Alvaro Henrique Veterano |
# dez/08
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BROUWER REGE A ORQUESTRA DE CÂMARA DA USP (OCAM) NO FESTIVAL LEO BROUWER
Dia 11/12/08 às 21h SESC PINHEIROS Rua Paes Leme, 195 - São Paulo, SP Ingressos: R$ 20,00 inteira, R$ 10,00 meia entrada e R$ 5,00 associados Tel.: 11 3095-9400
Dia 14/12/08 às 16h MASP - Grande Auditório Av. Paulista, 1578 - São Paulo, SP Ingressos: R$ 6,00 inteira e R$ 3,00 meia entrada Funcionamento da bilheteria: terça a domingo das 11h às 17h. Tel.: 11 3251-5644
Programa
Obras de Leo Brouwer (1939) em primeiras audições no Brasil
- Los negros brujos se divierten (1985), para conjunto de câmara
- Gismontiana (2004), para quarteto de violões e orquestra de cordas I. Frevo II. Água e vinho III. Baião Malandro IV. A fala da paixão V. Cadência VI. Loro Solistas: Quaternaglia João Luiz, Fabio Ramazzina, Paola Picherzky e Sidney Molina
Intervalo
- Vitrales de La Habana Vieja (2007), para orquestra de cordas I. Paisaje cubano con lluvia II. Concierto barroco III. Arquitectura ornamentada IV. Celebración del espacio antiguo V. El ocaso del día
- Canción de gesta (1979), para orquestra de câmara
Orquestra de Câmara da USP (OCAM) Regente: MAESTRO LEO BROUWER
OCAM Diretor Artístico e Regente titular: Gil Jardim Maestro Emérito e Fundador: Olivier Toni Maestro Assistente: Henrique Villas Boas - Graduação do Departamento de Música da ECA/USP
Oficina Leo Brouwer Isabelle Hernández, dirección artística Ricardo Reyes, ayuda de cámara Ediciones Espiral Eterna
As obras do programa:
Los negros brujos se divierten
Foi composta em 1985 para alunos de um conservatório francês, tem uma linguagem de simplicidade comum ao minimalismo não-ortodoxo e a "nova" simplicidade que tanto refrescou nosso discurso sonoro pós-serial. Se sabemos a séculos que a música ritual de origem africana é minimalista, não é de estranhar que certas formas reiterativas sejam totalmente orgânicas a nossa música. Alguns dos dez instrumentos do ensemble desta obra podem ser substituídos por outros, lembrando o velho uso renascentista, com exceção do violino, do violoncelo e do contrabaixo. Isto é ajudado pela facilidade técnica da escrita instrumental concebida - como dissemos - para estudantes. O tambor só produz dois sons que dão começo e final à estrutura da peça. As algaravias ou "festas sonoras" se produzem aleatoriamente em duas ocasiões também. Em Los negros... não há solistas, todos se unem em um tecido bastante homogêneo resultando, curiosamente, de uma rara transparência.
Leo Brouwer Turku, Finlândia, 10 novembro de 2008 (tradução de Juliana Frutuoso - Instituto Cervantes)
Gismontiana (2004) (texto original)
Trabalhar sobre temas de Egberto Gismonti não exigiu esforço; parece que estou criando minhas próprias sonoridades. Meu som e o do maestro brasileiro são diferentes em estilo, mas em essência se irmanam. Depois de ter dirigido suas obras para orquestra - com piano ou violão - e de assistir ao prodígio de suas improvisações pude realizar esta obra de uma só vez. A profundidade do espírito brasileiro que existe em Camargo Guarnieri ou em Villa-lobos na 1ª metade do século XX, só encontrou um continuador em Gismonti. Aconteceu o mesmo com Falla; o Retablo de Maese Pedro, o Concierto de Címbalo ou El Amor Brujo obrigaram aos espanhóis a procurar fontes diferentes das do maestro andaluz (só Ohana recuperou o fio condutor que parecia esgotado por Falla).
Os concertos e algumas sinfonias de Guarnieri, os quartetos, o Momoprecoce, Erosão ou o Choro nº 10 para coro e orquestra de Villa-lobos (sem esquecer a obra para piano ou os "Estudos" de violão) são alguns exemplos inimitáveis de Villa-lobos que permaneciam sem continuidade. Ai está o problema, não se pode imitar senão "herdar"; por isso surgiu um Gismonti na segunda metade do século XX.
O Quarteto GuitArt da Itália me solicitou este trabalho e recebeu a estréia "italiana" de cinco das obras mais impactantes de Gismonti. O Mato Grosso, a cultura nordestina, Rio de Janeiro, Amazonas, as linguagens múltiplas que se transformam e enriquecem constantemente deram origem a um gigante cultural: Brasil, do qual emerge este grande músico.
Leo Brouwer 17 de fevereiro 2008 (tradução de Juliana Frutuoso)
Vitrales de la Habana Vieja, para orquestra de cordas (2007)
Estreada sob direção do Maestro Brouwer, em 15 de setembro de 2007 na Basílica Menor do Convento de San Francisco de Assís em Havana, que dedicou a partitura a D. Eusebio Leal, historiador da cidade - homem que tornou possível a restauração da La Habana Vieja - ao conjuntoSolistas de La Habana e ao seu diretor, Maestro Iván Valiente.
O crítico Pedro de la Hoz escreveu: "A nível descritivo as associações funcionam. Mas esta não é música programática. Leo renovou no primeiro movimento o tema principal de sua Paisaje cubano con lluvia, para orquestra de violões; reinventou ares vivaldianos depois dos primeiros violinos, desatou as ânsias barrocas com uma mensagem implícita à La ciudad de las columnas de Carpentier, e selou a evocação sob a aura de um lirismo contido".
Isabelle Hernández (tradução de Juliana Frutuoso)
Canción de gesta
No fim de 1978 foi pedido ao maestro que fizesse uma obra para a American Wind Symphony Orchestra de Pittsburgh. Supostamente essa música seria interpretada a bordo de um pequeno cruzeiro no qual já era habitual que esta orquestra e seu diretor, Robert Austin Boudreau, tocassem para "entreter" os passageiros durante sua travessia por toda a costa leste norte-americana. Esta situação me lembra os passeios noturnos pelo Tamisa que fazia o rei inglês George I e sua corte para o qual Händel compôs sua Water Music. Tal analogia se confirma quando na introdução da Canción de gesta aparece no trompete o tema do Hornpipe da suíte händeliana. Tal citação a expõe como chamado de atenção e, por que não, também como costuma-se fazer na princípio do guaguancó cubano. A obra tem como subtítulo: "Epopeya del Granma, la nave llena de futuro" como lembrança da histórica viagem cubana de 1956. A pesquisadora e violista Mara L. Carvajal escreveu: "O uso dos sforzandos, de reguladores, pianos e pianísimos, como elementos expressivos são determinantes nesta peculiaridade sonora [...] Nela se observa uma assimilação de linguagens que são magistralmente tratados na obra através do elemento tímbrico sonoro e dos matizes e cores que se obtém como resultado das combinações orquestrais que se empregam."
A partitura, na sua versão original, está concebida para orquestra de sopro (a quatro), piano, harpa e cinco percursionistas. Um tempo depois realizou a versão de câmara para o Conjunto Instrumental Nuestro Tiempo e seu diretor Manuel Duchesne Cuzán. Pura Ortiz, pianista da Orquestra Sinfônica Nacional de Cuba comenta: "Eu adoro esta obra. Quando a apresentamos em sua versão original, gostamos tanto que pedimos ao Leo - isso foi um pedido pessoal e do maestro Duchesne - que fizesse uma redução para quinze solistas, que eram os integrantes do Conjunto Nuestro Tiempo. Aquilo foi tão impressionante que quando o grupo fez sua primeira turnê em 1979, levamos a Canción de gesta. A turnê passou pela Rússia, na Sala Tchaikovski, também fomos à Hungria, a um festival na Alemanha, tocamos na Levanhause, foi um sucesso, o maestro Duchesne teve que sair cinco vezes para saudar o público. É que essa obra é tão impactante. Começa com o tema barroco de Händel, mas depois Leo vai desenvolvendo isso de uma maneira tal que ali se ouve tudo, a batalha, os tiros e no final a coisa é tão emocionante que quando acaba aquilo, as pessoas ficam assim: o que é isso?"
O certo é que desde a estréia da Canción de gesta ela não deixou mais de ser apresentada. O que tem esta partitura? Acima de tudo um grande poder de comunicação. A decodificação do ouvinte assimila um alto grau de informação de grande eficácia estética. Estes "módulos de relação" que se acham imediatamente na Canción de gesta, relacionam as nossas memórias - no mesmo instante em que se capta a obra no seu "significado"- ao conjunto de acontecimentos passados e presentes medindo-os em mútua relação. Recuperação, sincretismo, atualidade e resumo, soam imbricados no diálogo pela liberdade criativa do maestro. Tudo isto se projeta em um tempo novo: nossa época. Um século e um milênio que culminam e recebem a integridade única da experiência e a tradição secular mais pluralizada que a de qualquer outro período histórico.
O que nos traz a Canción de gesta? Um canto de libertação, uma imagem de resistência, uma poética de lucidez e um espírito em ação. E por acaso não estou comentando sobre algo que faz algum tempo chamam pós-modernismo? A respeito deste termo, desde que o ouvi pela primeira vez tive minhas dúvidas. A ambigüidade do prefixo "pós" tem também aspectos que me divertem, mas por outro lado tem muitas razões de peso, que em alguma medida, explicam por que se converteu em um termo tão comum e aplicável, a um nível macro e "global". São muito cômodas estas três letras. Quase dizem de onde você parte, mas não para onde vai ou até onde chegou. São ambíguas, mas a nós humanos nos fascinam tanta confusão e paradoxo lingüístico. Como podemos estar mais além da era moderna na qual vivemos? Esquecemos o tempo presente como os "futuristas" e situamos a existência em um contínuo estado de amanhã? Ou é como disse Octavio Paz, que é uma crítica do modernismo presente dentro da própria modernidade? No que diz respeito à pós-modernidade musical o próprio Leo escreveu um artigo que apresentou como conferência na Akademie der Kunste de Berlim em 1988. Intitulou seu ensaio Música, folklore, contemporaneidad y postmodernismo e teve também a sorte e o privilégio de falar em um dia, e no dia seguinte falar Umberto Eco. Desse escrito cito algumas partes que considero realmente esclarecedoras.
"A diferença entre o nascente pós-modernismo da década atual e aquele do pós-guerra é radicalmente oposta. Agora começa uma mudança de valores (entendam-se valores estéticos e conceitos de linguagem artística enquanto comunicação). No pós-guerra houve uma mudança de atitudes; mudança de sistema, mas não de estrutura; mudança de conteúdos, mas não de formas. Schönberg muda o sistema tonal pelo dodecafônico, mas não abandona as formas sonata ou variação, das quais é continuador ou herdeiro. Cada vanguarda não faz outra coisa além de intensificar a mudança para criar uma nova atualidade; atualidade esta formada por tradições, mas com um deslocamento ou ordem nova. Como disse em outra ocasião, cada etapa nova nega imediatamente a anterior quando aquela alcança seu mais alto grau de saturação, quando ultrapassa os limites do seu próprio desenvolvimento. Por isso, o atual "pós-modernismo" buscará apoio em tradições anteriores, mas transcendendo-as, não as imitando".
A Canción de gesta é uma das partituras mais populares do maestro, sem considerar sua produção para violão. No caso do parâmetro metro-rítmico, a obra vai em um contínuo crescendo de figurações que se expandem e incorporam novos valores mesclados para formar densas faixas polirrítmicas. Este acúmulo de tensão de ritmos funciona em toda a macroestrutura como momentos de desenvolvimento, tal é o caso da percussão que conduz à notáveis momentos climáticos.
Esta música transmite a inconfundível personalidade estilística do compositor já em plena maturidade. A dialética de suas linhas melódicas curtas e acordes sobrepostos às mencionadas figurações de grande mobilidade; e o jogo instrumental policromático faz dela uma obra expressiva e coerente. No plano das dinâmicas também são marcadas as densidades contrastantes, que sempre buscam esse ponto de clímax. Tudo está em função de conseguir alcançar o auge das sensações. Em relação ao modo - entenda-se este como todo relacionado com as alturas do som - como é característico em Leo, parte da percepção sonora, mais que da representação um tanto abstrata do som. Brouwer escreve para os ouvidos humanos e não para um papel frio. O resultado, então, é puramente operado por sensores e isso ajuda na elaboração de uma audaciosa e totalmente orgânica escritura harmônica, linear e polifônica. Canción de gesta é uma das obras mais importantes de toda a história da música cubana. Isto pode parecer um exagero, mas não é, porque não é algo que esteja profetizando, é algo que já é real, desde agora. A própria história está dando sua resposta.
Isabelle Hernández: texto extraído de Leo Brouwer, Havana: Editora Musical de Cuba, 2000. (tradução de Juliana Frutuoso)
Mais informações: www.festivalleobrouwer.com.br
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