adnz Veterano |
# ago/05
É, eu estava atrasado, passos rápidos, fones no ouvido. Cheguei em casa, bebi algo, arrumei a mochila, coloquei os fones de novo e saí. Passos rápidos: Oi! Aqui. Oi! Ali. Não me sinto bem andando, eu ando meio estranho, pra dentro, mãos nos bolsos; se elas ficam pra fora me sinto estranho; cabeça meio baixa, as vezes só olho para os lados, percebo entre um e outro que também se sentem inconfortáveis andando. É fácil perceber esse tipo de gente, olhares tímidos e cabisbaixos, andar estranho, assim como eu. Enfim, atravessei a avenida, meio pequena para uma, mas atravessei, já tinha me acostumado com a idéia de atravessar uma avenida mínima. Parei no meio dela e esperei dois ônibus passarem. Continuei a andar rapidamente, aí, sozinho eu estava, perto da parada, desceu de um dos ônibus uma senhora. Olhei, olhei e vi o que todos viam menos ela. Pensei em ajudar, mas eu estava com pressa e... Sabe-se lá por que eu não ajudei, passos rápidos, murmurrei uns xingamentos a mim mesmo pela falta de sensibilidade e compaixão, mas continuei. Percebi que eu já não via mais nada e em um mar de ódio mergulhei, afoguei. Cego, como a maioria, eu me encontrava, já tinha me perdido, uns poucos segundos antes, uns passos atrás, me perdi em escuridão.
"Atrasado! Atrasado!" Me disse, até o cachorro parecia dizer o mesmo com o olhar sério e o latido forte. Papo aqui, papo alí, explicou-me algo que eu não lembro. Estudo, arpejos, música. Tá, OK. Voltei em passos calmos, talvez entediado. Alguns dias parecem ser tão chatos, nada faz sentido, a vontade mesmo é de morrer, o problema é que já tinha acontecido. Eu estava em algum lugar pior do que eu imaginava. Não sei de nada: Calor demoníaco! Gritei, na rua mesmo, alto. Duas meninas que passavam olharam e riram um pouco, que calor. Não sei, mas cheguei em casa, liguei o computador, mochila jogada na cama, rádio ligado, porta fechada. Me desliguei do outro mundo e parei pra pensar no meu, chorei lembrando da senhora e por mim, que não a ajudou, pela minha falta de humanidade. Sabendo poder fazer algo, ignorei, como todos que olham e fingem que não existe. De modo algum faria isso, mas hoje fiz. Até pensei como seria ser como ela, mas não consegui ir em frente, deve ser muito doloroso. Lavei o rosto, liguei a TV e me distraí um pouco no computador, talvez por horas, umas duas, não vejo o tempo passar 'alí dentro'.
Na TV ligada, logo acima, ví a cena, que queria ver faz tempo, o filme interessante, a cena, na hora exata. Analisei cada detalhe, expressão, trocadilho espertos e as risadas - risadas que eram inapropriadas, que eram debochadas e infelizes. Vendo isso, concluí que eu sou um dos mais humanos por aí, os outros são outros que não fazem nada com nada. Lembrei então da senhora, que não via, que era cega, mas pensei que esses, os que riam e gozavam da desgraça alheia são piores, cegos são eles que não vêem o mundo e não buscam mais. A obscuridade em mim foi se dissipando, a neblina não, ela continou, é algo a mais, uma lição. Agora vejo claramente e observo eternamente.
É, eu estava atrasado...
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