Como vocês lidam com a relação sonoridade/modal?

    Autor Mensagem
    Zwipek
    Membro Novato
    # mai/20 · Editado por: Zwipek


    Pessoal, uma questão que sempre cultivei em meu imaginário foi a forma com que os músicos navegam entre os modos e sonoridades sem ligar para a teoria que embasa a prática.

    Por exemplo, se exploramos a sonoridade dórica, para grande parcela dos guitarristas estaremos basicamente focando em uma escala específica.

    Mas se estamos no grau I do campo harmônico dórico, estamos de fato explorando a sonoridade dórica. No entanto, se partimos para o grau IV, e permanecermos com a mesmíssima escala em execução, já teremos a sonoridade mixolídia?

    Se isso estiver mesmo correto, essa descontextualização que tem efeito positivo de forma didática não comprometeria o entendimento sobre as sonoridades?

    É claro que quando abordando um ritmo sincopado de Jazz/Bossa, dificilmente despertaremos uma sonoridade de baião somente por alterar o grau na harmonia, mas ainda que se respeite o estilo e ritmo específico, ainda assim teremos uma alteração modal, não?

    Analisando friamente, uma música então não tem tom. Está tudo aberto no jogo musical e estamos nos prendendo de propósito?

    Não seria o ensino básico de música defasado e limitante na sua opinião?

    LeandroP
    Moderador
    # mai/20
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    Zwipek
    Mas se estamos no grau I do campo harmônico dórico, estamos de fato explorando a sonoridade dórica. No entanto, se partimos para o grau IV, e permanecermos com a mesmíssima escala em execução, já teremos a sonoridade mixolídia?

    Ao mudar pro acorde do IVº grau, você muda também o centro modal. Agora, se tocar o dórico do IVº ele deve soar blues. Por exemplo, se estiver falando em Dm dórico e salta pro IVº grau, que é o G7, se você tocar G dórico, deve soar blues. Se manter o D dórico, o G7 deve soar como um mixolídio tradicional G7(9). Se não acentuar a nota caracterítica do D dórico sobre o IVº grau, ele deve soar como um dominante suspenso pela 4a.

    Zwipek
    Membro Novato
    # mai/20
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    Sim, e sua própria explicação corrobora, de certa forma, o que mencionei originalmente: existe uma simplificação do ensino da música que não é necessariamente benéfico para os músicos.

    E o impacto disso não se restringe somente aos aspirantes que aprendem os rudimentos de qualquer instrumento, mas sim até músicos que faturam pesado com a música e que seguem tendo um entendimento muito básico do que estão fazendo.

    A atitude é importante, mas ignorar o conhecimento desrespeita o processo. Estou sendo severo, mas a verdade é que isso separa o joio do trigo. Por isso Beethoven é Beethoven, Chopin é Chopin, Miles é Miles, Hancock é Hancock, e assim por diante.

    GabrielFerreiraBlues
    Membro Novato
    # mai/20 · Editado por: GabrielFerreiraBlues
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    existe uma simplificação do ensino da música que não é necessariamente benéfico para os músicos.


    Incrivelmente isso existe em todo tipo de ensino e nao apenas na musica (vide aulas de historia que voce aprende uma coisa na terceira serie e outra no terceiro ano, ou as de matematica quando voce descobre uma ou outra coisa sobre conjuntos numericos estudando pro vestibular)

    E o impacto disso não se restringe somente aos aspirantes que aprendem os rudimentos de qualquer instrumento, mas sim até músicos que faturam pesado com a música e que seguem tendo um entendimento muito básico do que estão fazendo.

    No caso da arte é diferente, não tem muito segredo no pop ou funk e muita gente ganha muito com isso, da mesma forma que tem muita teoria no jazz e eu pelo menos não conheço nenhum local que toque isso na minha cidade sem ser uma entidade de ensino.



    A atitude é importante, mas ignorar o conhecimento desrespeita o processo. Estou sendo severo, mas a verdade é que isso separa o joio do trigo. Por isso Beethoven é Beethoven, Chopin é Chopin, Miles é Miles, Hancock é Hancock, e assim por diante.


    Sim, porém em alguns desses casos o artista só teve a devida importância depois que o neto do ultimo verme que comeu seu cadaver ja tinha morrido (poético não?) e muitos desses artistas são conhecidos apenas no nome e não na obra, outros até pouco no nome, eu por exemplo sou uma das poucas pessoas que conheço que para pra ouvir miles davis e bethoven, a maioria so pensa neles como musica de elevador e sinfonia do comercial (o que é um desperdicio)

    A questão é: a educação é modular, quem esta disposta a aprender o mixolidio como "locais onde apertar no braço" esta num modulo, quem esta disposto a estudar tensões, sonoridades, e como escalas com as mesmas notas soam diferentes você ja esta em outro modulo, se eu misturar modulos eu acabo espantando os alunos mais novos e entediando os mais velhos

    edit: esqueci de dar asresposta mais objetivas:

    1) Da mesma forma como os modos gregos poderiam ser considerados "grandes estudos de uma grande escala" uma vez que apenas pegamos a "formula da escala maior" e vamos transpondo

    2) ai entra o que escrevi acima

    3) quando falamos de ritmos musicais, além da escala e do tempo podemos falar de como os instrumentos se relacionam na execução etc. e inclusive: o que define o jazz? temos varios subgrupos, os mais simplistas, os mais complexos etc. Lembre-se de que os solos de uma nota só do beebop e giant steps são jazz.

    4) A musica é uma arte, da mesma forma que pessoas chama uma casca de mação de arte... A musica pode ter a face que for, inclusive ela é cheia de receitas e tambem nao tem nenhuma receita

    LeandroP
    Moderador
    # mai/20
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    Zwipek
    Sim, e sua própria explicação corrobora, de certa forma, o que mencionei originalmente: existe uma simplificação do ensino da música que não é necessariamente benéfico para os músicos.


    Então, sou músico autodidata. Durante muitos anos o meu envolvimento com o instrumento era intuitivo. Entre dezenas de ideias ruins, haviam algumas ideias boas, só que eu não fazia a menor ideia de como e quando aplicar. Depois de muito tempo de leitura de teoria elementar, ainda não enxergava com clareza as intenções desta ou daquela escala, mas percebia uma sonoridade característica - os modos. Eu ainda gosto de ver as coisas da forma como aprendi inicialmente, com as formas, com geometria e as vozes (sonoridade) desses formatos. Aos ouvidos de muitas pessoas, o que eu toco na guitarra/violão pode soar medíocre, mas, fico feliz em encontrar liberdade de improvisar e trazer alguma intenção modal ao que estou fazendo - Are You Experienced. Poderia experimentar coisas como um Ab dórico sobre um acorde Dm dórico. Não sei qual o sentido real disso, deixo a cargo do momento e depois tento entender o porquê das coisas. Eu não sei aonde você quer chegar exatamente com o tópico. Contudo, eu compreendo que são ferramentas que o músico pode utilizar da forma que for conveniente às suas emoções. Você pode usar um martelo pra bater pregos, ou pra destruir coisas (numa analogia boba). E eu acho que a maior dificuldade de quem leciona música é conseguir compreender como o seu aluno recebe e percebe essas informações [tipo Paulo Freire rs]. E imagino que a ideia seja aprimorar todo esse processo pedagógico.

    Schelb
    Veterano
    # mai/20 · Editado por: Schelb
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    Acho que tem mais de uma forma realmente de abordar esse tema, mas vou falar como eu vejo..
    Pra mim, quando você diz que está tocando em um tom, você está indicando qual é o centro da sua música, o ponto pra onde a harmonia converge, tende a retornar; e o resto da música geralmente soa em referência a esse centro. Então se você pensar em uma música em Dó maior e você toca um Dm, continuando a usar as notas da escala de Dó Jônico, você acaba usando uma escala de Ré Dórico, mas a música não tem uma intenção dórica porque você sente o centro tonal em Dó. As ênfases são diferentes e você sente a melodia de forma diferente de que se a música fosse de fato em Ré Dórico. Na verdade, o Ré nesse caso até é Dórico, mas com uma intenção fraca.
    No seu exemplo lá, de uma música em tem o primeiro grau Dórico, e você vai para o IV grau, você de fato esta usando a escala mixolídia, mas não vai soar como uma música que tenha o primeiro grau em mixolídio, inclusive, vai soar diferente de que numa música em que esse mesmo acorde mixolídio fosse o quinto grau, ou qualquer outro grau. Por outro lado, pensar mixolídio em cima desse IV grau pode ajudar a visualizar os intervalos, a focar nas notas certas, então é ima opção válida e importante.
    Então, resumindo, os acordes e as escalas soam conforme o contexto em que são usados e a intenção. E de toda forma, vale a pena estudar a música tanto tonal quanto modal e unir os conhecimentos da melhor forma.

    Outra coisa que eu queria comentar é sobre a teoria musical parecer restringir a prática da música. Assim, a teoria musical não é uma regra de como a música deve ser tocada, na verdade, ela tenta explicar a música, ajudar a entender o porque das coisas funcionarem como funcionam. Entender o porque que uma coisa soa mais feliz e outra triste, uma tranquila e a outra tensa e por aí vai. Daí nesse sentido, ela geralmente serve de guia pra você chegar em certas sonoridades que já foram estudadas.
    Então, quando uma pessoa está começando na música e não tem tanta percepção e intuição musical pra tocar, é melhor ela ficar dentro doq sabe de teoria, respeitando as escalas e tal. Quando você já tem uma boa musicalidade, percepção, intuição, você pode ir além doq conhece na teoria e criar coisas legais. Mas muitas vezes há alguma teoria que explique aquilo também. Outra coisa: é muito mais fácil quando você sabe a escala, intervalo ou o acorde que represente a ideia que você quer passar e só precisa aplicar aquilo pra chegar no resultado.

    Tenho um exemplo meu no estudo da teoria que foi o seguinte: ano passado eu queria fazer um dedilhado pra improvisar encima com o pedal de loop. Daí fiz uma cadência usando um cromatismo decrescente no baixo e fui achando que acordes cabiam pra cada nota do baixo. No caso era Dm7 Dm7/C Bm7(b5) Bbm6. Enfim, cheguei numa cadência que achei bonita mas não sabia o porque que ela funcionava tão bem. Até entendia que usava acordes de empréstimo modal (mas com uma compreensão limitada), mas o último acorde simplesmente não me fazia sentido, porque pensando no conceito de empréstimo modal eu não conseguia encontrar um modo que gerasse aquele acorde ... por outro lado ele parecia preparar pra voltar pro Dm mas não era o V grau ... então eu fiquei bem confuso com ele. Enfim, brinquei um pouco improvisando por acorde, fui testando o que dava certo naquele Bbm6, sem entender muito bem, anotei a cadência no meu caderno e deixei pra lá. Daí esses dias estava tirando uma música e achei a mesmíssima cadência! Voltei la no meu caderno pra conferir e era mesmo. Só que como eu tinha estudado muita coisa desde o ano passado, agora eu entendi a análise daquilo e eu sabia o porque que funcionava. Daí ainda fui ver que eu conhecia uma outra música com uma cadência parecida e sabia que a ideia era a mesma e assim agora sei aplicar o conceito ou mesmo improvisar encima dele. Pra constar, cheguei na conclusão de que aquele Bbm6 na verdade seria um A7(b13)/Bb, ou seja, um dominante alterado com o baixo na segunda menor (mas ainda não encontrei ninguém pra confirmar essa teoria) e conclui que a melhor escala pra se usar nele seria de Lá alterado (Bb Menor Melódica). Enfim, esse exemplo serve de como eu acho que a gente tem q se relacionar com a teoria: saindo dela quando acha que tem q sair e depois procurando entender o porque de ter dado certo.

    Zwipek
    Membro Novato
    # mai/20
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    Realmente a música é muito abrangente, desde os clichês de aprendizado que são funcionais e simplificam processos até a complexidade propriamente dita que leva à resultados diversos e as vezes inesperados.

    Eu acho que os clichês, embora desgastados, funcionam. Sobretudo na música mais popular. Mas acho também que o foco da música depois do século XX foi muito maior em questões de produção e busca por timbres. Os instrumentos elétricos e as possibilidades eletrônicas e digitais ampliaram a gama de timbres.

    Mas a exploração da teoria e técnica se restringiu a alguns meios. De certa forma isso sempre aconteceu. O músico da era medieval que tocava seu bandolim nas ruas não tinha acesso ao conhecimento científico que permitiria uma exploração mais competente do seu instrumento. Era também limitado seu acesso a instrumentos de orquestra e a composição também era para poucos.

    Porém justamente em uma época em que temos todo tipo de recursos disponíveis, a questão da simplificação continua sendo o modelo vigente de atração das massas.

    A música compreende muita coisa. Desde o Bob Dylan tocando feijão com arroz no violão mas produzindo letras fantásticas até o Arvo Part fazendo todo tipo de experimento minimalista.

    Nos atendo apenas ao universo da guitarra, temos talvez a maior quantidade de músicos explorando não somente as possibilidades de timbres e sonoridades como também as questões teóricas.

    O assunto é fantástico e nos motiva ao entendimento mais profundo do que é a música e seus variados impactos. A opinião de vocês que participaram do tópico acende discussões muito interessantes.

    E tudo nos leva a crer que de fato as possibilidades são infinitas e não há "resolução" que termine com o debate.

    Schelb
    Veterano
    # jun/20 · Editado por: Schelb
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    Essa questão da forma que a música é ensinada me lembra o exemplo da minha mãe, que fez vários anos de piano na infância e adolescência e só aprendeu a reproduzir a música, nunca foi ensinada a como dominar a música, como entender e criar. Esse dias conversei com uma colega que fez muitos anos de conservatório na infância e adolescência também, toca 3 instrumentos, mas não tem muito domínio da música de fato. Então realmente né .. é um modelo que não favorece, assim como acontece nas escolas comuns. Fora a dificuldade de acesso, o custo de uma aula particular, o pouco valor ao ensino de música que só aparece parcamente em escolas particulares. Muita gente acaba aprendendo é sozinho né..

    Mas me ocorrem também outras questões sobre isso. Eu mesmo por exemplo, quando aprendia guitarra la na minha adolescência, não via os professores muito preocupados em ensinar mesmo a teoria, mas ao mesmo tempo os alunos também não queriam muito esse aprofundamento porque estávamos mais preocupados com a técnica e os solos foderosos.
    Então assim, fora essa questão da educação e da precaridade da educação no país e a desvalorização das artes, acho que essa simplificação vem muito também da dificuldade das pessoas em entenderem o conteúdo sabe, seja dos alunos ou dos professores. De uma dificuldade que não é só na música, mas me parece uma preguiça geral de pensar e dedicar tempo, busca de coisas mais fáceis. Talvez tenha um pouco a ver também com os exemplos que se tem na música né, eu mesmo aprendi guitarra focando em tocar metal, que é um gênero que não foca tanto nesse aprofundamento teórico. Se eu tivesse me focado em música popular brasileira talvez tivesse sido diferente meu caminho.

    Mas hoje acho que temos uma grande ferramenta aí que é a internet e tem vários canais excelentes no youtube pra aprender teoria musical, fora os videocursos pagos que também são acessíveis. Você vai pesquisando e vai achando. Mas é um estudo difícil, é demorado, tem muito o que memorizar, praticar, aplicar ... fora que você demora pra dominar certos conceitos e as vezes o palavriado parece chinês à primeira vista, então tem q ter muita determinação e investimento de tempo.

    P.S.: Pode ter parecido que dei pouca importância pra questão da educação, então deixa eu me corrigir: eu acho que essa dificuldade tanto dos professores quanto dos alunos e a falta de disciplina com o aprendizado é um reflexo direto do nosso formato de educação e cultura que não pretende de fato universalizar o acesso ao conhecimento. Inclusive, o modelo de ensino de música é muito derivado do ensino católico, de quando a igreja detinha o conhecimento da música e queria controlar quem e como se fazia música. Fecha o parênteses aqui.

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