Sobre a Tabacaria de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

    Autor Mensagem
    Konrad
    Veterano
    # set/10 · Editado por: Konrad


    O que dizem? O que te diz o poema? Verso/estrofe predileta?

    Tabacaria


    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


    Janelas do meu quarto,
    Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
    (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
    Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
    Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
    Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
    Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
    Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
    Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


    Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
    Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
    E não tivesse mais irmandade com as coisas
    Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
    A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
    De dentro da minha cabeça,
    E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


    Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
    Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
    À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
    E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


    Falhei em tudo.
    Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
    A aprendizagem que me deram,
    Desci dela pela janela das traseiras da casa.
    Fui até ao campo com grandes propósitos.
    Mas lá encontrei só ervas e árvores,
    E quando havia gente era igual à outra.
    Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?


    Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
    Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
    E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
    Gênio? Neste momento
    Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
    E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
    Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
    Não, não creio em mim.
    Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
    Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
    Não, nem em mim...
    Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
    Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
    Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
    Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
    E quem sabe se realizáveis,
    Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
    O mundo é para quem nasce para o conquistar
    E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
    Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
    Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
    Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
    Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
    Ainda que não more nela;
    Serei sempre o que não nasceu para isso;
    Serei sempre só o que tinha qualidades;
    Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
    E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
    E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
    Crer em mim? Não, nem em nada.
    Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
    O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
    E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
    Escravos cardíacos das estrelas,
    Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
    Mas acordamos e ele é opaco,
    Levantamo-nos e ele é alheio,
    Saímos de casa e ele é a terra inteira,
    Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


    (Come chocolates, pequena;
    Come chocolates!
    Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
    Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
    Come, pequena suja, come!
    Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
    Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
    Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


    Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
    A caligrafia rápida destes versos,
    Pórtico partido para o Impossível.
    Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
    Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
    A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
    E fico em casa sem camisa.


    (Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
    Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
    Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
    Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
    Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
    Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
    Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
    Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
    Meu coração é um balde despejado.
    Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
    A mim mesmo e não encontro nada.
    Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
    Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
    Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
    Vejo os cães que também existem,
    E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
    E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


    Vivi, estudei, amei e até cri,
    E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
    Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
    E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
    (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
    Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
    E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente


    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo
    E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


    Essência musical dos meus versos inúteis,
    Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
    E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
    Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
    Como um tapete em que um bêbado tropeça
    Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


    Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
    Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
    E com o desconforto da alma mal-entendendo.
    Ele morrerá e eu morrerei.
    Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
    A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
    Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
    E a língua em que foram escritos os versos.
    Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
    Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
    Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,


    Sempre uma coisa defronte da outra,
    Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
    Sempre o impossível tão estúpido como o real,
    Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
    Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.


    Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
    E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
    Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
    E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


    Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
    E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
    Sigo o fumo como uma rota própria,
    E gozo, num momento sensitivo e competente,
    A libertação de todas as especulações
    E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


    Depois deito-me para trás na cadeira
    E continuo fumando.
    Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


    (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
    Talvez fosse feliz.)
    Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
    (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
    Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
    Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
    Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

    Abraços para Brunohardrocker, Root, Codinome e Coltrane.

    brunohardrocker
    Veterano
    # set/10
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    haha
    Passou um belo filme na minha cabeça.

    Foi em um ambiente nublado, mais ou menos em 1930 e alguns velhotes fumantes de cabelos brancos.

    Leucocieetus
    Veterano
    # set/10
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    Eu sei que é clichê, mas esse poema é incrível, é foda demais.

    brunohardrocker
    Veterano
    # set/10
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    O que dizem? O que te diz o poema?

    Traz uma visão de mundo diferente da minha e que com certeza, não devo ser tão arrogante a ponto de não admitir sua validade.

    Verso/estrofe predileta?

    Achei umas boas:

    "Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
    Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?"

    "Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
    Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
    Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
    Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,"


    "Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
    Mas acordamos e ele é opaco,
    Levantamo-nos e ele é alheio,
    Saímos de casa e ele é a terra inteira,
    Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido."


    "E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu." (nas minhas crises penso semelhante)

    "Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido." (me descreve).

    Dogs2
    Veterano
    # set/10
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    É um dos melhores poemas de todos os tempos sem sombra de dúvida

    Konrad
    Veterano
    # set/10
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    brunohardrocker

    hahah.

    Essas são minhas prediletas também.

    Acho o desfecho gnial também por causa de simplicidade.

    Leucocieetus

    Clichê nada. pessoa está esquecido, inclçusive academicamente.

    Se a língua portuguesa não fosse o túmulo do pensamento, ele estaria ao lado de gente como Dante, Joyce, Shakespeare.

    Perto dele Pound é coisa de criança, por exemplo.

    Konrad
    Veterano
    # set/10
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    Dogs2
    É um dos melhores poemas de todos os tempos sem sombra de dúvida

    Da língua portuguesa é.....

    Konrad
    Veterano
    # set/10
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    brunohardrocker

    Ah, a imagem do chocolate é muitoboa também.

    Dogs2
    Veterano
    # set/10
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    Konrad
    aí é o maior!

    Excelion
    Veterano
    # set/10 · Editado por: Excelion
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    Tenho medo de ler um poema do Fernando Pessoa e virar esquizofrênico também :(


    Mas falando sério, acho o cara genial. Um dos poucos artistas que eu agradeço ter sido forçado a conhecer nas aulas de literatura do Ensino Médio. Deveras perturbado também com aquelas várias facetas. Porém genial.

    Quanto a estrofe preferida... Como nos poemas que seguem essa linha de raciocínio, as minhas estrofes favoritas são aquelas curtas, uma espécie de refrão... Porra não sei explicar, é subjetivo demais, mas ve se pegam o que estou querendo dizer, vou mostrar uns exemplos:


    Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


    Depois deito-me para trás na cadeira
    E continuo fumando.
    Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


    Sei lá, vai ver é só "brisa" minha, mas essas estrofes para mim têm um clima diferente das outras.

    Leucocieetus
    Veterano
    # set/10
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    Konrad

    Eu já fui muito de ler o Pessoa, hoje não pego pra ler mais nada dele, nem de poesia em geral. Sempre preferi mesmo o Álvaro de Campos, a partir de curtir também o Caeiro...

    O lance da metafísica é sensacional. Porra, eu não sei explicar direito, como o Excelion disse, é subjetivo demais...

    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.


    Eu sempre acho graça dessa parte, ahuahuahu. "Esse é o Esteves, sem viagem".

    Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
    Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
    À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
    E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


    Acho que esse trecho é meio que um prelúdio, e também síntese do que o poema trata. E... porra. Tinha esquecido de como era foda.

    BokuWa
    Veterano
    # set/10
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    Muito foda! Fantastico... Havia uma época em que de tanto ler eu sabia pelo menos metade dele. Mas sem duvidas minha parte favorita é:

    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo
    E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


    Leucocieetus
    Veterano
    # set/10
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    Eu ia dizer que meu trecho preferido é um outro, mas lembrei que esse é do Poema em Linha Reta, hauahua. Outro dele que é fantástico.

    Kensei
    Veterano
    # set/10
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    É um dos melhores poemas de todos os tempos sem sombra de dúvida


    Codinome Jones
    Veterano
    # set/10
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    Konrad
    abraço, cara
    _______

    Não tenho capacidade,ou, não sei diferenciar um poema bom de um ruim.

    Mas gostei.

    brunohardrocker
    Veterano
    # set/10
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    Acho que pra quem não é acostumado a ler isso, tipo eu, acaba estranhando a forma como é escrito.

    Tipo aqui:

    verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -

    Parece até um erro de gramática.

    Mas...

    Codinome Jones
    Veterano
    # set/10
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    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo


    gostei dessa

    me fez pensar em mim mesmo

    J. S. Coltrane
    Veterano
    # set/10
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    Konrad
    abraços, man

    SayArtur
    Veterano
    # set/10
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    Esse trecho é terrivelmente verdadeiro... Penso nisso com frequência...

    Serei sempre o que não nasceu para isso;
    Serei sempre só o que tinha qualidades;
    Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
    E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
    E ouviu a voz de Deus num poço tapado.



    É um dos melhores poemas de todos os tempos sem sombra de dúvida

    Konrad
    Veterano
    # set/10
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    Excelion
    ei lá, vai ver é só "brisa" minha, mas essas estrofes para mim têm um clima diferente das outras.


    Em que aspecto?

    Claro que não é brisa... poesia é isso.... interpretação, todas são válidas. Menoas as pedantes do pessoal da USP.

    Leucocieetus
    Eu já fui muito de ler o Pessoa, hoje não pego pra ler mais nada dele, nem de poesia em geral. Sempre preferi mesmo o Álvaro de Campos, a partir de curtir também o Caeiro...

    Parou por quê?

    BokuWa

    Você faz Física, não? Curioso!

    brunohardrocker
    Acho que pra quem não é acostumado a ler isso, tipo eu, acaba estranhando a forma como é escrito.

    Tipo aqui:

    verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -

    Parece até um erro de gramática.

    Mas...


    .... é um polissíndeto! grava que isso cai em concursos frequentemente.... ehheh (repetição de conectivo...)

    fora do texto poético é deselegante e errado mesmo.

    Codinome Jones
    Fiz de mim o que não soube
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo

    gostei dessa

    me fez pensar em mim mesmo


    Quase todos citaram esse trecho.... mal estar geral com a existência....



    J. S. Coltrane

    Abraços!

    SayArtur
    Esse trecho é terrivelmente verdadeiro... Penso nisso com frequência...

    Serei sempre o que não nasceu para isso;
    Serei sempre só o que tinha qualidades;
    Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
    E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
    E ouviu a voz de Deus num poço tapado.


    É um dos melhores poemas de todos os tempos sem sombra de dúvida


    Mais um!

    Konrad
    Veterano
    # set/10
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    Arquivo Pessoa
    Instituto de Estudos sobre o Modernismo
    OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO


    Álvaro de Campos
    A rapariga inglesa, uma loura, tão jovem, tão boa


    A rapariga inglesa, uma loura, tão jovem, tão boa

    Que queria casar comigo...

    Que pena eu não ter casado com ela...

    Teria sido feliz

    Mas como é que eu sei se teria sido feliz?

    Como é que eu sei qualquer coisa a respeito do que teria sido

    Do que teria sido, que é o que nunca foi?

    Hoje arrependo-me de não ter casado com ela,

    Mas antes que até a hipótese de me poder arrepender de ter casado com ela.

    E assim é tudo arrependimento,

    E o arrependimento é pura abstracção.

    Dá um certo desconforto

    Mas também dá um certo sonho...

    Sim, aquela rapariga foi uma oportunidade da minha alma.

    Hoje o arrependimento é que é afastado da minha alma.

    Santo Deus! que complicação por não ter casado com uma inglesa que já me deve ter esquecido!...

    Mas se não me esqueceu?

    Se (porque há disso) me lembra ainda e é constante

    (Escuso de me achar feio, porque os feios também são amados

    E às vezes por mulheres!)

    Se não me esqueceu, ainda me lembra.

    Isto, realmente, é já outra espécie de arrependimento.

    E fazer sofrer alguém não tem esquecimento.

    Mas, afinal, isto são conjecturas da vaidade.

    Bem se há-de ela lembrar de mim, com o quarto filho nos braços,

    Debruçada sobre o Daily Mirror a ver a Pussy Maria.

    Pelo menos é melhor pensar que é assim.

    É um quadro de casa suburbana inglesa,

    É uma boa paisagem íntima de cabelos louros,

    E os remorsos são sombras...

    Em todo o caso, se assim é, fica um bocado de ciúme.

    O quarto filho do outro, o Daily Mirror na outra casa.

    O que podia ter sido...

    Sim, sempre o abstracto, o impossível, o irreal mas perverso —

    O que podia ter sido.

    Comem marmelade ao pequeno almoço em Inglaterra...

    Vingo-me em toda a linguagem inglesa de ser um parvo português.

    Ah, mas ainda vejo

    O teu olhar realmente tão sincero como azul

    A olhar como uma outra criança para mim...

    E não é com piadas de sal do verso que te apago da imagem

    Que tens no meu coração;

    Não te disfarço, meu único amor, e não quero nada da vida.

    erico.ascencao
    Veterano
    # set/10
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    Este tópico me fez recordar de uma pérola dos tempos de colégio:

    Professora, vai cair os hormônios de Fernando Pessoa?

    Amigo meu, misturando Biologia com Português ao perguntar para a professora de Literatura sobre os homônimos de Fernando Pessoa.

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