Bruno Di Lorenzo Veterano |
# set/06
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A coisa mais sensata, a melhor descrição que eu li a respeito da atual calamidade em que nosso estado democratico de direito chegou, foi na entrevista do Marcola, lider do PCC, ao jornal O Globo.
Saco só.
Entrevista concedida ao Jornal O Globo por "Marcola"...
JG - "Você é do PCC?"
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e
invisível... vocês nunca me olharam durante décadas...
E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era
óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias...
A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma
vez alocou uma verba para nós? Nós só apareciamos nos desabamentos no
morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas
coisas...
Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de
medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou
culto... Leio Dante na prisão...
JG - Mas... a solução seria...
- Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já é
um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero
por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões
de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma
imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação,
urbanização
geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania
esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que
passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287
sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do
Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal
do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais,
estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...)
E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança
psicossocial
profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.
JG - Você não têm medo de morrer?
- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não
podem entrar e me matar... mas eu posso mandar matar vocês lá fora.... Nós
somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no
centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da
morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros
bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa
cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário,
desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja
marginal, seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca
esperavam esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li
3.000 livros e leio Dante... mas meus soldados todos são estranhas anomalias do
desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou
explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se
educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um
monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova
linguagem.
Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é.
É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. A
pós-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia,
satélites, celulares, internet , armas modernas. É a merda com chips, com
megabytes.
Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande
erro sujo.
JG - O que mudou nas periferias?
- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$40 milhões como o
Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório...
Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma
empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no
"microondas"... ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por
incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e
burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha.
Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês
vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Vocês têm mania de
humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em
superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados
pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são
regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos
globais.
Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem
Assim que passa o surto de violência.
JG - Mas o que devemos fazer?
- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem
deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de
cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não
tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país está quebrado,
sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos
públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e
o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobre a guerra". Não há perspectiva de
êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente
já tem até foguete antitanques ... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí...
Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a
gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo...
Já pensou? Ipanema radioativa?
JG - Mas... não haveria solução?
- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a
"normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma
autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na
moral... Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos deles e
vocês...não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela Olha
aqui, mano, não há solução. Sabem por quê? Porque vocês não entendem nem a
extensão do problema. Como escreveu o divino Dante:
"Lasciate ogna speranza voi che entrate !"
Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.
Jornal: O GLOBO Editoria: Segundo Caderno Tamanho: 1010 palavras
Edição: 1 -Página: 8 Coluna: Arnaldo Jabor Seção: Caderno: Segundo Caderno
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