Autor |
Mensagem |
Eduardo 336 Veterano |
# fev/07
Aí está um artigo muito interessante que saiu na Zero Hora de hoje, escrita pelo Celso Loureiro Chaves:
Bach moderno
Há quem seja visceralmente contrário a tocar Johann Sebastian Bach ao piano. A razão é simples. Bach não escreveu música para o piano e sim para alguns antecessores mais diagonais, o cravo e seus parentes mais próximos. O raciocínio é o mesmo que fez surgir, quase de uma hora para outra, um maremoto de orquestras de música antiga com instrumentos originais. Era a perseguição de um sonho - tocar e ouvir a música dos antigos como os antigos a tocaram e ouviram. Tudo por força da ilusão, é claro, pois dificilmente se saberá como determinada música soava quando foi composta, até mesmo uma música composta no anteontem. Na turbulência das primeiras orquestras "de época", meu mestre Alexander Ringer, musicológico de rigidez intelectual inflexível, dizia: "Que toquem Beethoven com as desafinações da época e as deficiências técnicas da época!".
Sim, porque instrumentos e técnica evoluíram de lá para cá e isto também há que ser levado em consideração. Mais evanescente então é o sonho da música antiga recriada. Liberada de todas as imperfeições, talvez ela não tenha existido jamais na maneira idealizada dos modernos/antigos.
Agora veio o tempo do revisionismo. Nem as orquestras antigas são tão radicais como uma vez foram e nem parece tão inaceitável fazer interpretações meio anacrônicas, usando, para a música de uma época, os instrumentos de outra. Nunca me perturbei com esses anacronismos, acho que desde o tempo em que era absolutamente normal ouvir os Swingles Singers solfejando Bach com baixo e bateria na trilha sonora de um teleteatro da TV Tupi. Se parece normal Bach com baixo e bateria, então ouvir peças para cravo ao piano, que mal tem? No entanto, na primeira onda do maremoto da música antiga, em meados da década de 1970, quando as coisas se radicalizaram, era absurdo pensar em Bach ao piano, assim como na década de 1950 tinha sido absurdo pensar em alguém compondo músicas em dó maior. András Schiff, pianista bachiano de primeira linha, sofreu com isso, pois era o tempo de Trevor Pinnock, o cravista da hora. Naquele momento, piano era o demo.
Na verdade, piano e cravo são instrumentos aparentemente iguais, como gabinetes de computador com mais ou menos o mesmo número de botões e slots, mas que a partir daí divergem inteiramente, como computadores que funcionam com sistemas operacionais diferentes e incomunicáveis. O único traço de comunicação entre os dois instrumentos é a partitura que paira acima deles e o sistema de composição que possibilita que uma música seja tocada tanto num instrumento quanto noutro. O resultado é totalmente diverso, há que admitir, mas é plenamente aceitável, dependendo do gosto do freguês e do bom gosto do intérprete. Como hoje já se passou a admitir tudo, até as jurássicas adaptações da música barroca para orquestra sinfônica voltaram a ser tocadas, num perverso exercício de "vejam como nós reagimos hoje aos pensamentos dos compositores que nos antecederam sobre a música dos compositores que os antecederam". Um desafio de lógica de não fazer feio a Lewis Carroll e sua Alice.
Não precisamos ir tão longe. Fiquemos com Bach ao piano. Dois registros recentes mostram o que é possível fazer e como é viável recuperar para um instrumento provavelmente inadequado uma música, como a de Bach, que parece resistir a tudo. Um registro é de Angela Hewitt, pianista britânica, que vem de Messaien, Chopin e Ravel para chegar ao Teclado Bem Temperado, de Bach. O outro registro é de Daniel Barenboim, pianista de Beethoven e maestro de Wagner, que chega ao mesmo Teclado Bem Temperado. Não são dois perfis pianísticos muito adequados para as filigranas do velho Johann Sebastian, mas mesmo assim o resultado é animador. Barenboim é o mais apolíneo, com menor tendência a "romantizar" Bach. Hewitt é quase imperial na sua maneira de tratar Bach com o devido respeito mas com algumas irreverências muito bem-vindas. Entre os dois, é apenas uma questão de preferência. Nenhum dos dois finge estar tocando cravo. Ambos são pianistas e assinam esta condição em baixo de todo o prelúdio e fuga que se apresentar. Hewitt vai mais longe, ao utilizar alguns recursos do piano que poderão fazer os puristas arregalarem os olhos. Barenboim não prega sustos.
Assim chegamos ao nosso século, com a música de Bach ainda ao nosso alcance. O revisionismo de agora, recuperando interpretações fora de época porque feitas em instrumentos inexistentes ao tempo dos compositores, abre mais espaços do que os fecha. Hoje se pode passar de uma boa interpretação de Bach ao cravo para uma boa interpretação de Bach ao piano. A escolha é nossa, os ouvintes. Música, enfim, é para isso mesmo. Para que o ouvinte faça sua escolha, desde que esta escolha não implique trancar os ouvidos.
Espero que tenham gostado.
Abraços.
|
gustavorino Veterano |
# fev/07
· votar
Bach fica bonito em qualquer coisa... a unica coisa que estraga a musica dele são aqueles guitarristas idiotas tocando as musicas dele de forma incompleta..
|
Eduardo 336 Veterano |
# fev/07
· votar
gustavorino
verdade!
eles tocando tocatta and fugue, nossa... ridículo!
|
fernando tecladista Veterano |
# fev/07 · Editado por: fernando tecladista
· votar
esse papo de conservadorismo absoluto me revolta
se for levar ao extremo, quando inventaram o piano não teria repertório pra tocar nele, e dificil alguem criar alguma coisa sem finalidade especifica, teria caido no esquecimento
hoje seria parecido com o teremin, ficou algo experimental com seu repertorio proprio, não se vê ninguem tocando "jesus alegria dos homens" nisso
e tudo é marketing
se eu tenho um grupo de música barroca com os instrumentos de época eu vou defender com unhas e dentes que o correto é ouvir as músicas com os instrumentos originais, se varias pessoas gostarem da ideia, terei muito mais publico
|
Sashsiam_2 Veterano |
# fev/07
· votar
É claro que dá para fazer no piano...alternado pouco a dinâmica e deixando os pedais de fora fica bem parecido com o original, só muda o timbre. Aliás, não vejo problema nos guitarristas tocando Bach, desde que façam tudo como ele escreveu.
|
kevinmoore Veterano |
# fev/07
· votar
eu já vi 3 pianos explodirem por isso... te aconselho a não tocar... pq é errado...
|
Mauro Lacerda Veterano |
# fev/07
· votar
Aqui vai o link de Angela Hewiit
http://www.youtube.com/watch?v=LcQzFp8rC7E
Abraços.
Mauro.
|
MarcosPPA Veterano |
# fev/07
· votar
Na verdade eu acho que uma peça será bonita ou feia (não só para bach e nem só no caso do piano e do cravo) dependendo de quem está tocando, tipo Nelson Freire X Axel Rose, ambos tocando Chopin????!!!
Aos fãns de Guns n' Roses (já fui um!!!hehehe...) relevar a paixão pela banda ao imaginar a comparação!!! heheheh....
|
Mellomoog Veterano |
# fev/07 · Editado por: Mellomoog
· votar
Acho que a idéia é, como o próprio Celso Loureiro Chaves falou, de que forma o intérprete opera o instrumento. Se o "executor" da música é alguém que consegue dar uma expressividade significativa e densa ao seu instrumento, acho que Bach pode ficar bom até numa cuíca. Por exemplo, a versão mais bonita que já escutei de "Clair de Lune", do Debussy, foi gravada pelo Tomita, aquele japonês que só compunha com sintetizadores analógicos. Para mim, essa versão é mais expressiva e mais tocante do que qualquer outra feita em instrumentos acústicos e tradicionais, nos quais a música foi composta.
|
alexandrespa Veterano |
# fev/07 · Editado por: alexandrespa
· votar
Tocar Bach no piano é errado?
Erradíssimo!
O correto é Tocar Bach ao piano.
|
cogumelo azul Veterano |
# fev/07
· votar
se for bem tocado, bach, pode ate ser tocado na gaita de foles
|
Ken Himura Veterano |
# fev/07
· votar
Na verdade, piano e cravo são instrumentos aparentemente iguais, como gabinetes de computador com mais ou menos o mesmo número de botões e slots, mas que a partir daí divergem inteiramente, como computadores que funcionam com sistemas operacionais diferentes e incomunicáveis
Na verdade, não. Só porque tem teclas não são iguais, é como comparar um alaúde com uma viola, já que ambos têm cordas. Cravo, Órgão, Piano, Celesta, Clavicórdio (e outras variações) são instrumentos diferentes, com técnicas diferentes. A única semelhança são as teclas, mas cada um tem um número diferente.
Eu acho que é válido Bach ao piano, desde que se pense mais na partitura e no som do que nas maluquices. Gosto muito das interpretações do João Carlos Martins.
|