A natureza dos impasses na política

    Autor Mensagem
    Wanton
    Veterano
    # 19/out/22 17:14 · Editado por: Wanton


    Estou propondo um tópico um pouco mais lúcido do que o de costume, sem o intuito de provocar reações exaltadas ou ridicularizar posições divergentes – não sei o quando isso pode durar, mas não sou muito otimista. Bom, vamos ao que importa.

    Se existem posições tão divergentes na política, é porque existem impasses. Impasses estão no fim do curso de qualquer negociação. A natureza desses impasses, contudo, é diversa.

    Há impasses legítimos, que partem de diferenças de cosmovisão, e há impasses teimosos, que partem de equívocos conceituais, da incapacidade de compreensão ou da má fé do interlocutor – muitas vezes, tudo isso combinado.

    Como vocês devem imaginar, isso que estou chamando de impasse teimoso é algo muito mais frequente do que o impasse legítimo. Para chegarmos a um impasse legítimo, seria preciso compreender a fundo a posição do interlocutor e pouca gente tem disposição, honestidade e até mesmo competência para fazer isso.

    Os impasses teimosos não se resolvem, entre outros motivos, por não estarem fundados em bases compreendidas pelo próprio dono da crença. Há uma crença de apego, justificada pelo sentimento de que ela é correta, e não há qualquer disposição para colocá-la em dúvida.

    Um impasse legítimo (fico tentado a chamar de impasse ontológico) se dá naquilo que é fundamental às crenças do indivíduo, tendo ele o direito incontestável de sustentar sua posição.

    Alguém se arrisca?

    Lelo Mig
    Membro
    # 19/out/22 18:32 · Editado por: Lelo Mig
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    Wanton

    "Alguém se arrisca?"

    Me arrisco. Mas é tema difícil, árduo, chato e meio inútil. Inútil porque quem pensa diferente de mim, pensa e pronto, tá nem aí pra minha opinião e quer que eu me foda.

    Primeiro é preciso entender que há uma diversidade cognitiva; ela tem muito a ver com a roleta evolutiva (manter diferenças para não colocar todos os ovos na mesma cesta) e está relacionada à personalidade dos indivíduos, já que cada um tem uma maneira de reunir e processar informações, de tomar decisões e de comunicar.

    Muito do que você chama de "impasse teimoso" também é relativo. Isso pressupõe que um lado esteja errado e outro certo, quando os dois podem estar errados e simultaneamente teimosos.

    É observável aqui, no dia à dia, nem precisa sair deste ambiente. 90% não está preocupado em contra-argumentar sua opinião, de dizer: "olha, discordo de você por isso e por aquilo outro.". Isso quase nunca ocorre, a intenção nunca é entender ou avaliar o porquê de uma opinião divergente, pelo contrário, a ideia é desqualificar o outro, mostrar o quanto estamos certos e o outro errado.

    Quase toda proposta de dissertação sobre determinado assunto descamba para tentativa de desqualificar alguém. Há muitas certezas e pouca disposição para com o outro.

    "tendo ele o direito incontestável de sustentar sua posição."

    Teria, em tese, se tivesse disposição para ser contestado ou admitir que existem outras posições que não as suas. Como isso quase nunca ocorre... a discussão acaba sempre, como disse acima, inútil.

    Acho que desviei um pouco do eixo central, enfim...

    makumbator
    Moderador
    # 19/out/22 18:33
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    Wanton
    não sei o quando isso pode durar, mas não sou muito otimista. Bom, vamos ao que importa.

    Prometo não trollar nesse tópico. Mas SÓ nesse, ok?

    O problema é que o que vc chama de impasse ilegítimo, para outra pessoa é o que vc considera como impasse legítimo.

    Acho que já tem um impasse logo aí. Outro ponto é a confiança que a outra pessoa precisa dispor a outros (sejam pessoas, instituições, fontes quaisquer, etc...) para aceitar que argumentos contrários à sua visão não sejam na verdade maliciosamente falsificados ou adulterados apenas para fazê-la mudar de ideia.

    Pedro_Borges
    Veterano
    # 19/out/22 18:45
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    Si hay gobierno, soy contra

    Wanton
    Veterano
    # 19/out/22 19:33 · Editado por: Wanton
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    Lelo Mig
    quando os dois podem estar errados e simultaneamente teimosos.

    Sim! Também é bem comum.


    Há muitas certezas e pouca disposição para com o outro.

    Já postei o link do princípio da caridade algumas vezes nesse fórum. É essencial.


    Teria, em tese, se tivesse disposição para ser contestado ou admitir que existem outras posições que não as suas.

    Um exemplo de impasse legítimo é o impasse fundado na fé. Você não me vê tretando com o Jonas Kahnwald em relação à opção dele de não participar da política, porque isso se funda em algo que não estou apto a questionar.


    makumbator

    O problema é que o que vc chama de impasse ilegítimo, para outra pessoa é o que vc considera como impasse legítimo.

    Mas a legitimidade do impasse não está no juízo do interlocutor, está na qualidade dos argumentos apresentados, seja pelo teor das premissas (erro factual) ou pela consistência lógica do argumento (erro formal).

    Drinho
    Veterano
    # 19/out/22 19:41
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    Estou propondo um tópico um pouco mais lúcido do que o de costume, sem o intuito de provocar reações exaltadas ou ridicularizar posições divergentes

    19/10, o dia em que Wanton encerra as atividades do off topic.

    Mas falando sério, acho que ele está coberto de razão, tenho vários posicionamentos falsos, contra o que acredito só para chatear a militância progressista que tanto me irrita.

    ProgVacas
    Membro Novato
    # 19/out/22 21:04
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    Drinho

    Cara, não cola. Você é isso aí mesmo.

    Wanton
    Veterano
    # 19/out/22 21:44 · Editado por: Wanton
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    Drinho
    tenho vários posicionamentos falsos

    Não temos o hábito de examinar nossos posicionamentos. Às vezes, mantemos uma postura só para irritar, mesmo. Mas tem muita coisa que a gente acha que sabe, só que nunca parou para pensar o quanto a gente realmente sabe. Tem coisa que a gente só descobre que não sabe quando é confrontado.

    Wild Bill Hickok
    Membro Novato
    # 19/out/22 21:55 · Editado por: Wild Bill Hickok
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    Política é um fenomeno de massa, então tudo é questão de propaganda (no sentido de marketing mesmo) e narrativa. A parte que importa fica na área acadêmica

    Pedro_Borges
    Veterano
    # 19/out/22 23:40
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    ProgVacas
    Cara, não cola. Você é isso aí mesmo.

    PV, relaxa, este tópico que o Wanton criou é legal, para postar um texto legal. Eu ainda não contribuí porque estou elaborando mentalmente uma boa fala sobre o tema. Escreve um também, com imparcialidade.

    Drinho
    Veterano
    # 20/out/22 04:05 · Editado por: Drinho
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    Mas tem muita coisa que a gente acha que sabe, só que nunca parou para pensar o quanto a gente realmente sabe.

    Não acho que isso seja importante em ambiente democrático para discutirmos, creio que seja importante para o indivíduo em sí e apenas isso. Podemos ver a diversidade de níveis de saber na própria urna, ou mesmo nos parlamentos por aí…

    Por exemplo, as pessoas com maior escolaridade e não acho que erramos ao dizer que em geral devem ser pessoas com um maior nível de saber pela sua formação, me corrija se eu estiver errado, são pessoas que votariam pior do que pessoas sem formação nenhuma na eleição presidencial.

    https://m.folha.uol.com.br/poder/2017/04/1879995-bolsonaro-tem-melhor- resultado-no-datafolha-entre-ricos-e-escolarizados.shtml

    Eu vi algo tipo isso, porém para este ano na globo news, salvo engano, sugerindo que Lula ganha entre as pessoas com menor formação e Bolsonaro entre as pessoas com maior formação.

    Partindo do princípio que Bolsonaro seria um voto pior, não faria sentido reduzirmos o processo democrático de opinar e escolher ao nível do saber de um indivíduo e ignorarmos o outro.

    Acho que temos uma boa ideia de quais áreas precisamos de capacidade técnica específica com profundo saber e política não pode ser uma delas.

    Sei que não está propondo nada disso.

    Drinho
    Veterano
    # 20/out/22 05:57
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    Agora, com licença, Wanton, prometo que não vou zoar.

    ProgVacas

    Relaxa PT, tá suave.
    Não fode o tópico, porra.

    Wanton
    Veterano
    # 20/out/22 13:32
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    Drinho
    Eu vi algo tipo isso, porém para este ano na globo news, salvo engano, sugerindo que Lula ganha entre as pessoas com menor formação e Bolsonaro entre as pessoas com maior formação.

    É um recorte, né? Quem é que ganha se o recorte considerar a pós-graduação stricto senso? Quem é que ganha se considerarmos cursos de maior erudição, deixando de lado formações técnicas, que não promovem a reflexão e, consequentemente, hábitos críticos?

    A correlação com a escolaridade torna-se ainda mais problemática se considerarmos que quem tem mais renda também tem mais acesso ao estudo formal. Será que, dentro de uma faixa de renda com maior poder aquisitivo, o tempo de estudo não favorece o voto em Lula? O que essas pesquisas fazer quando divulgam dados sobre a escolaridade sem considerar o acesso ao ensino é uma espécie de fake news.


    Partindo do princípio que Bolsonaro seria um voto pior, não faria sentido reduzirmos o processo democrático de opinar e escolher ao nível do saber de um indivíduo e ignorarmos o outro.

    Concordo. O caso é que a grande maioria do eleitorado não lida com impasses legítimos. A maioria sequer tem instrumentos para desenvolver uma discussão nesse nível. Um voto vale muito pouco para merecer que os eleitores dediquem-se a justificá-lo.


    Acho que temos uma boa ideia de quais áreas precisamos de capacidade técnica específica com profundo saber e política não pode ser uma delas.

    A política precisa ser acessível, não há dúvidas. A análise que proponho é sobre a natureza do debate político; é sobre as ideias que são debatidas pelos campos políticos. Falo do debate honesto, preocupado em compreender os diferentes interesses e posições em jogo no campo da política, não da retórica suja utilizada pelos grupos políticos para conseguirem se eleger.

    Lelo Mig
    Membro
    # 20/out/22 15:23
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    Wanton

    "Falo do debate honesto, preocupado em compreender os diferentes interesses e posições em jogo no campo da política, não da retórica suja utilizada pelos grupos políticos para conseguirem se eleger."

    Eu concordo com você, mas você tem alguma ideia/sugestão de como isso poderia ser feito?

    O que me assusta é que mesmo que hipoteticamente tivéssemos duas sumidades disputando um cargo, por conta do "ganhar a eleição a qualquer preço", mesmo que os caras sejam dois gentlemans, o partido, militantes e simpatizantes em geral, vão melar a discussão.

    Explico:
    - Bolsonaro disse numa entrevista que para ser eleito têm mentir.
    - Lula disse numa outra entrevista que o Bolsonaro é mentiroso e que ele mesmo disse: "que para ser eleito têm que mentir".
    - Carluxo pega essa fala do Lula, corta, edita o Lula falando: "para ser eleito têm que mentir".
    - Lula é o mentiroso.

    Esse é um exemplo simples, mas, recorrente e as pessoas (incluindo gente esclarecida) caem nele.

    Esse negócio de fake é novo, tá fudendo as eleições, terão de arrumar um jeito de lidar com isso. Não me pergunte como.

    Wanton
    Veterano
    # 20/out/22 15:35
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    Lelo Mig
    Esse é um exemplo simples, mas, recorrente e as pessoas (incluindo gente esclarecida) caem nele.

    Por isso que penso que o debate proposto nesse tópico só se aplique a pessoas que estejam dispostas a debater política de maneira honesta. Não é o caso dos políticos e nem da maior parte do eleitorado. Tem muita gente que finge estar aberta ao diálogo honesto, sobretudo, nas redes sociais. Só chegamos à raiz dos impasses formando muitos consensos, mas são poucos que estão abertos a isso.


    Esse negócio de fake é novo, tá fudendo as eleições, terão de arrumar um jeito de lidar com isso.

    Para os fins do que foi proposto nesse tópico, a responsabilidade sobre as fake news é de quem as compartilha. O comportamento honesto, que conduz aos impasses legítimos, é o de verificar as fontes e de admitir que a notícia não procede ou que ela é mal intencionada.

    Black Fire
    Gato OT 2011
    # 20/out/22 15:57
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    A posição política é baseada em afetos e não em postulados racionais. Por isso as discussões nunca vão pra lugar nenhum.

    A posição política só muda quando mudam os afetos.

    ProgVacas
    Membro Novato
    # 20/out/22 16:18
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    Pedro_Borges
    Drinho

    Não considero qualquer sugestão de duas coisas iguais a vocês.

    Wanton
    Veterano
    # 20/out/22 18:19
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    Black Fire
    A posição política é baseada em afetos e não em postulados racionais. Por isso as discussões nunca vão pra lugar nenhum.

    Buscar compreender a raiz dos impasses não implica na mudança de posição política, mas na sua justificação. Toda experiência de crença tem amparo estético (prefiro esse termo do que afeto), até mesmo as crenças chamadas racionais. Isso, contudo, não as coloca em um lugar inacessível ao exame. O objeto da crença política, seja ela qual for, é um fenômeno verbal acessível.

    Dificilmente a adesão a uma crença é justificada a priori. Indivíduos simplesmente aderem às crenças que lhes convém – e essa conveniência não é uma livre escolha, é uma escolha condicionada pelas limitações do sujeito no momento da adesão.

    Por isso, o que interessa é a realidade exterior à crença. Não importa que o sujeito creia que não é corno, enquanto sua parceira está no quarto ao lado, fodendo com o vizinho. Esse impasse é resolvido abrindo a porta do quarto. A natureza de muitos impasses políticos está na relutância em examinar a realidade.

    makumbator
    Moderador
    # 20/out/22 18:25 · Editado por: makumbator
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    Wanton
    Não importa que o sujeito creia que não é corno, enquanto sua parceira está no quarto ao lado, fodendo com o vizinho. Esse impasse é resolvido abrindo a porta do quarto.

    Então, mas muitas vezes a parceira é fiel mas o cara tem a "certeza" que não é. Nesse caso não há porta do quarto para abrir, pois o fato dele não ver o Ricardão não retira de sua mente que ele existe, e que os dois se encontram quando o marido não está por perto.

    Provar que algo não existe é muito mais difícil que provar algo que exista.

    Jonas Kahnwald
    Membro Novato
    # 20/out/22 18:52
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    Wanton
    Mas tem muita coisa que a gente acha que sabe, só que nunca parou para pensar o quanto a gente realmente sabe. Tem coisa que a gente só descobre que não sabe quando é confrontado.


    Isso é bem verdade, eu tenho me confrontado com muita coisa, muitos conceitos pessoais que eu tinha, tanto a meu respeito, como de outros, como da vida que eu só realmente parei pra analisar depois de começar a fazer terapia!
    A propósito, terapia psicanalítica viu Wanton :P hahahahahah

    Um exemplo de impasse legítimo é o impasse fundado na fé. Você não me vê tretando com o Jonas Kahnwald em relação à opção dele de não participar da política, porque isso se funda em algo que não estou apto a questionar.

    Fico feliz que você tocou no assunto, pq eu ia trazer ele a tona aqui. Muita gente tem um conceito equivocado do que é fé (ao menos em relação ao que a Bíblia diz que é a fé). Mas isso eu reconheço que acaba sendo menos culpa de quem tem esse conceito e mais culpa de quem os levou a tê-lo.

    Muitos ditos "crentes" afirmam ter fé, mas na realidade o que eles tem é apenas crendice! A bíblia diz que "A fé é a firme confiança de que virá o que se espera, a demonstração clara* de realidades não vistas.

    * Ou: prova convincente

    Portanto, a fé deve ser baseada em algumas evidências, deve ser embasada em bons argumentos. Ao contrário do que muitos pensam, não é só pq está escrito num livro antigo e esse livro diz ser divino...
    Portanto, as vezes é um pouco frustrante ter que explicar vez após vez e ainda sentir que foi em vão, o pq de eu ter certas posturas devido a minha fé. Não estou pedindo que acreditem no mesmo que eu, mas que levando em conta o que eu acredito, minha postura faz sentido.

    ProgVacas
    Membro Novato
    # 20/out/22 19:24
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    Jonas Kahnwald

    minha postura faz sentido.

    A sua postura sem dúvida, super coerente. Bem como o Wanton não curto ficar especulando em um assunto que eu não estou inteiramente entregue, mas quando você explica a sua fé deixa claro que nem mesmo você a entende bem.

    E isso não é demérito nenhum, porque o metafísico, objeto principal da fé, é algo que não tem uma explicação que incontestável.

    Jonas Kahnwald
    Membro Novato
    # 20/out/22 22:16 · Editado por: Jonas Kahnwald
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    ProgVacas
    mas quando você explica a sua fé deixa claro que nem mesmo você a entende bem.

    eu nunca me considerei uma pessoa boa em explicar o que penso, quando era o nerd de exatas na escola, eu era muito melhor em aprender do que em ajudar meus colegas a entender a matéria... sempre fui péssimo em resumir/sintetizar meus pontos de vista, e nunca cursei uma faculdade (por opção própria)

    talvez esses fatores todos em conjunto contribuam para que eu não consiga transmitir bem aquilo em que eu firmemente creio... mas já que este tópico se propõe a um ambiente mais light em termos de conversas/discussões, gostaria de perguntar pq vc tem esta opinião sobre minha fé/explicações sobre minha fé

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