Carlos Henrique 2 Veterano |
# mai/07
Era um velho singularmente asqueroso. Olhos esbugalhados, papilas e têmporas muito rubras, corpo roliço e ventre jocosamente intumescido. Era já sexagenário, cheirava a rabugem, e criara o infeliz hábito de escarrar com frequência.
A princípio escarrava timidamente nos lugares mais restritos: sobre a latrina, no belo pomar ao fundo da quinta, secretamente nos escaninhos da casa.
Mas, no transcorrer do tempo, os escrúpulos foram minguando, o hábito tornou-se preocupante mania, o organismo senil, debilitado, condicionara-se ao desafogar das mucosas, e passou a encher num ciclo copiosamente coloidal e fisiológico as fossas nasais com o langanho repugnante.
Enquanto viveu, nunca mais libertou-se do hábito de escarrar. Ao contrário, requintou-o, num ritual meticuloso, ordenado: inspiradas profundas, o retorno áspero da corrente de ar migrada dos alvéolos, trazendo consigo o muco espesso, empastado, repontado de aglomerações tóxicas em resíduos de material orgânico, o formidável catarro cristalizado nas paredes das fossas nasais. E atirava aquele medonho e volumoso perdigoto, num só impulso da traquéia e do diafragma, potencialmente multiplicado através dos lábios bem contornados para o fatídico arremesso.
E deixava atrás de si um rastro de pontículos de constipação rija, nas calçadas, nos cantos dos assentos dos coletivos, à mesa do jantar, entre as xícaras do desjejum, diante dos transeuntes escrupulosos, dos familiares, dos geriatras.
Escarrar tornara-se um deleite. Como nunca o tivera antes, fossem quais fossem os prazeres que experimentara em sua longa e cansativa jornada. E suspirava saciado, a cada descarga ruidosa do muco, aguardando impacientemente como o ruminante o acúmulo de mais secreção.
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