Edward Blake Membro Novato |
# set/15 · Editado por: Edward Blake
Carreira ou realização pessoal? Ken Robinson nunca teve que optar por nenhuma das duas coisas. Ao seguir suas paixões, tornou-se um dos especialistas mais requisitados em matéria educacional – condecorado cavaleiro pela Rainha Elizabeth II. Robinson critica muitas escolas por se organizarem como fábricas, feitas sob medida para atender às necessidades da sociedade industrial.
Entrevista de Mathias Morgenthaler
Sr. Robinson, em seu novo livro, o senhor explica como é possível não apenas construir uma carreira, mas, sim, viver e trabalhar com entusiasmo. O que é importante?
O importante é prestar atenção não apenas naquilo em que se é bom, mas também levar em consideração aquilo que de fato se gosta de fazer. No dia-a-dia encontro muitas pessoas que são muito competentes naquilo que fazem – só que, infelizmente, falta-lhes qualquer paixão. No longo prazo, não há satisfação alguma em saber fazer algo quando, ao mesmo tempo, não se ama esse algo, quando esse algo não alimenta nossa chama interior.
Para as crianças, esse é o normal: fazer algo com paixão. Por que então, mais tarde, em muitos, esse entusiasmo cai no esquecimento?
Quando crianças, somos intensamente voltados para nós mesmos, e praticamente livres de deveres. Somente com o passar do tempo é que surge a consciência de que não somos o centro do mundo e que há um ambiente se movendo ao nosso redor, que possui expectativas em relação a nós e que exige nossa adequação. É aí que reside o grande perigo: o de nos deixarmos conduzir excessivamente pelas expectativas de outros e pelo nosso medo de fracassar e decepcionar alguém. Em muitas pessoas, pode-se observar, de fora, como elas se distanciam mais e mais do núcleo da sua personalidade enquanto buscam os deveres. No começo elas perdem o interesse em levar uma vida plena; depois, a esperança. Muitos tentam compensar essa alienação dolorosa com sucesso financeiro e status social, mas nada disso os protege contra a desilusão e a depressão. Mas também conheço muitos adultos que saem todos os dias para trabalhar com entusiasmo.
O que distingue essas pessoas?
Elas confiam em sua imaginação e criatividade. Infelizmente muitos pais não estimulam muito essas habilidades. E a escola, muito menos. Os fundamentos de nosso sistema educacional foram concebidos no Iluminismo: ele funciona segundo uma mentalidade de linha de produção e se adequa perfeitamente à era industrial. As escolas são hoje organizadas como fábricas: começando pelo estilo de arquitetura e passando pelas sirenes de intervalo, pela divisão rígida de matérias e pela distribuição dos alunos segundo a idade – como se os “dados de produção” fossem o denominador comum mais importante das escolas. Tudo se orienta para a conformidade e padronização. Fornece-se conhecimento aos estudantes, e eles aprendem que, para cada pergunta, há uma resposta correta.
O senhor está sendo injusto com muitas escolas.
Sei que algumas fazem um trabalho excelente, em grupos e com classes de alunos com idades diferentes. Mas a maioria das escolas pouco contribui para o desenvolvimento da personalidade e para a habilidade de lidar com desafios de forma criativa. De que habilidades precisamos hoje? Devemos ser acadêmicos e possuir conhecimento enciclopédico? Uma das habilidades mais importantes é a de ser capaz de analisar um problema sob diferentes perspectivas, isto é, divergir do grupo. Essa é a condição fundamental para que haja criatividade e inovação. A escola promove isso? Muito pelo contrário. No estudo “Break Point and Beyond”, perguntou-se a 1.600 crianças no jardim-de-infância quantas maneiras diferentes de usar um determinado objeto existiam. O resultado: 98% das crianças de 5 anos possuíam tanta imaginação que era possível classificá-las como gênios em matéria de criatividade; 5 anos mais tarde, apenas 32% delas caíam nessa categoria; aos 14 anos de idade, apenas 10% delas, e a grande maioria restante dava apenas respostas muito uniformes.
E o senhor infere disso que a escola faz nosso potencial de criatividade cair a um mínimo?
Esse é supostamente o preço que pagamos pela conformidade e pela padronização. E é por isso que as aulas são cada vez mais orientadas para as supostas necessidades do mercado de trabalho. Em muitos países, as disciplinas artísticas são cada vez mais excluídas do currículo acadêmico: música, cinema, dança, literatura, teatro, todos esses temas que apelam aos nossos sentidos e expandem nosso senso estético estão em uma situação precária. Ao mesmo tempo, surpreendemo-nos que nossos filhos tenham dificuldade para se concentrarem e acompanharem a aula. É claro que eles vivem em um mundo inundado de estímulos por toda parte, mas o crescimento rasante do transtorno de déficit de atenção também tem a ver com o fato de que se exige muito dos estudantes, com pouca contrapartida. Ou, grosso modo: nós os anestesiamos com Ritalina para que eles sobrevivam ilesos ao nosso sistema educacional. Minha abordagem se baseia em despertá-los com conteúdo interesante e métodos didáticos contemporâneos.
Como o senhor encontrou, após terminar a escola, sua carreira e sua vocação?
Eu tinha muitos interesses, mas não fazia a menor ideia do que seria de mim. Na escola havia um orientador vocacional. Ele me aconselhou a me tornar dentista ou bibliotecário, apesar de eu, evidentemente, ter me interessado muito por língua inglesa e teatro na escola. Depois disso, nunca mais segui conselhos de ninguém. Apenas prestei atenção em meus interesses e oportunidades. Francamente, não tinha plano nenhum. Mas, pelo menos, sabia o que não queria fazer. Para mim estava claro que, embora amasse muito o palco, não queria ser, em hipótese alguma, diretor de teatro. Gostava de teatro, mas o dia-a-dia de seus criadores não era para mim. Teria gostado de outros empregos, mas não os consegui – e somente anos mais tarde entendi que foi melhor assim. Como cantou Garth Brooks, o cantor de country, tão bem: “Alguns dos melhores presentes de Deus são orações sem resposta”. Frequentemente as melhores oportunidades surgem porque um desejo não se realizou.
Não é preciso se ter um objetivo, uma missão, um fio vermelho, para orientar uma carreira profissional?
Sim, mas eles somente vêm à tona quando você segue suas inclinações, interesses e oportunidades. A vida não funciona de forma linear, mas, sim, orgânica. Em muitas coisas, só conseguimos entender por que aquilo foi importante ao ver a situação em retrospectiva. Ainda cedo eu me interessei por questões escolares e educacionais, e pude me devotar a elas, em detalhes, em minha dissertação. Mais tarde isso se tornou parte do meu trabalho. Ao seguirmos nossos interesses e ficando alertas para as oportunidades, vamos construindo nossa vida -- em nossos próprios termos. Infelizmente, com frequência, as pessoas se deixam desencorajar em seus interesses porque dão ouvidos a pessoas que ficam lhes dizendo o que fazer. No final das contas, acabam vivendo uma vida que não escolheram.
Se o senhor tivesse que explicar em uma frase por que trabalha, que frase seria essa?
Estou há 37 anos com minha esposa e, há muito tempo, somos uma boa equipe, não apenas em família, mas também no trabalho. Há alguns anos, refletindo sobre as muitas atividades que realizamos, com as mais diversas pessoas, questionamo-nos qual seria o denominador comum. Foi aí então que veio à tona a missão de transformar o sistema educacional rumo a uma compreensão mais abrangente das habilidades humanas e da criatividade. Isso não diz respeito apenas à escola, mas à sociedade inteira. Não podemos lidar com os desafios atuais com o pensamento linear e dedutivo tradicional que nos serviu no passado. Para achar novas respostas, precisamos de diversos cérebros motivados e criativos.
E a pedra fundamental deve ser erguida na escola. O senhor não espera um pouco demais das escolas ao querer abolir as classes, planos de aula e intervalos, e estabelecer acompanhamento individual? Ou, dito de outra maneira: a escola que o senhor deseja não é muito cara?
Não, de maneira alguma. Quando se trabalha mais com grupos e se dá mais peso aos interesses individuais, de fato, isso exige uma mudança de paradigmas por parte dos professores. Mas a escola não se torna, por isso, necessariamente mais cara. Ou assim acreditamos. Quando você compara fastfood e comida de melhor qualidade, não deve olhar apenas o preço. Embora o preço de um hambúrguer seja baixo, os custos externos são muito altos, se você considerar a pecuária intensiva, a manipulação de hormônios, a fertilização, o embalamento, os pesticidas e todos os outros fatores. O mesmo ocorre com as escolas. Embora a padronização seja eficiente e confortável, não é barata -- a frustração de muitas pessoas, o divórcio entre acadêmicos e não acadêmicos, a problemática do transtorno de déficit de atenção, tudo isso tem um peso enorme. Não sou nenhum romântico. Sei que a educação deve levar em consideração fins econômicos, culturais e sociais.
Em sua opinião, qual a finalidade mais importante da educação
Que os jovens não sejam apenas entupidos de informação, mas que tenham uma verdadeira ideia daquilo que está penetrando por seus olhos e ouvidos, e daquilo que, através deles, poderia entrar no mundo. Isso torna a tarefa do professor muito mais interessante do que apenas passar conteúdo e aplicar testes.
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