos de tom na música contemporânea e vários musicologistas empenham-se em recuperar a microtonalidade dos Cantos Gregorianos, cuja autêntica entoação original, fortemente marcada pela tradição bizantina, era repleta de ornamentos e arabescos orientalizantes. Esta interpretação microtonal da arte medieval pode ser apreciada na versão da Missa de Notre Dame, de Guilhaume de Machaut (1300-1337), magistralmente realizada pelo Ensemble Organum Marcel Pèrés.
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Ken Himura Veterano |
# jun/09
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Embora os Ragas sejam tocados livremente, utilizando-se apenas dois temas fixos (Asthai e Antara), um ouvinte atento os reconhecerá aos primeiros compassos por meio de suas inconfundíveis seqüências melódicas. Um apreciador indiano de música clássica sentirá até o cheiro da terra molhada pela chuva ao ouvir o Raga Megh Malhar das monções. O perfume das flores e o alegre ar primaveril surgirão às primeiras notas do Raga Basant.
Cada Raga possui um espírito individualizador que o diferencia dos demais. Existem, teoricamente, milhares de Ragas, mas atualmente apenas uma centena deles são praticados. Dez escalas (Thats) são apontadas como geratrizes dos Ragas:
Bilaval S R G M P D N Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si ----------------------------------------------------------- Kalyan S R G M' P D N Dó Ré Mi Fá# Sol Lá Si ----------------------------------------------------------- Khamaj S R G M P D N_ Dó Ré Mi Fá Sol Lá Sib ----------------------------------------------------------- Bhairav S R_ G M P D_ N Dó Réb Mi Fá Sol Láb Si ----------------------------------------------------------- Purvi S R_ G M' P D_ N Dó Réb Mi Fá# Sol Láb Si ----------------------------------------------------------- Marwa S R_ G M' P D N Dó Réb Mi Fá# Sol Lá Si ----------------------------------------------------------- Kafi S R G_ M P D N_ Dó Ré Mib Fá Sol Lá Sib ----------------------------------------------------------- Asavari S R G_ M P D N_ Dó Ré Mib Fá Sol Láb Sib ----------------------------------------------------------- Bhairavi S R G_ M P D_ N_ Dó Réb Mib Fá Sol Láb Sib ----------------------------------------------------------- Todi S R_ G_ M' P D_ N Dó Réb Mib Fá# Sol Láb Si
Essas dez escalas geratrizes (Thats) podem ser combinadas em milhares de articulações num processo de análise combinatória. O sistema, embora milenar, ainda está aberto a novos Ragas, pois o número de possibilidades é enorme. Isso se deve aos Ragas assimétricos que possuem duas escalas diferentes. Um exemplo é o Raga Bhin Palasi, que tem como escalas:
Escala Ascendente: N_ G_ M P S Sib Mib Fá Sol Dó ---------------------------------------------------------- Escala Descendente S N_ D P M G_ R Dó Sib Lá Sol Fá Míb Ré
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Pseudonimum Veterano |
# jun/09
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E pensar que existe notação pra até 24 quartos de tons...
Música não-temperada é o capeta. :(
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Dogs2 Veterano |
# jun/09
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Ken Himura putz, valeuzão cara, eu também queria muito ter mais informações sobre isso
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Minow Veterano |
# jun/09
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É aí que a gente vê como o nosso sistema é limitado.
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Guguminator Veterano |
# jun/09
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Muito interessante, não sabia que haviam correspondentes idênticos para notas da teoria ocidental.
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Scrutinizer Veterano |
# jun/09
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Pseudonimum Na verdade, é temperada, mas de forma diferente... O não temperamento significaria infinitas notas em um intervalo limitado de freqüências. :P
Minow Mas é graças a ele que temos uma harmonia tão complexa. Mas, é, já passou da hora de abandonarmos os doze tons.
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The Root Of All Evil Veterano
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# jun/09
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Minow Scrutinizer
Vão tomar no cu os dois =D
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fill.zanchez Veterano |
# jun/09
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Ken Himura Posta uma músiquinha indiana aí?!
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Ken Himura Veterano |
# jun/09
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fill.zanchez Claro, com prazer. E das boas:
Aqui é dum disco conjunto entre os grandes Ravi Shankar (cítara) e Yehudi Menuhin (violino). O nome desse disco é "East Meets West".
Cítara/sitar solo:
Um belo exemplo vocal:
Na verdade, é temperada, mas de forma diferente... O não temperamento significaria infinitas notas em um intervalo limitado de freqüências. :P Nosso temperamento também não é tão correto não: todas as obras solo de Bach soam melhor quando usamos microtons, é como disse o Heifetz - "os virtuoses conseguem entrever o que a partitura não diz". Todas as obras em lá 415 já incitam a intervalos fora do temperamento "convencional". =P
Tem dois ditados que encaixam bem aqui: Indiano - "Dividir os sons é que nem dividir a água. Você pode fazê-lo em quantas partes quiser". Chinês - "Escrever música é como observar o firmamento por um tubo de bambu".
Só esqueci de colocar no texto que o sistema carnático tem 24 notas por oitava. E que raga vem da palavra ranja, que em sânscrito significa "cor". Essa sinestesia (e até correlação) entre sons e cores é muito comum na Índia. E, no Ocidente, até Newton fez um estudo sobre isso.
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fill.zanchez Veterano |
# jun/09
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Ken Himura Valeu mesmo!!! To ouvindo aqui! Para usarmos os micro-tons, precisaríamos de um instrumento sem trastes ou feito com trastes sobre medida pra essa escala né? (como os do vídeo). (Ou... fazer micro-tons com bend?!?!) oO
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Ken Himura Veterano |
# jun/09
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fill.zanchez Sem trastes é melhor. A cítara tem trastes móveis exatamente por isso - você divide onde quiser as notas do instrumento.
Dá pra fazer com bends, mas é um trabalho do cão.
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Strondell Veterano |
# jun/09
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Aee, vlw por esclarecer!
Mtu daora esse Ravi Shankar!!!
Abração!
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Strondell Veterano |
# jul/09
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Eu agora me pergunto como q eh a notação musical da música oriental, pq já q existem milhares de sons e todo o pensamento lá é diferente, a notação musical também deve ser. Eu ouvi falar que não há notação musical na Índia, q lá a música é vista de maneira diferente, e que naum se toca com partitura e sim com o sentimento. Porém eu quero saber como eh isso!
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Ken Himura Veterano |
# jul/09
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A notação indiana é extremamente rudimentar, não grafa as durações. Só serve pra anotar algum exercício mesmo, porque segundo às tradições, escrever a música é uma ofensa grave para ela.
Na China, há uma notação em forma de texto (acredito que seja moderna) que é bem parecida com a partitura, mas eu acho pior pra entender.
http://en.wikipedia.org/wiki/Numbered_musical_notation
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_music_4_ever_ Veterano |
# ago/09
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Muito interessante o tópico. Merece um up! :D
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Dórico Veterano |
# ago/09
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Ken Himura Huahuahauah, isso quer dizer que eles são mais criativos e curtem mais a arte do improviso.
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Ken Himura Veterano |
# ago/09
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Dórico Na verdade, não. Toda nossa tradição Barroca é feita sobre improvisos - que é até a origem do Jazz, por sinal. Até hoje, em interpretações "historicamente corretas" de obras barrocas em conjunto, o cravista vai estar improvisando - e bem pra caralho, por sinal.
A prática do improviso é algo que se perdeu com o modernismo e o pós-guerra.
Agora, os indianos são muito criativos mesmo.
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nichendrix Veterano
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# ago/09 · Editado por: nichendrix
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Strondell Eu recomendo dar uma olhada não só no Ravi Shankar mas na filha mais nova dele a Anoushka Shankar, que hoje é a regente da orquestra indiana do pai dela, além de ser uma das sitaristas top de linha da atualidade e toca nos corcertos do Pai desde os 13 anos. Inclusive ela foi a sitarista na apresentação do Terceiro Concerto para Orquestra e Sitara do Ravi Shankar, que ele compôs para ela tocar com a Orpheus Chamber Orchestra.
Ela tem alguns discos e shows recentes que misturam musica indiana com melodias ocidentais e batidas meio eletronicas em alguns ela mistura sitara com jazz. Outra coisa inusitada de alguns trabalhos dela é que vez por outra ela brinca de tocar sitara com uma sonoridade mais puxada pro arabe, enfim ela domina o instrumento como poucos e apesar de via de regra tocar o mesmo estilo do pai, a musica classica indianda, com frequência ela faz algumas experimentações, tanto com musica ocidental (especialmente com orquestras de camara, o jazz e musica eletronica) quanto com outros tipos de musica que utilizem a sitara, como a musica arabe.
Outro ponto interessante da carreira recente dela são as diversas colaborações que ela e a Norah Jones (a outra filha do Ravi Shankar), misturando o som das duas.
Um videozinho solo da moça pra dar uma conferida.
No DVD do Concert For George, o concerto beneficente postumo em homenagem a 1 ano de morte do George Harrison tem uma composição do Ravi Shankar chamada Arpan para Orquestra Ocidental e Orquestra Indiana, muito louca a musica.
Ela é a regente das duas orquestras ao mesmo tempo, e nos extras, ela comenta o quanto é difícil unir as duas musicas não só por causa das diferenças de compassos e das microtonações, mas porque na tradição indiana, o trabalho do regente em geral é feito todo oralmente, e apesar de existir um sistema de notação ele não é usado da mesma forma que numa orquestra ocidental.
Ano passado ela fez um Show Beneficente tocando com o Jethro Tull, enfim ela além da musica tradicional indiana tem todo esse trabalho experimental, e quando vc bota os dois tipos de musica juntos, fica gritante as diferenças entre elas.
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Strondell Veterano |
# ago/09
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Cara, gostei bastante da filha do Ravi Shankar, mtu boa! Vou baixar umas músicas dela dpois!
Vou aproveita e perguntar: é uma idéia de girico um violão fretless? E tocar violão erudito ou flamenco num violão sem trastes, eh possível?
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Ken Himura Veterano |
# ago/09
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Vou aproveita e perguntar: é uma idéia de girico um violão fretless? Existe, mas não é microtonal. O que dá essa capacidade na cítara é o formato oval do braço, não os trastes.
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klavier Veterano |
# fev/11
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O que o ken himura escreveu foi transcrito literalmente do livro A Música Clássica da Índia, do Alberto Marsicano, da ed Perspectiva. É um livro que vale a pena. De uns tempos pra cá mesmo músicos clássicos indianos já estão usando instrumentos ocidentais com traste inclusive, como a guitarra e o bandolim. Também estão usando o sax e o clarinete e o violino. Exemplo de bandolinista indiano é Srinivas e de guitarrista é o Prasanna. No fórum de guitarra abri um tópico sobre a guitarra e a música indiana. Acho que a maior diferença na teoria e na prática musical é que para os hindus a música é uma disciplina espiritual, um caminho de realizar a divindade na humanidade que eles chamam de iluminação. Todo músico clássico indiano é um devoto, precisa de um guru, e busca a união mísitica com Deus através da música, que eles chamam de Nada Yoga, a yoga do som. A música clássica árabe tem muitos paralelos com a música clássica hindu, inclusive influenciando a música do norte da Índia (hindustani). Ambas são músicas que privilegiam a melodia e o ritmo, e praticamente não há harmonia como conhecemos na música ocidental, com acordes harmonizando a melodia. A música clássica chinesa tb tem esse paralelo com a música hindu, sua teoria é fundamentada na tradição espiritual chinesa, tb faz uso da microtonalidade, mas tem as bases nas escalas pentatônicas.
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Loues Veterano |
# fev/11
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O mais louco são os ritmos que usam. Em música oriental, e também em lugares na áfrica, etc... mais tarde vejo se acho alguma coisa pra postar...
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Ken Himura Veterano |
# fev/11
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klavier Sim! Tive que usar este livro pruma pesquisa há alguns anos atrás! Ótimo livro, por sinal.
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daimon blackfire Membro Novato |
# abr/17
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Rapaz, que topicão esse. Sim, estou desenterrando um tópico de 5 anos, a curiosidade faz isso com a gente. Tem informações interessantíssimas aqui. Só gostaria de corrigir uma coisinha que eu mesmo me confundia até um dia desses. Cítara(zither em inglês) é isso daqui: http://www.youtube.com/watch?v=PJ7z68lRtCQ Sitar(mesma coisa em inglês até onde sei), o instrumento indiano, é isso daqui: http://www.youtube.com/watch?v=yg1vAkYE2ek ps: Se alguém tiver recomendações de artistas de música indiana no geral e ou de música árabe, seria interessante compartilhar aqui mesmo, pra não ficar criando tópicos.
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nichendrix Veterano
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# abr/17
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daimon blackfire
Aí há uma questão linguística e um histórica.
A linguística é que a palavra sitar só foi incluída no vocábulo da língua portuguesa há relativamente pouco tempo, comparado há mais de 400 anos em que zhitar e sitar tinham como único correspondente a palavra cítara.
A histórica é que tanto o zhitar, o sitar e também o alaúde tem uma origem comum, então se você voltar o suficiente no tempo esses instrumentos vão ficando cada vez mais parecidos até que o ponto onde você acha o "elo perdido".
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Ken Himura Veterano |
# mai/17
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daimon blackfire
Vale à pena, apesar de ser bem mais puxado pro jazz que pra música oriental.
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Mykeleaomachado Membro Novato |
# dez/17
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Muito bom mesmo. Grande tópico. Olhem isso aqui...
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Dental Floss Tycoon Veterano |
# jan/18
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Só por curiosidade. Um dos maiores legados da música oriental para o ocidente foi o quarto de tom, muitos compositores trabalharam isso no século XX. E aí entrou a influência do oriente. Mas isso não é tão recente quanto se pensa. Experimento renascentista com quartos de tom:
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