Um caso de corrupção acadêmica

    Autor Mensagem
    SayArtur
    Veterano
    # fev/11


    Um caso de corrupção acadêmica

    Urariano Mota *

    O homem que me contou este caso não é nenhum corrupto. Ainda que não haja contradição entre ser um cientista e um senhor corrupto, ele é um mestre, um cientista. Para melhor situá-lo, direi que é biólogo de uma escola superior do sul do Brasil. No entanto, a sua pessoa poderá ser vista em qualquer cidade. Com a palavra, o mestre K:

    "A coisa está pior do que se pode imaginar. O senhor se julga um escritor, um sujeito dotado de fantasia? Então acompanhe o que lhe vou contar, porque a sua imaginação vai aprender muito.

    Eu fui nomeado para ser relator de uma dissertação de mestrado. Tudo bem, isso faz parte do meu trabalho. Por experiência eu sei que não devo esperar teses que revolucionem o mundo da ciência. Revolução? Menos,para que exagerar? A realidade já é um exagero. Para dizer a verdade, eu não devo esperar a mínima contribuição para qualquer coisa. Como eu sou um homem honesto, eu lhe digo que se esse fosse o critério, eu não estaria no lugar onde estou. Mas não ter esperança é diferente da mais completa desesperança. Acompanhe.

    Quando eu havia corrigido cerca de 2/3 da tese, eu tinha contado cerca de 150 erros de português. Preste bem atenção. Eu não sou exatamente um cultor do português, a minha especialidade é outra. Mas havia erros crassos, gritantes até para mim. Agora olhe como as coisas andam na maior concordância orgânica. O que o trabalho não sabia de português, melhor ainda não sabia da ciência biológica. Que maravilhosa coerência, não é? Havia antagonismos, buracos, saltos, o diabo. Então chamei o aluno, contei-lhe o estado deplorável da sua tese.

    O aluno, muito vivo, me respondeu então, na minha cara, pois a que cara ele haveria de falar, não é?... na minha cara ele me disse que não tinha tempo de fazer as correções antes da defesa, que já estava marcada para o dia 13 de abril, e que viria um outro doutor de Brasília para a banca examinadora, etc. Então eu disse a ele: 'Escute, você me fez perder um tempo grande na correção. Mas se a data da defesa já está marcada e seu orientador acha que o trabalho está apresentável, não vou criar problema. Mas tem uma coisa: retire o meu nome de relator, certo?'

    Não sei por que cargas d'água o futuro 'cientista' achou que a comissão examinadora poderia criar problemas se ele não recebesse 'o apto a ser julgado' do relator, no caso, eu. Por conta dessa dúvida, ele apareceu em minha casa acompanhado dos seguintes fundamentos teóricos e experiências de laboratório: o seu poderoso pai com mostras de riqueza nas roupas, nos sapatos, mencionando de passagem o carro importado, junto às mais importantes citações científicas, todas de nomes de políticos e de pessoas influentes da sociedade. Claro, como a visita era de amizade, como era uma política de boa vizinhança, trouxeram um litro de uísque antigo, cujo preço é o meu salário.... Eu não só dispensei o 'presente' como voltei a explicar tudo de novo: 'O problema é seu e de seu orientador. O que vocês acordarem, pra mim está ótimo. Agora, não coloque o meu nome nessa história. Só isso'.

    Bem, o 'cientista' defendeu o indefensável, não fez as modificações sugeridas por mim e pela banca examinadora, mas foi aprovado. Quando imprimiu os seis volumes da dissertação, deixou o meu nome como relator. Eu só não chamei o cara de santo. Então, fiz uma reclamação por escrito ao coordenador da pós-graduação e lhe disse que já era a segunda vez que me faziam de palhaço. E numa atitude radical, consegui apagar o meu nome em quatro dos seis volumes impressos, com corretivo. O pai do aluno, quando soube de minha atitude, o que fez? Imagine, o pai do farsante me ameaçou com um processo. Eu era o delinquente! Ainda bem que para a minha sorte, para que o pai indignado não levasse adiante o processo, não havia prova de que eu cometera o crime de apagar o meu nome. E para maior atenuante, ainda havia dois exemplares com o meu nome de relator.

    Agora, vem a melhor parte: contando isso aos colegas em uma reunião do departamento de Biologia, em vez de receber apoio integral pela minha atitude, eu fui acusado de estar com excesso de 'preciosismo' nas minhas correções. Os professores mais corruptos disseram que eu fui idiota, metido a Robespierre em não ter aceitado o litro de uísque do cara. Em nome até da boa convivência, eu nada respondi a quem me chamou de Robespierre. Minha cabeça podia ir para a guilhotina".

    E aqui termina a fala do mestre K. Acreditem os leitores, o narrado não é ficção. Acontece em muitos lugares do Brasil.

    * Autor de "Os Corações Futuristas" e de "Soledad no Recife", que recria os últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, executada por Fleury com o auxílio do traidor.


    Dissertem, ou não...

    Konrad
    Veterano
    # fev/11
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    SayArtur
    Por experiência eu sei que não devo esperar teses que revolucionem o mundo da ciência. Revolução? Menos,para que exagerar? A realidade já é um exagero. Para dizer a verdade, eu não devo esperar a mínima contribuição para qualquer coisa. Como eu sou um homem honesto, eu lhe digo que se esse fosse o critério, eu não estaria no lugar onde estou.

    Resumiu o Universo acadêmico brasileiro nessa frase.

    SayArtur
    Veterano
    # fev/11
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    Konrad

    Sad but true...

    hard rock and roll
    Veterano
    # fev/11
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    Esse texto me lembrou daquele prédio que desabou em Belém...

    Konrad
    Veterano
    # fev/11
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    SayArtur
    Konrad

    Sad but true...


    Eu jávi o processo de seleção de Mestrado de uma grande Universidade federal do Rio de perto. Não tem nada de transparente.

    J. S. Coltrane
    Veterano
    # fev/11 · Editado por: J. S. Coltrane
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    SayArtur
    Eu fui nomeado para ser relator de uma dissertação de mestrado

    o que vem a ser isso? Não entendi mesmo. Ou o cara é revisor ou é ghost-writer. O relator é o autor da tese.


    150 erros de português não é nada. Já encontrei muito mais em originais de doutores, é perfeitamente normal, o cara que escreve isso não tem noção de nada

    SayArtur
    Veterano
    # fev/11
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    Konrad

    A tal da indicação é o que mata... É praticamente um jabá acadêmico...

    SayArtur
    Veterano
    # fev/11
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    150 erros de português não é nada. Já encontrei muito mais em originais de doutores, é perfeitamente normal, o cara que escreve isso não tem noção de nada

    Eu também já encontrei muitos, mas isso não quer dizer que o fato deva ser menosprezado. Muito pelo contrário...

    J. S. Coltrane
    Veterano
    # fev/11 · Editado por: J. S. Coltrane
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    SayArtur

    mas ainda não sei quem é essa figura do relator. E eu estou falando de originais, e não de trabalhos publicados

    Codinome Jones
    Veterano
    # fev/11
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    Aceitava o uisque e fodia com o pseudo cientista de merda.

    Bizet
    Veterano
    # fev/11
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    Aceitava o uisque e fodia com o pseudo cientista de merda.
    (2)

    Mas arrancando o rótulo do whisky, pra não ter paranóias.

    Quase nada
    Veterano
    # fev/11
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    Konrad
    Resumiu o Universo acadêmico brasileiro nessa frase.
    não só brasileiro..

    thebassx
    Veterano
    # fev/11
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    só nao sei o que um cara rico quer fazendo mestrado.... ainda mais em biologia.

    Codinome Jones
    Veterano
    # fev/11
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    thebassx
    O pai dele que é, meu palpite é que ele vive a ilusão de querer ser alguem na vida, quando ele pode ser simplismente um zé ninguém com carros e vagabundas.

    BruRoma
    Veterano
    # fev/11
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    As pessoas estão ficando cada vez mais burras..resta a nós sermos diferentes e nos beneficiarmos de tanta burrice.
    Afinal o cara pode até pagar pra passar..mas no mercado de trabalho muito longe ele não vai.

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