Consumo, logo existo - Frei Beto

    Autor Mensagem
    Rato
    Veterano
    # ago/07


    Ao visitar em agosto a admirável obra social de Carlinhos Brown, no Candeal, em Salvador, ouvi-o contar que na infância, vivida ali na pobreza, ele não conheceu a fome. Havia sempre um pouco de farinha, feijão, frutas e hortaliças. "Quem trouxe a fome foi a geladeira", disse. O eletrodoméstico impôs à família a necessidade do supérfluo: refrigerantes, sorvetes etc.

    A economia de mercado, centrada no lucro e não nos direitos da população, nos submete ao consumo de símbolos. O valor simbólico da mercadoria figura acima de sua utilidade. Assim, a fome a que se refere Carlinhos Brown é inelutavelmente insaciável.

    É próprio do humano – e nisso também nos diferenciamos dos animais – manipular o alimento que ingere. A refeição exige preparo, criatividade, e a cozinha é laboratório culinário, como a mesa é missa, no sentido litúrgico.

    A ingestão de alimentos por um gato ou cachorro é um atavismo desprovido de arte. Entre humanos, comer exige um mínimo de cerimônia: sentar à mesa coberta pela toalha, usar talheres, apresentar os pratos com esmero e, sobretudo, desfrutar da companhia de outros comensais. Trata-se de um ritual que possui rubricas indeléveis. Parece-me desumano comer de pé ou sozinho, retirando o alimento diretamente da panela.

    Marx já havia se dado conta do peso da geladeira. Nos "Manuscritos econômicos e filosóficos" (1844), ele constata que "o valor que cada um possui aos olhos do outro é o valor de seus respectivos bens. Portanto, em si o homem não tem valor para nós." O capitalismo de tal modo desumaniza que já não somos apenas consumidores, somos também consumidos. As mercadorias que me revestem e os bens simbólicos que me cercam é que determinam meu valor social. Desprovido ou despojado deles, perco o valor, condenado ao mundo ignaro da pobreza e à cultura da exclusão.

    Para o povo maori da Nova Zelândia cada coisa, e não apenas as pessoas, tem alma. Em comunidades tradicionais de África também se encontra essa interação matéria-espírito. Ora, se dizem a nós que um aborígine cultua uma árvore ou pedra, um totem ou ave, com certeza faremos um olhar de desdém. Mas quantos de nós não cultuam o próprio carro, um determinado vinho guardado na adega, uma jóia?

    Assim como um objeto se associa a seu dono nas comunidades tribais, na sociedade de consumo o mesmo ocorre sob a sofisticada égide da grife. Não se compra um vestido, compra-se um Gaultier; não se adquire um carro, e sim uma Ferrari; não se bebe um vinho, mas um Château Margaux. A roupa pode ser a mais horrorosa possível, porém se traz a assinatura de um famoso estilista a gata borralheira transforma-se em cinderela...

    Somos consumidos pelas mercadorias na medida em que essa cultura neoliberal nos faz acreditar que delas emana uma energia que nos cobre como uma bendita unção, a de que pertencemos ao mundo dos eleitos, dos ricos, do poder. Pois a avassaladora indústria do consumismo imprime aos objetos uma aura, um espírito, que nos transfigura quando neles tocamos. E se somos privados desse privilégio, o sentimento de exclusão causa frustração, depressão, infelicidade.

    Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados pela inveja alheia. Ela se torna também objeto, confundida com seus apetrechos e tudo mais que carrega nela mas não é ela: bens, cifrões, cargos etc.

    Comércio deriva de "com mercê", com troca. Hoje as relações de consumo são desprovidas de troca, impessoais, não mais mediatizadas pelas pessoas. Outrora, a quitanda, o boteco, a mercearia, criavam vínculos entre o vendedor e o comprador, e também constituíam o espaço das relações de vizinhança, como ainda ocorre na feira.

    Agora o supermercado suprime a presença humana. Lá está a gôndola abarrotada de produtos sedutoramente embalados. Ali, a frustração da falta de convívio é compensada pelo consumo supérfluo. "Nada poderia ser maior que a sedução" – diz Jean Baudrillard – "nem mesmo a ordem que a destrói." E a sedução ganha seu supremo canal na compra pela internet. Sem sair da cadeira o consumidor faz chegar à sua casa todos os produtos que deseja.

    Vou com freqüência a livrarias de shoppings. Ao passar diante das lojas e contemplar os veneráveis objetos de consumo, vendedores se acercam indagando se necessito algo. "Não, obrigado. Estou apenas fazendo um passeio socrático", respondo. Olham-me intrigados. Então explico: Sócrates era um filósofo grego que viveu séculos antes de Cristo. Também gostava de passear pelas ruas comerciais de Atenas. E, assediado por vendedores como vocês, respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz."

    Douglas_
    Veterano
    # ago/07
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    Consumo muito, logo, logo fico pobre! xD

    ROTTA
    Veterano
    # ago/07
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    Frei Beto

    Ex-companheiro do Lula. Sempre considerei um cara sério. Caiu fora do Fome Zero, onde tinha uma função de liderança, quando percebeu que era tudo fachada.

    Abraços.

    maggie
    Veterana
    # ago/07
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    Marco Alan Rotta
    Frei Beto
    Ex-companheiro do Lula. Sempre considerei um cara sério. Caiu fora do Fome Zero, onde tinha uma função de liderança, quando percebeu que era tudo fachada.

    Esse cara também foi perseguido pela Igreja Católica, não? Aquele esquema da Opus Dei...

    ROTTA
    Veterano
    # ago/07
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    maggie

    Não conheço a história dele assim tão a fundo.
    Abraços.

    maggie
    Veterana
    # ago/07
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    Marco Alan Rotta
    Não conheço a história dele assim tão a fundo.
    Por isso tu ainda respeita... hehehe

    Mas acho que não é, confundi com o Leonardo Boff.

    Frei Beto
    Leonardo Boff

    ROTTA
    Veterano
    # ago/07
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    maggie
    Por isso tu ainda respeita... hehehe

    Se bem que sendo "companheiro" daquele, coisa boa não deve ser mesmo...
    Abraços.

    maggie
    Veterana
    # ago/07
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    Marco Alan Rotta
    Se bem que sendo "companheiro" daquele, coisa boa não deve ser mesmo...
    O poder corrompe. Taí o ÔME pra provar.

    Rato
    Veterano
    # ago/07
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    Se bem que sendo "companheiro" daquele, coisa boa não deve ser mesmo...

    haha

    leia o texto guras ;)

    ele é gente boa
    ass.: rato =)

    ROTTA
    Veterano
    # ago/07
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    Rato

    No texto, ao ler: Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados

    Lembrei de uma pessoa. ;)
    Abraços.

    Rato
    Veterano
    # ago/07
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    Não importa que a pessoa seja imbecil. Revestida de objetos cobiçados, é alçada ao altar dos incensados
    haha

    Stick ;)


    o foda é q esse tipo de tópico é recorde de visitas porém um fracasso em posts haha; já q ninguém lê =/

    grafitte
    Veterano
    # ago/07
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    É, esse mundo em que vivemos é quase que descartável, ainda que sustentamos o que a gente tanto critica fielmente

    Rato
    Veterano
    # ago/07
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    É, esse mundo em que vivemos é quase que descartável, ainda que sustentamos o que a gente tanto critica fielmente

    apesar da sua fisionomia estranha, seus posts são bem sansatos guras]

    =)

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