Pessoas que merecem um topico: Augusto dos Anjos

    Autor Mensagem
    Henry Chinaski
    Veterano
    # ago/11 · Editado por: Henry Chinaski


    Monólogo de uma sombra

    "Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
    Do cosmopolitismo das moneras...
    Pólipo de recônditas reentrâncias,
    Larva de caos telúrico, procedo
    Da escuridão do cósmico segredo,
    Da substância de todas as substâncias!


    A simbiose das coisas me equilibra.
    Em minha ignota mônada, ampla, vibra
    A alma dos movimentos rotatórios...
    E é de mim que decorrem, simultâneas,
    A saúde das forças subterrâneas
    E a morbidez dos seres ilusórios!


    Pairando acima dos mundanos tetos,
    Não conheço o acidente da Senectus
    -- Esta universitária sanguessuga
    Que produz, sem dispêndio algum de vírus,
    O amarelecimento do papirus
    E a miséria anatômica da ruga!


    Na existência social, possuo uma arma
    -- O metafisicismo de Abidarma --
    E trago, sem bramânicas tesouras,
    Como um dorso de azêmola passiva,
    A solidariedade subjetiva
    De todas as espécies sofredoras.

    Como um pouco de saliva quotidiana
    Mostro meu nojo à Natureza Humana.
    A podridão me serve de Evangelho...
    Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
    E o animal inferior que urra nos bosques
    É com certeza meu irmão mais velho!



    Tal qual quem para o próprio túmulo olha,
    Amarguradamente se me antolha,
    À luz do americano plenilúnio,
    Na alma crepuscular de minha raça
    Como uma vocação para a Desgraça
    E um tropismo ancestral para o Infortúnio.


    Aí vem sujo, a coçar chagas plebéias,
    Trazendo no deserto das idéias
    O desespero endêmico do inferno,
    Com a cara hirta, tatuada de fuligens
    Esse mineiro doido das origens,
    Que se chama o Filósofo Moderno!


    Quis compreender, quebrando estéreis normas,
    A vida fenomênica das Formas,
    Que, iguais a fogos passageiros, luzem.
    E apenas encontrou na idéia gasta,
    O horror dessa mecânica nefasta,
    A que todas as coisas se reduzem!


    E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,
    Sobre a esteira sarcófaga das pestes
    A mosrtrar, já nos últimos momentos,
    Como quem se submete a uma charqueada,
    Ao clarão tropical da luz danada,
    O espólio dos seus dedos peçonhentos.


    Tal a finalidade dos estames!
    Mas ele viverá, rotos os liames
    Dessa estranguladora lei que aperta
    Todos os agregados perecíveis,
    Nas eterizações indefiníveis
    Da energia intra-atômica liberta!


    Será calor, causa ubíqua de gozo,
    Raio X, magnetismo misterioso,
    Quimiotaxia, ondulação aérea,
    Fonte de repulsões e de prazeres,
    Sonoridade potencial dos seres,
    Estrangulada dentro da matéria!


    E o que ele foi: clavículas, abdômen,
    O coração, a boca, em síntese, o Homem,
    -- Engrenagem de vísceras vulgares --
    Os dedos carregados de peçonha,
    Tudo coube na lógica medonha
    Dos apodrecimentos musculares.


    A desarrumação dos intestinos
    Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos
    Dentro daquela massa que o húmus come,
    Numa glutoneria hedionda, brincam,
    Como as cadelas que as dentuças trincam
    No espasmo fisiológico da fome.


    É uma trágica festa emocionante!
    A bacteriologia inventariante
    Toma conta do corpo que apodrece...
    E até os membros da família engulham,
    Vendo as larvas malignas que se embrulham
    No cadáver malsão, fazendo um s.


    E foi então para isto que esse doudo
    Estragou o vibrátil plasma todo,
    À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...
    Num suicídio graduado, consumir-se,
    E após tantas vigílias, reduzir-se
    À herança miserável dos micróbios!


    Estoutro agora é o sátiro peralta
    Que o sensualismo sodomita exalta,
    Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo...
    Como que, em suas clélulas vilíssimas,
    Há estratificações requintadíssimas
    De uma animalidade sem castigo.


    Brancas bacantes bêbadas o beijam.
    Suas artérias hírcicas latejam,
    Sentindo o odor das carnações abstêmias,
    E à noite, vai gozar, ébrio de vício,
    No sombrio bazer domeretrício,
    O cuspo afrodisíaco das fêmeas.


    No horror de sua anômala nevrose,
    Toda a sensualidade da simbiose,
    Uivando, à noite, em lúbricos arroubos,
    Como no babilônico sansara,
    Lembra a fome incoercível que escancara
    A mucosa carnívora dos lobos.


    Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.
    Negra paixão congênita, bastarda,
    Do seu zooplasma ofídico resulta...
    E explode, igual à luz que o ar acomete,
    Com a veemência mavórtica do aríete
    E os arremessos de uma catapulta.


    Mas muitas vezes, quando a noite avança,
    Hirto, observa através a tênue trança
    Dos filamentos fluídicos de um halo
    A destra descarnada de um duende,
    Que tateando nas tênebras, se estende
    Dentro da noite má, para agarrá-lo!


    Cresce-lhe a intracefálica tortura,
    E de su'alma na caverna escura,
    Fazendo ultra-epiléticos esforços,
    Acorda, com os candeeiros apagados,
    Numa coreografia de danados,
    A família alarmada dos remorsos.


    É o despertar de um povo subterrâneo!
    É a fauna cavernícola do crânio
    -- Macbeths da patológica vigília,
    Mostrando, em rembrandtescas telas várias,
    As incestuosidades sangüinárias
    Que ele tem praticado na família.


    As alucinações tácteis pululam.
    Sente que megatérios o estrangulam...
    A asa negra das moscas o horroriza;
    E autopsiando a amaríssima existência
    Encontra um cancro assíduo na consciência
    E três manchas de sangue na camisa!


    Míngua-se o combustível da lanterna
    E a consciência do sátiro se inferna,
    Reconhecendo, bêbedo de sono,
    Na própria ânsia dionísica do gozo,
    Essa necessidade de horroroso,
    Que é talvez propriedade do carbono!


    Ah! Dentro de toda a alma existe a prova
    De que a dor como um dartro se renova,
    Quando o prazer barbaramente a ataca...
    Assim também, observa a ciência crua,
    Dentro da elipse ignívoma da lua
    A realidade de uma esfera opaca.

    Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
    Abranda as rochas rígidas, torna água
    Todo o fogo telúrico profundo
    E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
    À condição de uma planície alegre,
    A aspereza orográfica do mundo!


    Provo desta maneira ao mundo odiento
    Pelas grandes razões do sentimento,
    Sem os métodos da abstrusa ciência fria
    E os trovões gritadores da dialética,
    Que a mais alta expressãoda dor estética
    Consiste essencialmente na alegria.


    Continua o martírio das criaturas:
    -- O homicídio nas vielas mais escuras,
    -- O ferido que a hostil gleba atra escarva,
    -- O último solilóquio dos suicidas --
    E eu sinto a dor de todas essas vidas
    Em minha vida anônima de larva!"


    Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,
    Da luz da lua aos pálidos venábulos,
    Na ânsa de um nervosíssimo entusiasmo,
    Julgava ouvir monótonas corujas,
    Executando, entre daveiras sujas,
    A orquestra arrepiadora do sarcasmo!


    Era a elegia panteísta do Universo,
    Na produção do sangue humano imenso,
    Prostituído talvez, em suas bases...
    Era a canção da Natureza exausta,
    Chorando e rindo na ironia infausta
    Da incoerência infernal daquelas frases.


    E o turbilhão de tais fonemas acres
    Trovejando grandíloquos massacres,
    Há-de ferir-me as auditivas portas,
    até que minha efêmera cabeça,
    Reverta à quietação datrava espessa
    E à palidez das fotosferas mortas!


    Augusto dos Anjos foi um grande poeta modernista que escrevia todo seu pessimismo nordestino miserável em versos simbolistas (daí a opulência de termos científicos). Morreu ainda pouco conhecido, até o putão Olavo Bilac disse que não perdemos grande coisa, quando o Augusto dos Anjos veio a bater as botas.

    Taí, grande persona.

    damiusc
    Veterano
    # ago/11
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    Alguém leu o poema inteiro??

    Henry Chinaski
    Veterano
    # ago/11
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    Essa todos conhecem:

    Versos Íntimos

    Vês! Ninguém assistiu ao formidável
    Enterro de tua última quimera.
    Somente a Ingratidão - esta pantera -
    Foi tua companheira inseparável!


    Acostuma-te à lama que te espera!
    O Homem, que, nesta terra miserável,
    Mora, entre feras, sente inevitável
    Necessidade de também ser fera.


    Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
    O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
    A mão que afaga é a mesma que apedreja.


    Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
    Apedreja essa mão vil que te afaga,
    Escarra nessa boca que te beija!

    Anderson Eslie
    Veterano
    # ago/11
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    Boa guras.
    Valorizei.

    Excelion
    Veterano
    # ago/11
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    Aguardo a versão em filme dirigida por Coppola estrelando Al Pacino.

    brunohardrocker
    Veterano
    # ago/11
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    Henry Chinaski

    poderia ter colocado espeçamento simples entre linhas.

    Henry Chinaski
    Veterano
    # ago/11
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    editado, repaginado e frufruzado.

    Black Fire
    Gato OT 2011
    # ago/11
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    http://forum.cifraclub.com.br/forum/11/136877/

    Igão
    Veterano
    # ago/11
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    O melhor dele:

    Psicologia de um vencido

    Eu, filho do carbono e do amoníaco,
    Monstro de escuridão e rutilância,
    Sofro, desde a epigênesis da infância,
    A influência má dos signos do zodíaco.

    Profundíssimamente hipocondríaco,
    Este ambiente me causa repugnância...
    Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
    Que se escapa da boca de um cardíaco.

    Já o verme — este operário das ruínas —
    Que o sangue podre das carnificinas
    Come, e à vida em geral declara guerra,

    Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
    E há-de deixar-me apenas os cabelos,
    Na frialdade inorgânica da terra!


    Headstock invertido
    Veterano
    # ago/11
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    Literatura é perda de tempo.

    Segredista Cintilante
    Veterano
    # ago/11
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    não conheço e nunca vi mais gordo

    da próxima vez crie um tópico de alguém mais conhecido como o slash

    Die Kunst der Fuge
    Veterano
    # ago/11
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    Pelé.rmvb - 37% completed

    Segredista Cintilante
    Veterano
    # ago/11 · Editado por: Segredista Cintilante
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    tá, agora traduz esse texto empolgante em português coloquial dos truta.

    O cara falou que gosta de merda e que o irmão é um animal. Esse cara boa pessoa não é.

    Simonhead
    Veterano
    # ago/11
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    damiusc

    Eu li. Sou um grande fã do Augusto dos Anjos.

    Já postei a esse respeito em outro tópico aberto aqui recentemente.

    -Dan
    Veterano
    # ago/11
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    Já notei leve influencia desse cara nas poesias do meu pai.

    J. S. Coltrane
    Veterano
    # ago/11
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    romantismo é tão last week

    Hannah Liimatainen
    Veterano
    # ago/11
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    Amo Augusto dos Anjos.

    Valorizei² :)

    Simonhead
    Veterano
    # ago/11
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    J. S. Coltrane
    romantismo...


    Como assim?

    J. S. Coltrane
    Veterano
    # ago/11
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    Simonhead

    pode crer, me confundi. Mas o comentário ainda é válido

    Nazareth Bach
    Veterano
    # ago/11
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    Soneto (adeus, adeus, adeus!)

    Adeus, adeus, adeus! E, suspirando,
    Saí deixando morta a minha amada,
    Vinha o luar iluminando a estrada
    E eu vinha pela estrada soluçando.

    Perto, um ribeiro claro murmurando
    Muito baixinho como quem chorava,
    Parecia o ribeiro estar chorando
    As lágrimas que eu triste gotejava.

    Súbito ecoou do sino o som profundo!
    Adeus! - eu disse. Para mim no mundo
    Tudo acabou-se, apenas restam mágoas.

    Mas no mistério astral da noute bela
    Pareceu-me inda ouvir o nome dela
    No marulhar monótono das águas!


    :D

    O cara é muito foda

    Sedunk
    Veterano
    # ago/11
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    Nunca gostei de literatura.

    Depois de começar a abrir minha mente, tive umas viagens bem loucas, tô bem mais filosófico. Agora literatura se tornou uma das minhas matérias preferidas.

    Ainda escreverei um livro de poemas/contos.

    Simonhead
    Veterano
    # ago/11
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    Sedunk

    Boa sorte no seu projeto.

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