Curly Veterano |
# jun/05
Artigo do jornalista Luiz Orlando carneiro publicado hoje no Jornal do Brasil:
O homem que não é guitarra
Nas noites de segunda-feira, desde 1996, a atração do Iridium - um dos cinco melhores clubes de jazz de Nova York - é um guitarrista ancião. Apoiado por um trio, ele toca, conversa com o público e convida músicos de folga na platéia para subir ao palco e participar do animado show. Trata-se de Lester William Polsfuss, nascido há exatamente 90 anos, na data de hoje, numa pequena cidade do Wisconsin.
Les Paul - nome que adotou ao se profissionalizar, ainda adolescente - ficou célebre no mundo da música popular norte-americana por suas parcerias com a mulher, Mary Ford, Bing Crosby e outros cantores, depois de ter obtido certa fama como intérprete do gênero country.
Seus discos, nas décadas de 40 e 50, venderam milhões de cópias. O programa de televisão The Les Paul and Mary Ford at Home Show tinha tanta audiência que ficou no ar de 1953 a 1960. Além disso, Les Paul foi praticamente o inventor da guitarra elétrica moderna (a chamada solid body guitar) e do processo de gravação multi-tracking (para desgosto dos jazzófilos, que só aceitam registros sem trucagens, de preferência ao vivo).
Em 1941, Paul desenhou e fabricou uma das primeiras guitarras elétricas de corpo sólido. Ou seja, um instrumento que não era mais um simples violão amplificado, como o então usado por jazzmen e bluesmen, mas uma guitarra feita de madeira sólida (e depois de outros materiais sintéticos), para melhor sustentação das seis cordas e dos pick-ups, e que reduzia o desagradável feedback produzido pelas guitarras comuns eletricamente amplificadas.
O sucesso de Les Paul como solista de técnica primorosa, capaz de efeitos de slide e reverberação inusitados na época, levou a Gibson, em 1952, a fabricar em série a primeira guitarra com sua assinatura. A Gibson Les Paul, em versões sucessivas, tornou-se a guitarra preferida dos músicos de jazz e de rock (Eric Clapton, Peter Frampton, Paul McCartney, entre muitos outros).
E o agora nonagenário músico comenta, como sempre bem-humorado, a propósito de seus shows semanais no Iridium: ''Quando me apresento no palco, as pessoas ficam surpresas ao verificar que não sou uma guitarra e que ainda não morri''.
Na história do jazz, Paul ficou célebre em virtude de sua memorável participação no primeiro concerto (ocorrido em 2 de julho de 1944) da série Jazz at the Philarmonic - as célebres jam-sessions produzidas e gravadas por Norman Granz, com músicos de grande prestígio e de estilos diversos, em salas de concerto e festivais, até a segunda metade dos anos 50.
Naquela jam inicial, realizada no Philarmonic Auditorium de Hollywood, Granz juntou os saxofonistas Illinois Jacquet e Jack McVea, J.J. Johnson (trombone), Shorty Sherock (trompete), Nat ''King'' Cole (piano) e Les Paul. Em Blues e Body and soul, os solos e diálogos do então exclusivamente pianista ''King'' Cole e do guitarrista-inventor atingem altos níveis de concepção melódico-harmônica, numa clima de swing relaxado e cheio de humor. É disco obrigatório em qualquer discoteca de jazz.
A comemoração oficial dos 90 anos de Les Paul terá lugar no Carnegie Hall, no dia 19, dentro da programação do JVC New York Jazz Festival. Ele estará no palco, com o seu trio habitual, mais uma série de convidados ilustres das áreas do jazz e do rock, como Peter Frampton, Pat Martino, Bucky Pizzarelli, Steve Miller, Steve Lukather e Tommy Emmanuel.
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