As duas melhores crônicas mainardianas,

Autor Mensagem
Tabacudo
Veterano
# ago/10


pra mim, são estas:



Massa e kebab

Lula e Isaiah Berlin. Os dois nomes foram citados juntos, lado a lado, ombro a ombro, no mesmo parágrafo de um editorial de O Estado de S. Paulo. É sempre espantoso quando um encontro desses acontece:

– Isaías, apresento-lhe Lula. Lula, este é Isaías, o filósofo. Isaías, tente explicar ao Lula o significado do conceito "liberdade negativa". Não, Lula: liberdade negativa não é o abuso da liberdade, é o contrário. Isaías, tente explicar novamente, por cortesia. Não, Lula: "As pessoas escrevem o que querem e ouvem o que não querem" não pode ser considerado um exemplo de liberdade negativa. Acho melhor a gente ir embora, Lula. O Isaías prefere ficar sozinho. Sim, Lula, o Isaías está morto.

No último domingo, testemunhei outro encontro inusitado: Claudia Leitte e Elias Canetti. Fui jantar com meus filhos num restaurante árabe de Copacabana. Meio de transporte: bicicleta. Um filho na cadeirinha dianteira, outro filho na cadeirinha traseira. No caminho de volta para casa, fomos imersos pela gigantesca onda humana que acabara de assistir a um espetáculo da cantora Claudia Leitte, na Praia de Copacabana. Imediatamente, pensei em Elias Canetti. Ele relatou que o evento decisivo de sua vida ocorreu em 15 de julho de 1927, quando foi arrastado por uma horda de arruaceiros que depredou e incendiou o Palácio de Justiça em Viena. Toda a sua obra foi inspirada pelo episódio. Em particular, o romance Auto-da-Fé e o tratado Massa e Poder. Eu senti uma inquietude similar à de Canetti no último domingo, quando fui arrastado pelas centenas de milhares de pessoas que debandaram depois do espetáculo de Claudia Leitte, com meus filhos na bicicleta e a barriga cheia de homus e kebab.

Onda humana. Eu nunca uso figuras de linguagem. Nesse caso, ela cabe: Canetti identificou onze símbolos que representam as massas. Um desses símbolos é o mar. A massa de espectadores de Claudia Leitte era representada por um símbolo que não chegou a ser contemplado por Canetti: o Smirnoff Ice. Para Canetti, o populacho revanchista que incendiou o Palácio de Justiça em Viena serviu como um prenúncio do nazismo. Aquela gente estava pronta para seguir o primeiro demagogo sanguinário que aparecesse. Para mim, a massa bestializada que foi assistir ao espetáculo de Claudia Leitte em Copacabana, formada por uma gente embriagada, barulhenta, porca, feia e de pernas curtas, provou apenas que eu preciso sair menos de casa. O que demonstra de uma vez por todas – como se isso fosse necessário – que eu jamais serei um Elias Canetti.

Tenho bastante intimidade com Elias Canetti. Li suas memórias e sei praticamente tudo sobre ele, de seu nascimento até sua morte. Sim, Lula, o Elias também está morto. A partir de agora, vou me dedicar ao estudo da vida e da obra de Claudia Leitte. Ela pode ser um prenúncio dos desastres do nosso tempo.

Tabacudo
Veterano
# ago/10
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Minha vida de Coiote

Lula é o Papa-Léguas. Eu sou o Coiote. Por quatro anos, imitei o desenho animado. Recorri a todas as artimanhas para capturar a presa: catapultas, foguetes, patins a jato, elásticos gigantes, tintas invisíveis, rochas desidratadas, comprimidos de terremoto. Nada deu certo. Lula sempre conseguiu escapar. E depois de escapar, como o Papa-Léguas, grasnou aquele estridente bip-bip em minha orelha, assustando-me e fazendo-me cair num abismo, em geral com uma pedra de 10 toneladas na cabeça.

O maior achado do desenho animado de Chuck Jones é sua absoluta essencialidade. Os dois protagonistas, mudos, confrontam-se num panorama deserto, onde só há pedras e cactos, cujos espinhos terminam invariavelmente fincados na pele do Coiote. O Papa-Léguas é uma besta primária, um oportunista microcéfalo perfeitamente adaptado ao seu meio, que sabe apenas fugir e se esquivar das ciladas preparadas pelo Coiote. O Coiote, por sua vez, é a caricatura do humanista otário que acredita no triunfo da racionalidade, do conhecimento, do engenho humano, da lei, do progresso social, da tecnologia. E é repetidamente punido por causa disso. Se o Coiote é Lamarck, o Papa-Léguas é Darwin. Se o Coiote é o humanista Settembrini, o Papa-Léguas é o jesuíta Naphta. Se o Coiote é Bouvard e Pécuchet, o Papa-Léguas é a tempestade que devasta sua lavoura.

A comicidade do Coiote e do Papa-Léguas não está na variedade das piadas. Pelo contrário: está no repisamento infinito da mesma piada. O Coiote prepara uma armadilha. O Papa-Léguas passa incólume por ela. O Coiote se revolta e cai na própria armadilha. Quando se recupera de seus efeitos calamitosos, prepara outra armadilha, num ciclo interminável. Chuck Jones definiu o Coiote como um fanático, citando o filósofo George Santayana, para quem "um fanático é aquele que redobra seu empenho quando já esqueceu seu objetivo". Foi a fórmula que, semana após semana, tentei plagiar aqui na coluna. Com Lula no papel do Papa-Léguas e eu no do Coiote.

Chuck Jones dirigiu episódios do desenho animado de 1949 a 1965. Eu resisti bem menos. Depois de quatro anos, com dezenas de artigos sobre o Papa-Léguas lulista, o esquema se desgastou. No ano que vem, mudo definitivamente de assunto. Até lá, espero concluir algumas das histórias a que me dediquei no último período: do meu processo contra Lula, que já está no STF, à denúncia de que ele possui uma conta num paraíso fiscal. Da ação popular que pretendo mover contra a empresa de seu filho, que arrendou ilegalmente um canal de TV, à revelação de novos casos de financiamento ilícito ao PT. O resultado de meu esforço será o mesmo de sempre. O Papa-Léguas passará por mim a toda a velocidade, buzinando seu bip-bip. Eu, estupidamente, tentarei descobrir o que deu errado em meus planos e, de uma hora para outra, me verei caindo num abismo. Mas não ria. Porque você cairá junto comigo.

Tabacudo
Veterano
# ago/10 · Editado por: Tabacudo
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Fonte: Mainardi, Diogo. Lula é minha anta. Editora Record. Rio de Janeiro, 2007.

Codinome Jones
Veterano
# ago/10
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é isso ai mesmo.

brunohardrocker
Veterano
# ago/10
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a massa bestializada que foi assistir ao espetáculo de Claudia Leitte em Copacabana, formada por uma gente embriagada, barulhenta, porca, feia e de pernas curtas, provou apenas que eu preciso sair menos de casa.

Boa!
Tranque-se junto com suas palavras.

qew
Veterano
# ago/10
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Lí os textos, mas nem vou expor minha opinião... Nos ultimos tempos aqui expor opiniões esta perigoso. Só digo, que gostei.

Tabacudo
Veterano
# ago/10
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Já li tudo do Mainardi. Toda a sua obra, de "Malthus" a "Lula é minha anta". Todos os seus romances, crônicas, contos, artigos de revista... Ele é o meu Elias Canetti. A propósito, leiam Elias Canetti. Especialmente o ensaio "Massa e Poder". E leiam Mainardi.

DarkMakerX
Veterano
# ago/10
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Não gosto de pessoas extremistas.

Gui
Veterano
# ago/10
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Tabacudo
Já li tudo do Mainardi.
você lê???

mas percebe-se que você gosta do que essa anta fala.

ateu superior obtuso e chato
Veterano
# ago/10
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Gui
mas percebe-se que você gosta do que essa anta fala.
não, ele não gosta do Lula

_Dio
Veterano
# ago/10
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Quero a devolução dos meus 5 minutos de leitura...

Perdo
Veterano
# ago/10
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Quero a devolução dos meus 5 minutos de leitura...

[2]

ateu superior obtuso e chato
Veterano
# ago/10
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_Dio
Perdo
mimimi

Gui
Veterano
# ago/10
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ateu superior obtuso e chato
me referi ao prototipo de jornalista..não ao Molusco.

Quero a devolução dos meus 5 minutos de leitura...
(3)

Dogs2
Veterano
# ago/10
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deve ser frustrante viver à sombra de um presidente bem sucedido

_Dio
Veterano
# ago/10
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também deve ser frustrante acreditar piamente que é jornalista.

Excelion
Veterano
# ago/10
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Ele é extremista e prepotente demais pro meu gosto.

Mas as opiniões dele até que são válidas. Às vezes

Konrad
Veterano
# ago/10
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Mainardi tem pontos muito válidos, não escreve só besteira não, aliás, besteira, escreve muito pouco. Ele nunca vai ser levado à sério por causa do estilo.

Mas qo que me consta, não inventou nada do que está ali não.

Tabacudo
Veterano
# ago/10
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Konrad
Ele nunca vai ser levado à sério por causa do estilo.

Jonathan Swift, o levavam a sério. E o Voltaire, Dr. Johnson, Mark Twain, Bernard Shaw... Mainardi não tá à altura destes. Mas pra espezinhar a esquerda chucra daqui, que nunca leu meia dúzia de livros, ele é suficiente. E pra nós, reacionários, é um alento ao nosso furor.

Tabacudo
Veterano
# ago/10
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também deve ser frustrante acreditar piamente que é jornalista.

Jornalista? Pelo contrário, ele nunca se considerou jornalista e, sempre que pode, critica a maleabilidade moral da classe.

Scrutinizer
Veterano
# ago/10
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Não leio Mainardi nem por diversão.

Tabacudo
Veterano
# ago/10 · Editado por: Tabacudo
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Me decepcionou, Scrutinizer. Você que eu tanto considero...

_Dio
Veterano
# ago/10
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Pelo contrário, ele nunca se considerou jornalista

Ao menos ele tem noção da realidade.

sou ruim e vc
Veterano
# ago/10
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hahahaah engraçados...

parem de ser tao partidarios
leiam sem preconceito
nao levem tudo tao a serio
porra!

SayArtur
Veterano
# ago/10
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Quero a devolução dos meus 5 minutos de leitura...
(4)

EternoRocker
Veterano
# ago/10 · Editado por: EternoRocker
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Quero a devolução do cérebro de alguns... para que com isso possam pensar por sí.

:0)

Aced
Veterano
# ago/10
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Grande escritor e intelectual, tudo o que ele fala é a mais plena verdade.

/Animal Mother.

Aced
Veterano
# ago/10
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Mas pra espezinhar a esquerda chucra daqui, que nunca leu meia dúzia de livros, ele é suficiente. E pra nós, reacionários, é um alento ao nosso furor.


heil

DarkMakerX
Veterano
# ago/10
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Excelion
Mas as opiniões dele até que são válidas. Às vezes

Claro. Chutando tudo que tem na frente, uma hora você acerta algo.

Gui
Veterano
# ago/10
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As duas melhores crônicas mainardianas
se essas são as duas melhores...prefiro não imaginar as piores.

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