Edward Blake Membro Novato |
# out/16 · Editado por: Edward Blake
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Rednef2 ler é uma coisa, absorver o conteúdo é outra
O golpe do 18 Brumário encerrou o governo do Diretório na França e instituiu nesse país, com o consentimento esmagador da população (expresso por meio de referendo popular ex post), uma forma de governo semiditatorial denominada "consulado" (mais tarde transformado em império, também por aprovação esmagadora em referendo democrático), cujo poder dominante era o Executivo, que, por sua vez, era chefiado pelo Primeiro Cônsul (mais tarde, Imperador). Este cargo foi ocupado por Napoleão Bonaparte até 1814 (1815, se se contar o "governo dos 100 dias", que Napoleão exerceu após fugir do exílio em Elba que lhe tinha sido imposto por seus inimigos após a derrota na batalha de Leipzig) e lhe conferia a prerrogativa de escolher os membros da Assembleia Nacional (a partir de uma lista de indicados via sufrágio) e a competência exclusiva de propor projetos de lei. O parlamento se limitava a aprovar ou rejeitar os projetos apresentados pelo Executivo, sem sequer poder discuti-los (função esta desempenhada por outro órgão, a Tribuna, instância meramente consultiva, desprovida de poder decisório).
Dentro do Estado, a concentração de poder nas mãos de Napoleão era tamanha (para os padrões atuais) que o Estado francês sequer possuía um supremo tribunal encarregado de controlar a constitucionalidade das leis (propostas apenas pelo Executivo e aprovadas por um Legislativo escolhido por esse mesmo Executivo, diga-se novamente). Quando muito, o Senado, cujos membros também eram eleitos apenas indiretamente pelo povo, fazia as vezes de órgão de controle.
Fora do Estado, Napoleão também domou com mão de ferro as instituições concorrentes da imprensa e da religião. Em relação à imprensa e à educação, impôs constante vigilância, censura e doutrinação, ora escondendo do público os fracassos do regime (a derrota na batalha de Trafalgar para a Inglaterra, por exemplo, só foi descoberta pelo público francês cerca de oito anos mais tarde, já ao fim do império napolêonico), ora promovendo o culto pessoal ao imperador. Em relação à religião, neutralizou rapidamente a influência do Vaticano ao celebrar uma concordata com o mesmo ainda em 1801, na qual assumiu o Estado francês a obrigação de pagar os salários do clero nacional e, em troca, avocou-se a prerrogativa de nomear seus bispos.
Em outras palavras: Napoleão estatizou a Igreja Católica (não obstante o regime também garantisse a liberdade de culto dos protestantes e dos judeus, os termos da concordata eram interessantes para o Vaticano em razão dos abusos cometidos contra a pessoa e o patrimônio do clero durante o Terror jacobino). Tal concordata enfraqueceu permanentemente a religião como força política na França e a ela se deve em grande medida o surgimento de uma cultura secularista no país, já que esse padrão de relacionamento Estado-Igreja sobreviveu ao próprio império napoleônico e só foi extinto em 1905, no contexto da III República e dos casos Boulanger e Dreyfus (a participação do clero nos movimentos antirrepublicano e antissemita daqueles anos destruiu em definitivo seu prestígio e capacidade de influenciar a opinião pública francesa).
(Adaptado de: BURNS, Edward McNall. Western civilizations. Não me lembro da página nem da edição. Li apenas uma vez)
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Edward Blake Membro Novato |
# out/16 · Editado por: Edward Blake
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sallqantay
Após a derrota definitiva de Napoleão em Waterloo, o Congresso de Viena (uma série de conferências diplomáticas realizadas a partir de 1815 pelos Estados da coalizão antifrancesa) procedeu a uma reorganização geral das fronteiras europeias, restaurando-as, na medida do possível, à sua configuração pré-revolucionária de 1789. Dois foram os princípios orientadores dos planos do Congresso: restauração das dinastias derrubadas e compensações territoriais aos vencedores da guerra.
Em razão do princípio das compensações, a Inglaterra incorporou ao seu império colonial uma das Guianas holandesas na América do Sul (em troca desse território, a Holanda foi compensada com o território da Bélgica, que pertencia à Austria, que, por sua vez, foi compensada com territórios na Itália). A nova Guiana britânica fazia fronteira ao norte com o então Império português (após 1822, brasileiro).
Dada a escassa ocupação da Amazônia e a ausência de tratados delimitando as fronteiras, estas eram nebulosas e representavam um potencial foco de conflitos entre o Brasil e a Inglaterra. Por mais de 20 anos (contados do Congresso de Viena), no entanto, as relações fronteiriças entre os dois Estados da região foram tranquilas.
A situação só mudou com as expedições de Robert Herman Schomburgk (alemão naturalizado inglês) nas Guianas a partir de 1836 (quando o Pará passava por um surto de violência generalizada decorrente da Cabanagem -- guerra civil contra o governo regencial que dizimou a população paraense). Na segunda dessas expedições, Schomburgk percebeu a fragilidade da ocupação brasileira na região e os recorrentes conflitos entre brasileiros e indígenas, e, ao retornar à Inglaterra, passou a defender a imigração e ocupação inglesas do norte do Pará, sob o pretexto humanitário de proteger os índios contra os abusos dos brasileiros.
A opinião pública britânica, sensibilizada com os argumentos de Schomburgk, aderiu em massa à causa, e, tout de suite, instaurou-se um conflito entre os dois Estados. Por mais de meio século, realizaram-se sucessivas e frustradas negociações, além da celebração de um modus vivendi (tratado que reconhece o litígio e suspende seus efeitos até sua solução definitiva). Somente na última década do século XIX, Brasil e Inglaterra celebram tratado submetendo o litígio à arbitragem internacional, escolhendo o rei da Itália, Vitor Emmanuel III, como juiz para o imbróglio.
No processo arbitral, o Brasil -- implicitamente admitindo a fragilidade da ocupação -- invoca, como defesa maior, a watershed doctrine, regra de direito internacional segundo a qual, não havendo ocupação efetiva do território por nenhuma das partes, o Estado que tem a posse de um rio deve ter a posse dos afluentes.
Ao fim, Vitor Emmanuel decidiu o litígio em termos mais favoráveis à Inglaterra do que ao Brasil, que acabou perdendo parte do Pará nesse episódio. As novas fronteiras ultrapassavam, inclusive, a região originalmente pleiteada pela Inglaterra. O rei justificou sua decisão, entretanto, com base nos dois princípios de direito internacional (o das fronteiras naturais e o dos custos de demarcação) usados uma década antes na conferência de Berlim para a repartição neocolonial da África entre as potências europeias.
(Adaptado de: GOIS FILHO, Synesio Sampaio de. Navegantes, bandeirantes, diplomatas. Não me lembro da edição nem da página)
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