maggie Veterana |
# mar/05
Adorno e a “música nova” do século 20
A história da música erudita no século 20 pode ser dividida em dois períodos: antes e depois de 1949. Foi neste ano – curiosamente na metade do século – que o filósofo e sociólogo alemão Theodor W. Adorno lançou sua obra emblemática "Filosofia da Nova Música" (Philosophie der Neuen Musik).
A expressão alemã Neue Musik (música nova) virou sinônimo de música erudita com conotação de música de vanguarda. Em português essa expressão é traduzida como “música contemporânea”. Ou seja, a obra de Adorno deveria chamar-se Filosofia da Música Contemporânea.
Mas, deixando de lado as terminologias, tentemos entender por que a reflexão musical de Adorno foi tão marcante para o destino da música erudita da segunda metade do século 20. Antes disso, passemos rapidamente em revista as transformações ocorridas na linguagem musical:
Do dodecafonismo à música digital
Tudo começou com a chamada “Segunda escola de Viena”, inaugurada pelo compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) e seus dois principais alunos: Anton Webern (1883-1945) e Alban Berg (1885-1935).
No início do século 20, os compositores eruditos buscavam alternativas para substituir o sistema tonal, que marcara a história da música desde inícios do século 17.
Depois do período romântico, a música erudita estava num beco sem saída, e os compositores buscavam outros caminhos. Por exemplo, o impressionismo musical (Claude Debussy), o politonalismo (Darius Milhaud), as tendências nacionalistas (Béla Bartok, Villa Lobos) e, sobretudo, o atonalismo, praticado por Arnold Schoenberg no início de sua obra.
No início da década de 20, Schoenberg teve a grande idéia de inventar um sistema para compor música atonal: o dodecafonismo. Este sistema está baseado na utilização de uma série de 12 notas que, à maneira de uma célula, se reproduz e organiza assim toda a obra musical.
A música de Webern constitui a expressão mais radical da estética dodecafônica. Ao invés de melodias, suas obras são verdadeiras composições de timbres: ou seja, cada som é valorizado na sua individualidade. As músicas de Webern, extremamente curtas, se ouvem como cristais sonoros.
A partir da década de 50, o “serialismo” impôs-se como sistema de composição de música erudita. A princípio ele foi adotado de forma ortodoxa por compositores como o francês Pierre Boulez, o belga Henri Pousseur e o alemão Karlheinz Stockhausen. Posteriormente, por seus discípulos.
A ortodoxia da fase inicial do serialismo foi abandonada e as linguagens musicais se diversificaram em várias direções. Por exemplo: através da música eletrônica, do teatro musical, da integração de novas mídias como o computador, o rádio e a televisão, novas técnicas instrumentais e também, as contribuições da música popular, do jazz e das tradições musicais do mundo.
O compositor progressista e o reacionário
A Filosofia da Nova Música analisa os novos caminhos da música do século 20 no cenário de uma sociedade cada vez mais dominada pela cultura de massas. As novas mídias transformam não só a música, mas a concepção de obra de arte.
Esta questão já havia sido levantada por Walter Benjamin (1892-1940) no seu profético artigo de 1933 – A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Benjamin previu a ascensão da indústria cultural, o processo de comercialização da arte e a utilização dos objetos artísticos como instrumento de manipulação das massas.
Qual deve ser a posição do “artista” em relação à cultura de massas e diante do processo de banalização dos valores culturais? Esta é, precisamente, a questão colocada por Adorno no seu livro.
Sua resposta foi a seguinte: o compositor “progressista”, engajado com a própria arte, não tem outra alternativa senão a atitude negativa de opor-se a tudo que seja “fácil”, tudo que seduza, por assim dizer, a audição. Adorno defende o radicalismo de Schoenberg que, através do dodecafonismo, insurgiu-se contra o sistema tonal e contra o “ranço” da tradição, abrindo novos caminhos.
O compositor “reacionário”, na opinião de Adorno, é aquele que se deixa seduzir pela cultura de massas, buscando o sucesso através de fórmulas conhecidas a fim de agradar ao público. O russo Igor Stravinsky (1882-1971), compositor eclético que escreveu tanto obras arrojadas como peças tonais, tornou-se, aos olhos de Adorno, o exemplo emblemático do músico reacionário, comodista.
Música erudita e popular
A dicotomia entre Schoenberg e Stravinsky, que causou tanta polêmica, é hoje um problema resolvido. O mérito de Stravinsky é mais do que reconhecido e o de Schoenberg foi relativizado.
Mas o problema levantado por Adorno permanece, ainda hoje, como a questão fundamental da música erudita contemporânea. O século 20 ficará na história como o período em que a criação musical erudita isolou-se da cultura de massas, perdeu público e virou uma arte de elite. Isto aconteceu em todos os lugares: na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil.
Esta tendência contrasta drasticamente com a explosão da música popular no âmbito da cultura de massas. A música pop não é apenas um gênero musical, mas simboliza todo um processo de comercialização de atitudes, idéias e comportamentos.
No início do século 21, o que faz a diferença em relação à época de Adorno é a revolução tecnológica das mídias de comunicação e informação. O próprio conceito de arte está se transformando devido à sua simbiose com a técnica e o design.
O objeto artístico perdeu completamente a sua aura, fragmentando-se nas partículas sonoras, gestos e pixels das mídias e redes digitais. Novas formas de comunicação musical e metamusical estão surgindo neste processo.
O que será que Adorno diria de tudo isso?
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