Die Kunst der Fuge Veterano |
# fev/13
PETIÇÃO DE JACQUES BONHOMME[1], CARPINTEIRO AO SENHOR CUNIN-GRIDAINE[2], MINISTRO DO COMÉRCIO
SENHOR MINISTRO INDUSTRIAL DA TECELAGEM,
Sou carpinteiro, como o foi Jesus; trabalho com o machado e a enxó para vos servir.
E foi cortando e rachando lenha, de manhã à noite, nas terras do Senhor nosso Rei, que me dei conta de que meu trabalho é tão nacional quanto o vosso.
Sendo assim, não vejo por que razão a Proteção não vem em auxílio de minha estância de madeiras, tal qual faz com a vossa indústria.
Afinal, se vós fabricais tecidos, eu faço telhados. Ambos, por maneiras diversas, protegemos nossos clientes do frio e da chuva.
Entretanto, eu tenho que correr atrás dos fregueses, enquanto os fregueses é que correm atrás de vós. Soubestes bem forçá-los a isso, impedindo-os de comprar em outro lugar, enquanto meus fregueses procuram quem bem lhes aprouver.
O que há de espantoso nisso? Ora, o Senhor Cunin, ministro, não se esqueceu do Senhor Cunin, fabricante de tecidos, o que é natural. Mas infelizmente meu humilde ofício não deu nenhum ministro à França, embora tenha dado um Deus ao mundo.
E este Deus, no código imortal que legou aos homens, não introduziu nenhuma palavra autorizando os carpinteiros a enriquecerem à vossa maneira, ou seja, às custas de outrem.
Considerai então a minha situação. Ganho 30 soldos por dia, exceto aos domingos e feriados. Se eu vos oferecer meus serviços, ao mesmo tempo que um carpinteiro de Flandres, e se ele trabalhar por um soldo a menos, é claro que lhe dareis preferência.
Contudo, se desejo me vestir e um tecelão belga me oferece seus tecidos no mercado, competindo com os vossos, vós o expulsareis do país, ele e seus tecidos.
Deste modo, me verei forçado a procurar vossa loja, que é a mais careira, e meus míseros 30 soldos passarão a valer, na realidade, 28!
Que digo? Não valem nem 26! Pois, em vez de expulsar o tecelão belga às vossas custas (o que seria o mínimo a se esperar), vós me obrigais a pagar as pessoas que, no vosso interesse, mandam o belga passear.
E como um número considerável de vossos companheiros legisladores, com os quais vos entendeis às mil maravilhas, me leva, cada um deles, um ou dois soldos a mais, a pretexto de proteger seja o ferro, seja o carvão mineral, seja o óleo, seja o trigo, o fato é que não consigo salvar deste assalto nem sequer 15 soldos, dos 30 que consigo ganhar.
Vós me direis, sem dúvida, que estes pequenos soldos, que fogem, sem qualquer compensação, do meu bolso para o vosso, são o sustento daqueles que vivem em torno de vosso castelo e que também vos propiciam condições de viver muito bem. Permiti-me alertar-vos que se vós me deixásseis esses soldinhos nas minhas mãos, eles também seriam o sustento dos que vivem em torno de mim.
De qualquer forma, Senhor Ministro Industrial de Tecelagem, sabendo que seria mal recebido, não venho vos forçar, como aliás eu teria o direito, a abdicar da restrição imposta à vossa clientela.
Prefiro seguir a tendência geral e reivindicar também um pouquinho de proteção.
Com toda certeza vós ireis apresentar-me alguma dificuldade. "— Amigo — direis — gostaria de proteger a ti e a teus pares, mas como conceder vantagens alfandegárias ao trabalho dos carpinteiros? Seria possível proibir a entrada de casas por terra e por mar?"
Tal atitude seria ridícula. Mas, de tanto pensar no problema, descobri outro meio de favorecer os filhos de São José. Vós acatareis minha ideia, creio, com mais benevolência, pois não tem diferença nenhuma dos privilégios que são votados por vós e para vós mesmos todos os anos.
Este meio maravilhoso consiste no seguinte: proibir, em toda a França, o uso de machados afiados.
Semelhante restrição não seria nem mais ilógica nem mais arbitrária do que a encontrada por vós para os vossos tecidos.
Por que motivo expulsais os belgas? Porque vendem mais barato do que vós. E por que vendem eles mais barato? Porque são superiores a vós enquanto fabricantes de tecidos.
Entre vós e um belga há exatamente a mesma diferença que entre um machado cego e um afiado.
E vós me forçais, a mim, carpinteiro, a comprar o produto feito pelo machado cego!
Considerai a França como um operário que quer, através de seu trabalho, adquirir coisas de que necessita, dentre as quais estão os tecidos.
Para tanto há dois caminhos possíveis:
. o primeiro é fiar e tecer a lã;
. o segundo é fabricar outras mercadorias como, por exemplo, relógios, papel de parede ou vinho, e trocá-las com os belgas por tecidos.
Desses dois procedimentos indicados, o que dá melhor resultado pode ser simbolizado pelo machado afiado; o outro, pelo cego.
Não podeis negar que, atualmente, na França, dá mais trabalho obter-se uma peça de tecido diretamente de nossos teares (é o machado cego) do que indiretamente por intermédio de nossas vinhas (é o machado afiado). E não podeis negar isso, porque é justamente em função desta maior dificuldade (com a qual constituis vossa riqueza) que recomendais e, ainda mais, que impondes o uso do pior dos dois machados.
Pois bem! Sede pelo menos consequente, imparcial, se não quiserdes ser justo, e tratai os pobres carpinteiros como tratais a vós mesmo.
Editai uma lei que diga:
Ninguém poderá usar senão vigas e travas produzidas por machados cegos.
E vede o que vai acontecer.
Onde tínhamos de dar cem machadadas, daremos trezentas. O que fazemos em uma hora, levaremos três. Que poderoso estímulo para o trabalho! Aprendizes, artífices e mestres, não seremos mais em número suficiente. Seremos procurados e, por conseguinte, bem pagos. Quem quiser usufruir de um telhado terá de se submeter às nossas exigências, do mesmo modo que quem quer ter um tecido é obrigado a se submeter às vossas.
E que não venham os teóricos do livre mercado pôr em dúvida a utilidade dessa medida. Se o fizerem, saberemos bem onde achar uma refutação vitoriosa. Será no vosso relatório parlamentar de 1834. Nós os derrotaremos com esse relatório, pois nele vós soubestes admiravelmente defender a causa das proibições e dos machados sem corte, o que, no fundo, constitui-se em dois nomes usados para designar uma só coisa.
[1] N. do T.- Jacques Bonhomme, em francês, nome usado como "João da Silva" em português, representa o homem comum do povo, probo, responsável.
[2] N. do T.- Laurent Cunin-Gridaine (1778-1859), fabricante de tecidos, deputado, ministro do comércio e advogado da política protecionista.
Fonte
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Dissertem sobre o texto (não sobre o criador do tópico).
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