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Forma-Sonata
por Adriano Brandão, em 21/02/2004,
atualizado em 18/08/2004
Não há dúvida: a forma-sonata é o esquema formal mais importante da história da música. Nenhuma outra forma foi tão usada, tão estudada, tão valorizada, e, ao mesmo tempo, tão debatida, tão controversa e tão modificada pelos compositores. É o típico exemplo de uma arte viva, que se transforma no tempo.
Vale a pena ressaltar que estamos nos referindo ao modelo formal usado nos primeiros movimentos de uma sonata, sinfonia, concerto, quarteto, etc.
HISTÓRICO
A forma-sonata surgiu no início do Classicismo, em meados do século XVIII. Embora não se saiba quem foi seu criador, ela deve muito de sua existência a um dos filhos de Bach, Carl Philipp Emanuel. Ele foi um dos primeiros a adotá-la em seus concertos, sonatas e sinfonias, e praticamente definiu a forma.
No Barroco, o termo "sonata" era usado para definir qualquer gênero puramente instrumental - assim como "cantata" era um gênero vocal. As sonatas de Scarlatti, por exemplo, eram compostas no esquema A-B.
A C.P.E. Bach seguiram-se Haydn e Mozart, que ampliaram a forma e a consolidaram definitivamente. A partir deles, a forma-sonata tornou-se o molde habitual para os primeiros movimentos de sinfonias, concertos, quartetos e, claro, sonatas.
VISÃO GERAL
A forma-sonata pode ser esquematizada como qualquer forma ternária, A-B-A, como um scherzo, por exemplo. Porém, ficou mais usual anotar a sonata como exposição-desenvolvimento-reexposição. Pelo menos três temas são trabalhados nas seções, a, b e c, como no esquema abaixo:
exposição desenvolvimento reexposição
a b c a+b+c a b c
tônica dominante tons distantes tônica
Muitas vezes, os compositores acrescentam uma introdução lenta antes da exposição e uma coda apoteótica após a reexposição. Mas isso não chega a alterar a essência da forma-sonata, já que geralmente esses anexos independem dos temas principais do movimento.
A forma-sonata se inicia com a exposição, onde, como o próprio nome indica, são apresentados os temas; no desenvolvimento, eles são transformados, tratados de maneiras diferentes; e, na reexposição, o material temático retorna à sua forma original, embora nem sempre isso signifique um retorno literal.
Em muitas obras, há sinais de repetição das partes. A repetição mais comum é a da exposição, usada como uma maneira de fixar melhor os temas na memória do ouvinte. Outra repetição já um pouco mais rara é retornar ao início do desenvolvimento logo após o final da reexposição. Muitos músicos e maestros se recusam a fazer estas repetições desnecessárias, outros já consideram imprescindíveis. Vá se acostumando...
Vamos ver cada uma das partes do melhor jeito possível: ouvindo música. O exemplo escolhido para ilustrar a forma-sonata foi o primeiro movimento da Sinfonia Clássica Op. 25, de Prokofiev. Apesar de ser uma obra do ínicio do século XX, volta e meia ela é usada como modelo da forma, que é seguida à risca. Prokofiev escreveu essa sinfonia pensando em como Haydn faria se estivesse vivo. O resultado é mais do que um pastiche, é uma homenagem ao classicismo vienense - e, por tabela, à forma-sonata.
EXPOSIÇÃO
Na exposição, como já vimos, são apresentados, um a um, os temas do movimento. Dada a importância, vamos apresentar cada uma de suas partes. Tente memorizar os temas; é com eles que o compositor trabalha todo o tempo.
introdução
Este Allegro não começa propriamente no primeiro tema. Há antes uma espécie de introdução, como se Prokofiev quisesse avisar que a música começou.
primeiro tema
Agora sim, o primeiro tema! Repare no seu caráter relativamente tenso, e no ritmo rápido com que as cordas o executam. Para facilitar a memorização, ele é repetido em seguida, o que também acontece com os temas seguintes, na exposição.
segundo tema
O segundo tema vem em seguida e é na verdade uma extensão do primeiro, mas as madeiras o desenvolvem de maneira menos brusca. No final, há uma pequena ponte para o surgimento do...
terceiro tema
...terceiro tema, mais relaxado, e mais humorístico também, fazendo um forte contraste com o primeiro. Os temas contrastantes é característica da exposição da forma-sonata tradicional. Note a aceleração que ocorre no final.
coda
É o encerramento da exposição, fortemente marcado. Em sinfonias clássicas (ou "pastiches", como neste caso), todas as seções têm finais marcados. Mais adiante, as divisões tornam-se menos distintas no fluxo musical.
Pronto. A exposição cumpriu seu papel: apresentou todos os temas, contrastantes, duas vezes. Veja - ouça - como ficou a exposição completa.
DESENVOLVIMENTO
No desenvolvimento, o compositor pode dar asas à sua imaginação. Ele vai pegar os temas apresentados na exposição e retrabalhá-los, modulando-os (mudando de tonalidade), alterando ritmos, variando, enfim. Daí a importância da exposição: ela tem que ser bem feita, para dar origem a um desenvolvimento interessante.
Tornou-se tradicional fazer um desenvolvimento tenso, dramático. Isso causa grande efeito, e faz com que a reexposição surja com toda a força possível, como uma volta ao lar depois de uma viagem turbulenta.
Não é necessário fracionar o desenvolvimento do exemplo que estamos estudando. Aqui, ele segue a ordem da exposição, e é fácil distinguir os temas, portanto não será complicado perceber a estrutura.
desenvolvimento
Ele inicia diretamente no primeiro tema, omitindo a introdução. Note que estamos em outra tonalidade - soa diferente! Ao contrário da exposição, aqui o tema não é repetido. Logo em seguida, o segundo tema, duas vezes: na primeira, é uma repetição quase literal da exposição; na segunda, Prokofiev prepara um clima mais tenso que culmina com a aparição do terceiro tema, antes humorístico, agora dramático. Esse é o clímax do movimento, que leva à coda, mais marcada ainda que a da exposição.
REEXPOSIÇÃO
Após as tempestades do desenvolvimento, casa! A reexposição, nos primeiros tempos da forma-sonata, era uma repetição exata da exposição. Porém, Mozart mudou o esquema, alterando a reexposição, como se após discutirem, os temas chegassem a uma conclusão, um pouco diferente da idéia que tinham no início.
Como seria de esperar, não é necessário fracionar nosso exemplo de reexposição. Ele é bem próximo da exposição, com uma ou duas mudancinhas.
reexposição
Omitida no desenvolvimento, a introdução volta na reexposição, e, em seguida, vem o primeiro tema. Porém, ele não se repete. O segundo tema sim, mas não é nem de longe uma repetição literal: como no desenvolvimento, a segunda repetição é variada, e apresenta uma idéia nova, que é quase uma conseqüência natural do tema. O terceiro tema, por sua vez, surge sem alteração, e assim chegamos à coda, levemente alterada para chamar um gran finale, inesperado: a reaparição da introdução, que iniciou o movimento, é chamada para terminá-lo, com todos os fogos de artifício a que tem direito.
Ah! Quer saber como tudo isso soa reunido? Escute o primeiro movimento completo da Sinfonia Clássica Op. 25, de Prokofiev, então.
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