Joseph de Maistre Veterano |
# jul/12 · Editado por: Joseph de Maistre
“Liberdade ao invés de democracia”.
Entrevistador: Professor Hoppe, o senhor é um antidemocrata assumido. Não teve dificuldades para entrar na Alemanha durante sua turnê de palestras?
Hans-Hermann Hoppe: Não. E também não imagino que isso vá acontecer no futuro. Dei palestras em dúzias de países no mundo inteiro e nunca houve dificuldades.
E: Como é então que, em um país “pronunciadamente democrático” como a Alemanha, o senhor, com suas opiniões, é um convidado tão prestigiado, por exemplo, pela Fundação Friedrich Naumann, próxima ao Partido Democrático Liberal?
HHH: Porque eu sou diferente e tenho algo diferente a dizer do que os “chatos em serviço” da política e das mídias “respeitáveis” têm. Eu provoco e ofereço discussão e esclarecimento intelectuais em alto nível.
E: Sua tese sentencia que a democracia não é uma ordem política que garante o governo do povo, e sim sua exploração.
HHH: A natureza da democracia é a redistribuição, que se realiza pela distribuição do poder político. Isto é, aqueles que estão no poder fazem redistribuições em favor de seus clientes à custa dos clientes do partido que não está. Isso não tem nada a ver com justiça e, caso haja dúvida, direitos fundamentais como o à propriedade são rapidamente perdidos. Além disso, como fator agravante, o partido no governo tem apenas quatro anos para fazer isso - até novamente ser eleito. Logo, essa redistribuição é conduzida da forma mais rápida e irresponsável possível. Por outro lado, na monarquia, por cuja “feliz” derrocada tolamente se presta consideração à democracia, o Estado, em princípio, estaria para sempre nas mãos de uma única dinastia. Conforme isso, o monarca usava sua “propriedade” com parcimônia. Na democracia, o Estado não é propriedade de ninguém e, conforme isso, seus recursos são sugados desenfreadamente pelo partido que está no governo.
E: Como, por exemplo...?
HHH: Como, por exemplo, a República Federal da Alemanha. O núcleo da atual crise nos fundamentos deste país é que, por décadas a fio, os políticos prometeram aos eleitores mais, mais e cada vez mais. Eles distribuíram o que, do ponto de vista econômico, não podia de maneira alguma ser distribuído, somente para serem reeleitos. E os eleitores, de bom grado e com plena consciência do que estava acontecendo, se deixaram subornar. Todos queriam abocanhar sua fatia desse gigantesco arrastão. O perfeito exemplo disso é Konrad Adenauer, que, somente para ganhar votos, realizou sua reforma da previdência contra o bom conselho dos especialistas, sem dar a mínima para o fato de que com isso ele plantou as sementes da destruição do sistema previdenciário alemão.
Hoje, na Alemanha, os cofres estão vazios e as dívidas impagáveis. Todos resmungam contra aqueles que então viviam acima da média. Isso é absurdo! Essas pessoas simplesmente se comportaram segundo as regras do jogo. Não reclamem dos jogadores se o jogo não lhes agrada, reclamem das regras! Reclamem da democracia! Liberdade ao invés de democracia!
E: O senhor não deveria então, portanto, ser combatido e boicotado por todos os partidários da democracia?
HHH: No que diz respeito aos bons democratas, você certamente tem toda a razão. Mas bons democratas - isto é, partidários do princípio de que A e B, por possuírem uma maioria em relação a C, podem por isso roubá-lo ou impor sua vontade sobre ele -, para mim, são apenas comunistas “moderados” e eu considero ser boicotado por eles uma honra. Só que não há muitas pessoas, em absoluto, que defendam tal princípio quando ele é finalmente articulado de forma clara. Não existe democracia na família, nem na igreja - principalmente na católica -, nem na ciência, nem no mercado. Em lugar nenhum cada voto é igual a outro. Em toda parte existem naturalmente graus de autoridade. E: O senhor seria um caso a ser investigado pelo órgão alemão de proteção dos princípios constitucionais?
HHH: O órgão de proteção da Constituição não sabe de maneira alguma o que deveria fazer comigo ou com minhas posições. Eu estou completamente fora dos esquemas comuns de classificação política. Realmente, eu sou um inimigo do Estado democrático, mas daí a afirmar que eu seja inimigo da liberdade, da propriedade privada, da família e tudo aquilo que o cidadão normal valoriza e aprecia, é um absurdo, é uma perfeita piada. Mesmo o órgão de proteção constitucional precisa do suporte da opinião pública. Eu duvido que eles obtenham êxito em me rotular como um monstro.
E: Em todo caso, há não muito tempo, houve problemas: não por causa do Hoppe antidemocrata, mas sim de sua contraparte, o editor conservador Götz Kubitschek, que, ironicamente, defendia contra você o Estado democrático. A Universidade Greifswald proibiu o uso das salas pela organização do debate com a alegação de que Kubitschek seria um “intelectual direitista”.
HHH: O episódio todo me parece sintomático da situação política da Alemanha.
E: De que maneira?
HHH: Democracia não tem nada a ver com liberdade. Democracia é o governo da turba, incitada e instavelmente conduzida pelos demagogos. A democracia alemã, em particular, já carrega consigo traços de um suave totalitarismo, com uma ampla auto-censura, que frequentemente não é encarada com a devida seriedade.
E: Por que então, em 1985, você imigrou justo para os EUA, que se consideram o berço da democracia?
HHH: Depois da minha livre-docência em 1981, fui bolsista por cinco anos da Fundação Heisenberg. Extra-oficialmente, diziam que, após a expiração da bolsa, eu certamente poderia contar com a nomeação para uma cátedra. Mas, para mim, rapidamente ficou claro que, no meu caso, com as minhas opiniões, isso certamente não iria acontecer. Por isso, em 1985, me mudei para os EUA, onde se confirmaram minhas previsões de que, lá, o mercado de trabalho acadêmico - assim como o mercado de trabalho em geral - era flexível o suficiente para que até mesmo um dissidente como eu tivesse uma chance. Não foi fácil me estabelecer nos EUA. Mas na Alemanha eu teria me afundado, lá, ao contrário, desde o início encontrei amigos e patronos.
E: O senhor fala do “totalitarismo” da democracia. Está se referindo ao “politicamente correto”? Ele também surgiu nos EUA.
HHH: Sim, o movimento politicamente correto sem dúvida é mais antigo na América do que na Alemanha e na Europa. Ele surgiu com a dita “legislação dos direitos civis” de meados dos anos 60 e se encontra hoje em uma miríade de “ações afirmativas” que abrangem quase todas as áreas da vida - regulamentações, cotas e proibição de expressão discriminatória. Nesse meio tempo, só resta realmente ainda um único grupo de pessoas que não é protegido: os homens brancos heterossexuais. Eles são o grupo “culpado” por tudo que há de ruim no mundo. Todos os outros grupos são suas “vítimas”. É difícil dizer se a situação hoje na América é mais grave ou perigosa do que na Europa. Nos EUA, o movimento provavelmente rende os frutos mais insanos. Mas, embora os pecadores contra o Espírito Politicamente Correto tenham sua vida dificultada e não raro sua carreira arruinada, pelo menos, ao contrário do que acontece na Alemanha e muitos outros países europeus, não são ameaçados com sanções penais quando se expressam sobre temas sensíveis.
E: Como por exemplo...?
HHH: Pense apenas nos parágrafos sobre incitação popular do Código Penal alemão, que ameaça com punições determinados comentários sobre a recente história alemã, ainda que eles sejam somente suspeitas que você reconheça como dignas de pesquisa. A meu ver, só se consegue com isso o exato oposto do que se pretendia. Quando se proíbem determinados comentários, aparece quase que imediatamente a suspeita de que pode haver algo de verdadeiro por trás deles. Pois, caso contrário, por que se recorrer a uma medida tão drástica quanto proibir a livre expressão?
E: De volta à democracia: se a democracia não é uma forma de liberdade, e sim de exploração, o que significa então o mito original da democracia na Europa: a Revolução Francesa?
HHH: Certamente a imagem da Revolução Francesa ainda precisa ser fundamentalmente corrigida, embora, nos últimos anos, já tenha havido consideráveis progressos nesta direção. A Revolução Francesa faz parte da mesma categoria de revoluções maléficas que a Revolução Russa e a Revolução Nazista. Assassinato de reis, igualitarismo, democracia, socialismo, ódio à religião, terror, roubo, estupros e assassinatos em massa, serviço militar obrigatório e guerra total ideologicamente motivada - tudo isso nós devemos à Revolução Francesa.
E: Já são mais de 200 anos desde então. Como as pessoas puderam se enganar por tanto tempo?
HHH: As pessoas em sua maioria, em todas as épocas e lugares, são tolas e estúpidas. E o dito Estado de Bem-Estar Social e o sistema de ensino “público” contribuem para isso, isto é, para que a população se torne ainda mais estúpida. Eles não pensam por si sós, apenas papagaiam o que as elites políticas lhes contam. E as elites também tem todo o interesse em manter as massas estúpidas, pois é de tal estupidez que lucram.
E: O senhor acusa o conservadorismo de basicamente não ser nada além de “socialismo”. Mas não é você próprio - com sua concepção utópica do ser humano como completamente responsável por si próprio - o socialista?
Veja por si próprio o Manifesto do Partido Comunista com mais de 150 anos de idade e você concordará comigo que os atuais partidos conservadores engoliram uma grande parcela da ideologia socialista. O declínio do Partido Social-Democrata que nós vivenciamos hoje na Alemanha não é um sinal do fracasso do socialismo, mas sim de seu triunfo: não existe mais nenhum motivo especial para elegê-lo em uma época em que todos os partidos são social-democratas! Daí em diante, eu também não espero nada da iminente “mudança” de vermelho-verde para preto-amarelo durante as próximas eleições parlamentares no outono. Quanto à sua pergunta sobre utopismo, você está enganado: os socialistas são utopistas, pois eles presumem que, com a vinda do socialismo, ocorrerá também uma mudança da natureza humana. Isso é obviamente nonsense, puro wishful thinking. Libertários como eu, por outro lado, são realistas. Nós tomamos as pessoas pelo que elas são - boas e más, pacíficas e agressivas, altruístas e egoístas, produtivas e improdutivas, esforçadas e preguiçosas, responsáveis e irresponsáveis -, e não ache você que a natureza humana seja basicamente mutável. Como realistas, estamos convencidos de que incentivos funcionam em todas as épocas e lugares. É preciso haver uma estrutura institucional de incentivos, que premie a “boa” conduta e puna a “má”. É certo que isso não eliminará as “más” condutas, mas diminuirá sua frequência e intensidade.
E: E esses incentivos fundamentam, por exemplo, todo o sermão do Estado democrático de direito conservador-liberal...
HHH: A instituição do Estado, que, ao contrário de todas as outras instituições da sociedade, pode coletar pagamentos não-voluntários e ser juiz em todos os conflitos, inclusive aqueles em que ele é uma das partes, estabelece um falso incentivo: por um lado, permite que algumas pessoas ganhem renda sem ter que produzir um bem ou serviço para consumidores que as contratem voluntariamente; em outras palavras: ele premia pessoas por terem produzido bens (ou “males”) de baixa qualidade para o consumidor. Por outro, o Estado não cria incentivos para eliminar conflitos, mas sim para provocá-los, para que possa depois julgá-los e decidi-los em proveito próprio; em outras palavras: o Estado premia a prática de injustiças.
E: Atualmente está cada vez mais difícil argumentar contra sua análise da inevitável queda do Estado de Bem-Estar Social. Nós, alemães, realmente vamos perder a nossa menina dos olhos política, o Estado Social?
HHH: O dito Estado Social - que, na realidade, é apenas o “roubar e esconder” sendo chamado por outro nome, e não uma autêntica política social, voluntária e, somente dessa maneira, moral - também entrará em colapso, assim como o comunismo entrou. Todo o “sistema de seguro” social, todo o “contrato” entre as gerações, está condenado ao abismo como um castelo de cartas. Qualquer empresário que tentasse oferecer no mercado um “sistema de seguro” como esse seria imediatamente preso como estelionatário. Que, na Alemanha, mesmo diante da crescente expectativa de vida e do declínio da taxa de natalidade, ainda ajam como se estivessem lidando com uma grande invenção, só mostra quão irresponsável e quão realmente perigosa ao público toda a classe política neste país é.
O Prof. Dr. Hans-Hermann Hoppe é considerado um dos pensadores mais proeminentes do movimento libertário mundial. Nasceu em Peine em 1949. Estudou Sociologia e Economia e imigrou para os EUA em 1985, para estudar com Murray Rothbard, cuja cátedra assumiu após sua morte. É “Distinguished Fellow” no Ludwig von Mises Institute em Auburn, editor do Journal of Libertarian Studies e autor de vários livros. Seu provocante estudo “Democracia: o deus que falhou” ganhou sete edições nos EUA e foi traduzido para o alemão, espanhol, coreano, polonês e italiano.
Fonte.
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