Um mundo com menos trabalho.

    Autor Mensagem
    Die Kunst der Fuge
    Veterano
    # jun/12 · Editado por: Die Kunst der Fuge


    "A idéia de que os pobres devem ter direito ao lazer sempre chocou os ricos. Na Inglaterra do início do século XIX, a jornada de trabalho de um homem adulto tinha quinze horas de duração. Algumas crianças cumpriam, às vezes, essa jornada, e para outras a duração era de doze horas. Quando uns abelhudos intrometidos vieram afirmar que a jornada era longa demais, foi-lhes dito que o trabalho mantinha os adultos longe da bebida e as crianças afastadas do crime. Eu era ainda criança quando, pouco depois de os trabalhadores urbanos terem conquistado o direito de voto, e para a total indignação das classes superiores, os feriados públicos foram legalmente instituídos. Lembro-me de uma velha duquesa exclamando: 'O que querem os pobres com esses feriados? Eles deviam estar trabalhando.' Hoje em dia as pessoas sao menos francas, mas o sentimento persiste, e é fonte de boa parte de nossa confusão economica.

    Não pretendo insistir no fato de que, em todas as sociedades modernas, fora a URSS, muita gente consegue escapar até mesmo de um mínimo de trabalho: os que vivem de herança e os que casam por dinheiro. Eu penso que o fato de se permitir que essas pessoas sejam ociosas não é nem de longe tão nocivo quanto o fato de se exigir dos assalariados que escolham entre o sobretrabalho e a privação.

    Se o assalariado comum trabalhasse quatro horas por dia, haveria bastante para todos, e não haveria desemprego – supondo-se uma quantidade bastante modesta de bom senso organizacional. Essa idéia choca as pessoas abastadas, que estão convencidas de que os pobres não saberiam o que fazer com tanto lazer. Nos Estados Unidos, os homens costumam trabalhar longas horas, mesmo quando já desfrutam uma ótima situação, e ficam sinceramente indignados com a idéia do lazer para os trabalhadores, a não ser na forma do castigo cruel do desemprego. Na verdade, eles rejeitam o lazer até para os seus filhos. De um modo muito estranho, ao mesmo tempo que desejam que seus filhos trabalhem tanto que não tenham tempo de se civilizarem, esses homens não se importam que suas esposas e filhas não se dediquem a trabalho algum. A inutilidade esnobe, que nas sociedades aristocráticas se estende a ambos os sexos, numa plutocracia é limitada às mulheres. Isto porém não torna a inutilldade mais de acordo com o bom senso.

    O uso judicioso do lazer, devo admitir, é produto da civilização e da educação. Um homem que toda a sua vida trabalhou longas horas irá se sentir entediado se ficar ocioso de repente. Mas, sem uma quantidade adequada de lazer, a pessoa fica privada de muitas coisas boas. Não há mais nenhum motivo pelo qual a maioria da população deva sofrer tal privação, e só um ascetismo tolo faz com que continuemos a insistir no excesso de trabalho quando não há mais necessidade. Mas o que acontecerá quando se chegar à situação em que o conforto seja acessível a todos sem a necessidade de tantas horas de trabalho?

    No Ocidente, temos várias formas de lidar com esse problema. Não nos empenhamos nem um pouco na realização da justiça econômica, de modo que a maior parte do produto total fica nas mãos de uma minoria, boa parte da qual simplesmente não trabalha.

    Devido à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos. Mantemos ociosa uma parcela considerável da população trabalhadora, que se torna dispensável justamente porque se impõe o sobretrabalho à outra parcela. Quando esse método se revela inadequado, fazemos a guerra: colocamos um monte de gente para fabricar explosivos e outro tanto para explodi-los, tal como crianças que acabaram de descobrir os fogos de artifício. Combinando todos esses mecanismos, somos capazes, ainda que que com alguma dificuldade de manter viva a noção de que uma grande quantidade de trabalho manual é o quinhão inevitável do homem comum.

    Movimentar a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é, decididamente, um dos objetivos da vida humana. Se fosse, teríamos de considerar qualquer operador de britadeira superior a Shakespeare. Fomos enganados nessa questão por dois motivos. Um é a necessidade de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos a pregarem, durante milhares de anos, a dignidade do trabalho, enquanto tratavam de se manter indignos a respeito do mesmo assunto. O outro são os novos prazeres do maquinismo, que nos delicia com as espantosas transformações que podemos produzir na superfície da Terra. Nenhum desses motivos exerce um especial fascínio sobre o verdadeiro trabalhador. Se lhe perguntarmos qual é a melhor parte de sua vida, ele dificilmente responderá: 'É o trabalho manual, que sinto como a realização da mais nobre das tarefas humanas, e também porque fico feliz em pensar na capacidade que tem o homem de transformar o planeta. É verdade que meu corpo precisa de horas de descanso, que procuro preencher da melhor forma, mas meu maior prazer é ver raiar o dia para poder voltar ao trabalho, que é a fonte da minha felicidade.' Nunca ouvi nada do gênero saindo da boca de nenhum trabalhador. Eles encaram o trabalho como deve ser encarado, uma forma de ganhar a vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a felicidade que a vida lhes permite desfrutar."

    Trecho do livro "O Elogio ao ócio", de Bertrand Russell

    Dissertem.

    The Laughing Madcap
    Veterano
    # jun/12
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    O Ganso já entrou de cabeça na idéia.

    Cavaleiro
    Veterano
    # jun/12
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    Entrei pra falar mal do Welfare e me deparei com uma muralha intransponível de palavras no tópico para um horário tão próximo do almoço.

    Só mais tarde.

    /tl;dr temporário.

    Die Kunst der Fuge
    Veterano
    # jun/12
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    Cavaleiro

    sauhsausahusahusahsau

    The Laughing Madcap
    Veterano
    # jun/12 · Editado por: The Laughing Madcap
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    tags: taxa de exploração, mais-valia relativa, mais-valia absoluta


    Cavaleiro

    entrei para fazer um elogio ao ócio, mas o ócio está me vencendo nesta hora tão próxima ao almoço.

    snowwhite
    Veterano
    # jun/12
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    Na Inglaterra do início do século XIX, a jornada de trabalho de um homem adulto tinha quinze horas de duração.

    Meu marido ainda vive na Inglaterra do início do século XIX. Eu também já vivi. E conheço muita gente que vive assim.

    Die Kunst der Fuge
    Veterano
    # jun/12 · Editado por: Die Kunst der Fuge
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    snowwhite

    E qual sua opinião sobre viver assim?

    Meu filho ouvirá Classic Rock
    Veterano
    # jun/12
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    Sou a favor de ganhar na Mega da virada e esquecer trabalho pra sempre!

    The Laughing Madcap
    Veterano
    # jun/12 · Editado por: The Laughing Madcap
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    Meu marido ainda vive na Inglaterra do início do século XIX. Eu também já vivi. E conheço muita gente que vive assim.

    aposente-se.

    meu pai ficou uns anos nessa, fez a malinha de dinheiro, aposentou quando eu saí de casa e agora só brinca por aí.

    ele sempre me disse: dinheiro é uma merda, mas compra sua alforria das forças opressoras do grande capital.

    snowwhite
    Veterano
    # jun/12
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    Die Kunst der Fuge
    E qual sua opinião sobre viver assim?

    Eu acho absurdo. Acho que deve-se trabalhar para perceber o suficiente para viver confortavelmente e fazer uma boa poupança. Mas ele está numa fase em que está investindo numa fase futura. Dá aulas na universidade à noite a aos sábados para ter uma carreira como professor quando se aposentar do trabalho como executivo. É um sacrifício que ele julga necessário.
    E num futuro bem próximo é capaz que eu entre neste ritmo tb, porque estou procurando sarna pra me coçar num negócio próprio.

    snowwhite
    Veterano
    # jun/12
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    The Laughing Madcap
    aposente-se.

    meu pai ficou uns anos nessa, fez a malinha de dinheiro, aposentou quando eu saí de casa e agora só brinca por aí.

    ele sempre me disse: dinheiro é uma merda, mas compra sua alforria das forças opressoras do grande capital.


    Ainda não está bem na hora. Tem menos de 50 anos. Falta um bocado ainda.

    The Laughing Madcap
    Veterano
    # jun/12
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    Dá aulas na universidade à noite a aos sábados para ter uma carreira como professor quando se aposentar do trabalho como executivo.

    dar aulas é sempre uma boa opção.

    pode ver que quando ele se aposentar do trabalho e só lecionar, ele vai ficar umas mil vezes 'mais vivo'.

    nada rejuvensce e faz tão bem quanto um ambiente universitário repleto de jovens.




    só cuidado com as minas que vão pegar DP, fica de olho.

    Viciado em Guarana
    Veterano
    # jun/12
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    Só li até o terceiro parágrafo.

    Eu sou diferente, quero ter muito dinheiro sem precisar trabalhar duro.

    -Dan
    Veterano
    # jun/12
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    Talvez com a reforma trabalhista e tributária em 2145 a parte coerente dessa idéia possa ser aplicada por aqui.

    snowwhite
    Veterano
    # jun/12
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    The Laughing Madcap
    dar aulas é sempre uma boa opção.

    pode ver que quando ele se aposentar do trabalho e só lecionar, ele vai ficar umas mil vezes 'mais vivo'.

    nada rejuvensce e faz tão bem quanto um ambiente universitário repleto de jovens.


    Sim, ele gosta, embora dê um trabalho enorme fazer aulas, corrigir trabalhos e provas e tudo o que é preciso estar sempre lendo. Ele também é orientador e tem aqueles TCCs enormes pra ler e corrigir.

    só cuidado com as minas que vão pegar DP, fica de olho.

    Ele faz o possível pra não deixar ninguém em dp, nem mina nem mano. hahah

    -Dan
    Veterano
    # jun/12 · Editado por: -Dan
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    snowwhite
    Eu acho absurdo. Acho que deve-se trabalhar para perceber o suficiente para viver confortavelmente e fazer uma boa poupança. Mas ele está numa fase em que está investindo numa fase futura. Dá aulas na universidade à noite a aos sábados para ter uma carreira como professor quando se aposentar do trabalho como executivo. É um sacrifício que ele julga necessário.
    E num futuro bem próximo é capaz que eu entre neste ritmo tb, porque estou procurando sarna pra me coçar num negócio próprio.


    Depende de como ele encara o trabalho. Tem quem ame dar aulas e sinta quase como uma opção de lazer remunerado. Esse é o canal!

    Agora se matar odiando o que faz para daqui a 35 anos ter uma velhice confortável, hummm, um caso a se ponderar.

    snowwhite
    Veterano
    # jun/12
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    -Dan
    Depende de como ele encara o trabalho. Tem quem ame dar aulas e sinta quase como uma opção de lazer remunerado. Esse é o canal!

    Agora se matar odiando o que faz para daqui a 35 anos ter uma velhice confortável, hummm, um caso a se ponderar.


    Olha, chega uma hora que o cara cansa mesmo de trabalhar, sabe? Ele tá cansado. Mas gosta de dar aula. Então escolheu isto para quando deixar de ser executivo. Acho que vai ser legal pra ele. Tipo dar aulas, palestras, escrever artigos etc

    snowwhite
    Veterano
    # jun/12 · Editado por: snowwhite
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    duplo

    tambourine man
    Veterano
    # jun/12
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    Die Kunst der Fuge
    Trecho do livro "O Elogio ao ócio", de Bertrand Russell

    plágio do manifesto escrito por Paul Lafargue em 1.883, “O direito à preguiça”.

    Devido à total ausência de controle central sobre a produção,

    Devil boy tem um AVC

    amador_ssa
    Veterano
    # jun/12
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    Um mundo com menos trabalho.

    Die Kunst der Fuge

    Po cara, na boa, como podemos discutir um mundo com menos trabalho num topico com um post gigantesco??

    Não vou ler, não é pessoal, é pela causa de um mundo com menos trabalho brother hehe

    The Laughing Madcap
    Veterano
    # jun/12
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    manifesto escrito por Paul Lafargue em 1.883, “O direito à preguiça”.

    curiosamente, ele e sua esposa (filha do Marx) se mataram quando viram que nada mais poderiam contribuir ao movimento, ou seja, ficariam no ócio.

    Atom Heart Mother
    Veterano
    # jun/12
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    não gosto de trabalhar.

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