grafitte Veterano |
# fev/07
Pra quem nao sabe, Eduardo Bueno é jornalista e escritor, foi o "embaixador" de On The Road(Jack Kerouac) no Brasil.. Dias atrás deu entrevista a Folha de Sao Paulo na coluna especial de 50 anos da publicação do livro e q mais tarde viria para o Brasil..
Eduardo Bueno viaja à moda de Kerouac..
O livro se tornará filme, previsto pra 2009 só ;/
FOLHA - Sua primeira leitura de "On the Road" foi quando comprou "En El Camino", em uma livraria de Buenos Aires, em 1975. Qual o impacto dessa primeira leitura?
EDUARDO BUENO - Comprei naquela livraria que ainda existe, a La Ciudad, mas que está pra fechar. Era a livraria do Borges [Jorge Luís, escritor argentino, 1899-1986], inclusive eu o vi lá na livraria. Foi ali que ele teve a idéia, junto com o dono, de fazer aquela coleção "Biblioteca de Babel", publicada pela La Ciudad, cujos últimos volumes estão à venda agora. Fui lá no mês passado, a viúva está lá. Contei pra ela que tinha comprado "En El Camino" ali. A velha quase chorou. [Em 1975] sentei no banco de uma praça e li os quatro primeiros capítulos, não conseguia levantar, totalmente capturado pelo livro.
FOLHA - Mas você decidiu mesmo traduzir o romance depois, quando viajou pelos Estados Unidos.
BUENO - Eu estava na Europa e voei para Nova York pela Virgin, um vôo lendário. Você comprava o tíquete já dentro do avião. Tentei ir à maioria dos lugares, mas muitos estavam fechados. Depois fui pra Woodstock, uma coisa que Kerouac não fez, ele foi pra Bear Mountain. Meu propósito não era refazer passo a passo a primeira viagem do livro [veja viagens de "On the Road" na pág. F13]. E peguei mais carona que ele. Fui pra Concord, em Massachusetts, que era terra do Thoreau [Henry David Thoreau, contraculturalista norte-americano, autor de "Desobediência Civil e Walden ou A vida nos Bosques", 1817-1862]. Dali fui para Cape Cort, onde o Mayflower, o navio que trouxe os peregrinos que colonizaram os EUA, chegou. Voltei pra rodovia 95 e fui pra Chicago.
FOLHA - E foi acumulando edições de "On the Road".
BUENO - Acumulei 27, a maioria em inglês. Mas tenho edições em espanhol, francês, holandês, alemão, português de Portugal -que, aliás, se chama "Pela Estrada Afora".
OLHA - E então você chegou em Chicago.
BUENO - E dali fui pra Denver, onde fiquei uma semana. Daí fui pra Aspen, e devia ter comprado terra ali. Teria ficado milionário, era mato ainda. Depois fui pra Salt Lake City, por onde Sal Paradise passa em outra viagem e onde nasceu o Dean [Moriarty, personagem do livro; leia mais à página F12]. Ele cresceu na sarjeta, era um trombadinha.
Depois fui pra San Francisco. Uma coisa interessante de observar é que, nos Estados Unidos, 90% das pessoas nunca tinham ouvido falar no Kerouac. Mas, em San Francisco, todo mundo tinha ouvido falar nele. Ali eu fiz tudo, devia ter ficado pro resto da vida. Visitei o Ferlinghetti [Lawrence, poeta beatnik, hoje com 87 anos], fui à livraria City Light, percorri todo o circuito de outro livro do Kerouac, "Os Vagabundos do Dharma". Só que no livro ele vai lá escalar uma montanha, e aí não fui, porque estava vindo de volta pro Brasil.
Os americanos me diziam: "Olha, pegar carona no México não é tão fácil quanto nos Estados Unidos". Alertavam que os mexicanos eram perigosos, que odiavam quem não era mexicano etc. Tanto me disseram isso, tanto me encheram o saco que, depois que eu fui de San Diego pra Tihuana -que era uma aldeia indígena, e não o que a gente vê no filme "Babel" hoje-, comprei uma passagem de ônibus de lá pra Guadalajara.
Mas quando passei pelo deserto de Sonora, desci e não voltei pro ônibus. E comecei a viajar de carona pelo México. Era mil vezes melhor, mais legal que nos Estados Unidos.
Passei pela Nicarágua em guerra, gente morta no chão, uma loucura. Peguei um ônibus pra Costa Rica e fui de carona até o Panamá, onde peguei um barco até a Colômbia. Fui até Santa Cruz de la Sierra de carona, mas aí tive que pagar. Mal levantava o dedo e pegava carona, mas naquelas estradas era obrigado a pagar. Em Santa Cruz peguei o tal trem da morte até Corumbá, Campo Grande e Bauru, nem existe mais esse trem. Mas no pantanal boliviano, em Roboré, houve uma inundação que levou os trilhos embora.
E eu já tinha passado por um terremoto e um tufão no México, uma tempestade tropical em Honduras, a guerra na Nicarágua, o tráfico e as guerrilhas na Colômbia, terremoto em Arequipa [Peru]. Depois de mais de dez dias em Roboré, um avião da força aérea boliviana me levou até Corumbá, onde peguei o trem até Bauru e, de lá, fui de carona até Ganchos, em Santa Catarina, onde minha namorada me esperava.
FOLHA - Qual a maior dificuldade que Walter Salles terá para filmar "On the Road"?
BUENO - Eu acho que tem que ser um filme que procure a mesma linguagem transgressora que tinha o livro quando saiu. Não é simplesmente recontar "On the Road", refazer "On the Road" direitinho. Pra mim, quem tem que filmar é o Robert Rodrigues, ou então o Terry Gilliam, que filmou o infilmável, "Medo e Delírio em Las Vegas". Nunca foi feito um filme tão bom sobre drogas. Então tinha que ser assim, transgressivo, e não um filme impressionista com início, meio e fim, principalmente se for nessa ordem.
FOLHA - Mas "Diários de Motocicleta" e "Central do Brasil", road movies, não dão respaldo a ele?
BUENO - Eu acho ruim. Tem que ser um diretor com uma linguagem mais transgressora.
FOLHA - Pelo investimento da editora L&PM em títulos beatniks, de escritores como John Fante e do próprio Kerouac, dá pra dizer que a influência do movimento sobrevive?
BUENO - Aquele "On the Road" da editora Brasiliense já vendeu mais de 200 mil exemplares. Naquele ano, só não ultrapassou "O Nome da Rosa", do Umberto Eco. E esse pocket da L&PM, lançado em 2004, já bateu os 25 mil [segundo a L&PM, cerca de 20 mil].
FOLHA - A que motivo você atribui esse interesse dos leitores?
BUENO - "On the Road" é um livro seminal, inaugura um movimento quase atemporal, que tem a ver com todo mundo que sente a vertigem de rebelião, de liberdade total -que depois se revela relativamente falsa. Mas é preciso passar por essa experiência.
FOLHA - Você também navegou e passou por alguns lugares descritos nos seus livros de história.
BUENO - Aí é muito diferente. Eu refiz foi as viagens do Thoreau, eu ia escrever um livro sobre ele e fui pros EUA em 1986, só pra refazer as viagens dele. Fui de novo pra Concord e Cape Cort, subi as montanhas que ele subiu, fiz o circuito dele. Mas pros livros de história é diferente. Não fui refazer as caminhadas de ninguém, só fui ver como era o lugar. Porque aí é melhor para escrever. Sempre que posso faço isso.
Para quem leu "On the Road" e ficou com sede de Kerouac e de literatura beat [leia mais sobre o movimento na pág. F13], há uma pilha de títulos do gênero a caminho, pela editora L&PM.
As maiores novidades são "Beat Generation", peça escrita por Kerouac em 1957, inédita até 2005 e com lançamento brasileiro previsto para abril, e a biografia "Kerouac", de Yves Buin, que deve ser lançada em março.
Em novembro deve sair "The Town and the City", primeiro livro do autor. Em 2006 foi publicado "Diários de Kerouac, 1947-1954", anos que incluem o da redação de "On the Road" (1951).
Outros livros seus já saíram em português, como "Os Vagabundos Iluminados" e "O Livro dos Sonhos" -este, um Kerouac para iniciados, dado o fluxo livre e ensandecido de consciência.
Outros beats ganharão títulos neste ano: Allen Ginsberg ("Cartas do Yage"), Lawrence Ferlinghetti ("Um Parque de Diversões na Cabeça") e Charles Bukowski ("Fabulário Geral do Delírio Cotidiano", entre três outros livros). De William Burroughs, em 2006, saiu "O Gato por Dentro".
Livro será longa e documentário de Walter Salles
DA REDAÇÃO
Em apenas três semanas de 1951, Jack Kerouac escreveu cerca de 40 metros de texto. Mas sua empolgação não contaminou os editores, e "On the Road" foi recusado várias vezes antes de ser publicado, há 50 anos, em 1957.
De ônibus, carro e carona, o narrador Sal Paradise, personagem inspirado em Kerouac, faz seis travessias les Perrengues..
Invariavelmente, Sal Paradise parte para suas travessias com US$ 50. Como apenas um ônibus entre Denver e San Francisco custava US$ 25, seu dinheiro mingua no meio do caminho. Mas ser beat é deixar isso pra lá. No limite dos perrengues, Paradise trabalha como segurança e colhedor de algodão, rouba gasolina, come e se hospeda na casa alheia e pede dinheiro emprestado para sua tia de Nova Jersey.
Na vida real, Kerouac largou a universidade, foi adepto de jazz, drogas e promiscuidade e chegou a ser preso.
O autor, no entanto, é até convencional perto do co-protagonista Dean Moriarty -na verdade, Neal Cassady, um quase iletrado que pedia a Kerouac que o ensinasse a ser escritor e que se tornou seu companheiro de viagens.
Moriarty acumula vários roubos de carros, cinco anos de prisão e quatro filhos pequenos Estados Unidos afora. Abandona três mulheres apaixonadas por ele. E, se bem fiscalizado, não dirigiria 50 quilômetros sem ter a carteira de motorista cassada. Na vida real, seu currículo era parecido. Cassady chegou a ser menino de rua.
Jack Kerouac (1922-1969), um dos criadores do movimento beat, não tinha paciência para explicá-lo. Talvez porque as melhores explicações estivessem com seus personagens.
Em "On the Road", Sal Paradise, alter ego de Kerouac, diz: "Para mim, as únicas pessoas são as loucas, as que são loucas para viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, que querem tudo ao mesmo tempo, aquelas que nunca bocejam nem dizem um lugar-comum".
O movimento surge como contracultura nos anos 50, de macartismo e de caretice nos EUA. Os beatniks buscavam uma maior exploração da consciência ("tour" muitas vezes animado por drogas) e desdenhavam do "american way of life". Marcam esse começo Allen Ginsberg e Bill Burroughs, além do próprio Kerouac.
Recém-publicado no Brasil, "Contracultura Através dos Tempos", de Ken Goffman e Dan Joy (Ediouro), fala do início beat. Em 1955, "com Kerouac gritando "VAI!" e membros da platéia chorando abertamente", Ginsberg leu o poema "Uivo", que falava em "solidão, sujeira/ saudade, latas de lixo e dólares inatingíveis/ crianças berrando debaixo das escadarias/ garotos soluçando nos exércitos/ velhos chorando nos parques".
Já "On the Road", para os autores, "era um livro fluvial, e os ritmos de linguagem, os brilhos de iluminação, os expressivos relances dos marginalizados dos Estados Unidos deram a seus gratos jovens leitores o equivalente literário da viagem que eles experimentavam com um solo de Charlie Parker."
Mas um dia Kerouac maldisse sua bíblia: virou conservador e anti-semita. Morreu aos 47 anos, por causa do álcool. Allen Ginsberg e Bill Burroughs (em "On the Road", Carlo Marx e "Old Bull" Lee) surpreenderam menos seus fãs: Ginsberg passou pelo budismo e pelo pacifismo, e Burroughs, pela esquerda revolucionária e pelo movimento punk. Os dois morreram em 1997.
.. Jack Kerouac influenciou Bob Dylan e outras pessoas, artistas ou não!
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Velvete Veterano |
# jan/11
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Entrevista do Walter Salles sobre as filmagens de On The Road
Texto que achei no site:
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/05/14/walter-salles-diz-que-n ao-fara-de-on-the-road-um-filme-de-epoca-lamenta-conservadorismo-atual -916589276.asp
Walter Salles, enfim, vai colocar o pé na estrada. Depois de pelo menos cinco anos trabalhando para levar um dos mais importantes livros da contracultura, o clássico "On the road", de Jack Kerouac, para o cinema, o diretor anunciou que as filmagens começam em agosto. Antes mesmo do envolvimento de Salles, o projeto vinha sendo preparado pela produtora American Zoetrope, de Francis Ford Coppola, há 30 anos. Mas nunca saiu do papel.
Salles reverteu todas as dificuldades com uma enorme dedicação. Ele fez uma longa viagem pelos EUA, atrás dos locais e das pessoas citadas por Kerouac em seu livro, e fez dessa pesquisa um documentário, "Em busca de On the Road", ainda inédito. Para a ficção, já estão confirmados no elenco os atores Sam Riley ("Control"), Garrett Hedlund ("Tron - Legacy"), Kristen Stewart ("Crepúsculo") e Kirsten Dunst ("Homem-Aranha"). Em entrevista ao GLOBO, o diretor explicou seu interesse por "On the road".
Por que a demora para que "On the road" seja adaptado para o cinema?
WALTER SALLES: Faz parte da natureza do projeto. Estamos falando, como Coppola bem o definiu, do nascimento da contracultura, e não da adaptação de quadrinhos da Marvel. Por outro lado, tendo a favorecer processos longos de desenvolvimento: foram necessários mais de três anos para "Central do Brasil" se tornar realidade, quatro anos para "Diários de motocicleta" e agora cinco para "On the road". No caso deste filme, havia uma história pregressa que não era muito diferente da de "Diarios...", com tentativas anteriores de tradução do livro para o cinema. Essa espera acabou sendo benéfica ao projeto. Deu mais tempo para conceitualizar o filme, o que é fundamental. E, mais recentemente, saiu a versão original do livro de Kerouac. É muito mais livre, ousada e radical do que a versão que foi editada em 1957 e que sofreu os efeitos da censura da era McCarthy. A versão original do livro deu origem à versão final do roteiro escrito por Jose Rivera. Isso não teria acontecido se tivéssemos filmado há dois anos.
Walter Salles / Arquivo
O quanto a experiência em "Diários de motocicleta" vai ajudar na realização de On The Road? Você enxerga as duas histórias como paralelas? São duas viagens que envolvem descobertas. De naturezas diferentes, lógico, mas ainda assim descobertas...
SALLES: Um projeto é de certa forma o prolongamento do outro. "Diários de motocicleta" é um filme sobre o despertar de uma consciência sócio-política, a partir do desvendamento do continente latino-americano, numa viagem de dois jovens em busca do desconhecido. "On the road" é o ponto de partida de um outro tipo de revolução, a revolução comportamental dos anos 50 e 60. É o que o poeta Lawrence Ferlinghetti chama de youth revolt, uma revolta jovem, que acabou afetando profundamente as nossas vidas.
Você pretende de alguma forma atualizar a história ou as referências culturais serão as mesmas de quando Kerouac escreveu o livro?
SALLES: Como em "Diários...", não há a intenção de se fazer um filme de época, como se vê, às vezes, nos cinemas inglês ou norte-americano. O que é fascinante na história é sua modernidade. Aquela época aparecerá nos concertos de jazz, nos encontros à margem da estrada, nos bares onde parecia possível reinventar o mundo. Era uma época em que as pessoas viajavam mil quilômetros para uma boa conversa.
" A viagem aqui é, basicamente, interior. Estamos falando de personagens que tiveram a coragem de se reinventar contra a sua época, contra tudo e contra todos "
A história de "On the road" pode ter o mesmo efeito nos jovens de hoje como teve nos anos 1950 e 1960? Por exemplo: será que a ideia de ultrapassar os limites, ir além das fronteiras, será que isso tudo ainda teria o mesmo efeito?
SALLES: A viagem aqui é, basicamente, interior. Estamos falando de personagens que tiveram a coragem de se reinventar contra a sua época, contra tudo e contra todos. Em muitos casos, os anos que estamos vivendo são tão conservadores quanto os anos 50. É nisso que essa história é interessante: ela permite entender que, mesmo quando tudo conspira contra, é possível inventar novas formas de nos relacionar com o mundo. Repensar o conceito de família, as relações afetivas, o sexo. Essa qualidade libertária e também transgressora é o que torna a historia tão moderna.
Qual foi sua principal descoberta na pesquisa?
SALLES: Cruzando os Estados Unidos de ponta a ponta nos passos de Kerouac, encontramos não só os personagens do livro que ainda estão vivos, mas também os poetas da sua geração. Acabei percebendo que esses homens e mulheres que tiveram a coragem de abrir essas janelas nos anos 50 e 60 são muito mais jovens do que muitos jovens de hoje em dia.
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