Texto interessnte de rubem alves sobre solidão :)

Autor Mensagem
stratopeido
Veterano
# ago/06


A solidão amiga


A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, “parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis“. A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: “Como se comporta a Sua Solidão?“ Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.“ Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim:

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!“

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno é o outro.“ Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

“Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos
poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar.“

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, “certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa – garrafa, prato, facão – era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia.“

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.“ É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

“...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília...“

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.

(Correio Popular, 30/06/2002)

staind
Veterano
# ago/06
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texto? achei que fosse um bokk, maruicin!

Flying CCCP
Veterano
# ago/06
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bokk

Ôó !!!

staind
Veterano
# ago/06
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eh o dialeto do morro do orelha, mano capado!
captou?

Vick Vaporub
Veterano
# ago/06
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"É impossível ser feliz sozinho" (Tom Jobim - Wave)

Villts
Veterano
# ago/06
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duvido vc resumir isso pra mim, mano...

Flying CCCP
Veterano
# ago/06
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staind
eh o dialeto do morro do orelha, mano capado!
captou?


Captei.

stratopeido
Veterano
# ago/06
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"É impossível ser feliz sozinho" (Tom Jobim - Wave)

n manja nada esse caboclo ai

Vick Vaporub
Veterano
# ago/06
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E por um instante ou por alguns milhares de milênios ele sempre esteve ali, limpando, lubrificando, reparando e vigiando as engrenagens que moviam os tempos. Sangrava quase o tempo todo, as engrenagens por vezes giravam muito mais rápido do que ele conseguia acompanhar e acabavam por feri-lo. E foi assim, por toda uma longa existência ficou sozinho, cuidando de suas coisas, sem jamais encontrar qualquer outro ser vivo/animado além do que lhe deu a função. Nunca sentiu falta de nada nem ninguém, pois o que não se conhece não deixa saudade.

E foi feliz.

stratopeido
Veterano
# ago/06
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Villts

duvido vc resumir isso pra mim, mano...

po.. ele fala da importancia da solidao, q as pessoas a encaram de uma maneira errada, solidao virou vulgar.. e n é por ai, ela tem q ser respeitada.. sem ela as pessoas n crescem

Vick Vaporub
Veterano
# ago/06
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stratopeido

Tom Jobim é um mestre, e como o tema é solidão, pus a frase dele...
Mas eu sou feliz, e sozinho. =]

stratopeido
Veterano
# ago/06 · Editado por: stratopeido
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Vick Vaporub

mas ele provavelmente falou isso em outro contexto.. ou tava querendo impressionar uma hoya, ninguem faz a cabeça d uma falando "sou feliz sozinho"

Vick Vaporub
Veterano
# ago/06
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stratopeido

Claro! Tom Jobim era estritamente romântico, assim como Vinicius de Moraes... Então, sob os olhos do amor, é impossível ser feliz sozinho...

;)

snowwhite
Veterano
# ago/06
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Mas viver e morar sozinho é tudo de bom!!!

Por que esse medo de ficar só? Só com você mesmo, com as suas lembranças, as suas manias, maluquices, prazeres. Um espaço todo seu.

Prá que ficar angustiado com isso?

ServeTheServants
Melhor arranjo
Prêmio FCC violão 2008
# ago/06
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Nada melhor do que um lugar que as paredes quase esbarram em você, com UMA cadeira, e UMA mesa

snowwhite
Veterano
# ago/06
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Não. Gosto de ficar só em espaços amplos.

Vick Vaporub
Veterano
# ago/06
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snowwhite

Você mora só? ^^
E não se sente sozinha? =/

snowwhite
Veterano
# ago/06 · Editado por: snowwhite
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Vick Vaporub
Você mora só? ^^
E não se sente sozinha? =/


Eu sou casada e tenho uma filha. Mas já morei só alguns anos. Foi muito bom mesmo!!!

Tb adoro ficar sem ninguém em casa, sozinha, a casa só para mim. Mesmo de noite. Adoro!!!

Flying CCCP
Veterano
# ago/06
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snowwhite

Casa sozinha??? Não dá, impossível...

snowwhite
Veterano
# ago/06
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Flying CCCP
Casa sozinha??? Não dá, impossível...


Cumã??

Vick Vaporub
Veterano
# ago/06
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snowwhite
Eu sou casada e tenho uma filha. Mas já morei só alguns anos. Foi muito bom mesmo!!!

Tb adoro ficar sem ninguém em casa, sozinha, a casa só para mim. Mesmo de noite. Adoro!!!


Hum... se eu morasse só acho que não duraria mt tempo, hehehe...
Legal, tens uma filhinha, Little snowwhite :D

Flying CCCP
Veterano
# ago/06
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snowwhite
Cumã??

Pergunta simples, clara e objetiva.

Pseudonimum
Veterano
# ago/06
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Pô, eu adoro ficar sozinho. \o/

Acho que esse pensamento de que só se é feliz quando se está com outras pessoas, que a solidão é ruim, que o indivíduo não é auto-suficiente (até certo ponto, ok) e que depende de outra pessoa, é muito errôneo e páh.

A solidão me fortalece muito mais que estar na presença de (determinadas) pessoas.

Eu me divirto quando tô sozinho. Faço coisas que não preciso dar satisfação pra ninguém, escrevo, leio, desenho, toco guitarra, ouço música, penso. Fico no meu mundinho individual, fazendo o que me agrada, explorando minhas potencialidades, minha criatividade, minha capacidade.
Me divirto na minha introversão. \o\

"Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite."

(Clarice Lispector)

Digmatus Ferreira
Veterano
# ago/06
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stratopeido
bem legal o texto.. gostei..

Digmatus Ferreira
Veterano
# ago/06
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Pseudonimum
tu tá certo.. mas ninguem eh feliz ficando sozinho pra sempre...

N e o
Veterano
# mai/08
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Não tem continuação o texto?

:)

TWT ICE
Veterano
# mai/08
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juro que li stratoteta

Jiuvaskala
Veterano
# mai/08
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rubem alves rlz!!!

marcio_zav
Veterano
# mai/08
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TWT ICE

O.o

Quase nada
Veterano
# jan/09
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eu li....mto bom
concordo com o ponto de vista de que solidão não é um mal, e de que a infelicidade vem qdo começamos a nos comparar com os outros.. enfim..

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