teuabreu Veterano |
# abr/06 · Editado por: teuabreu
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Como eu sou um cara gente fina vou botar uma polemica entrevista com Paulo Lins o autor de Cidade de Deus!!!!!
Fonte:Caros Amigos!
Sem medo de ser
Trecho 1
Marina Amaral - Como foi o seu começo, como o menino Paulo Lins virou escritor?
Vamos lá, vou fazer uma regressão... Na verdade, escrever, pra mim, era uma necessidade. Ao contrário das outras crianças, quando eu fazia uma coisa errada minha mãe falava: "Ó, então não vai escrever!" Depois que passava um tempo, quando eu já não estava mais nervoso, ela mandava eu escrever. Comecei escrevendo poemas, depois letras de músicas, depois samba-enredo, ganhei dois sambas-enredo na Cidade de Deus, num bloco que tinha lá...
Andréa Dip - Isso, criança?
Não, isso eu já tinha 17 anos. Mas a gente ganhava o samba, e o meu parceiro é que cantava o samba, porque minha mãe não deixava eu ir pro ensaio, que era perigoso e tal. Nem vi o desfile nem fui aos ensaios, porque minha mãe não deixou. Mas da minha casa dava pra escutar o samba cantado. E foi assim, eu sempre escrevi, aí, depois, fui pra faculdade, aí veio o movimento de poesia independente, nos anos 80, e fomos fazendo poesia, vendendo de mão em mão, fazia camiseta com poesia, cartão... foi o boom da poesia dos anos 80. O Paulo Leminski teve uma grande importância na minha vida, fui pra Curitiba com ele, que me incentivou muito, no Rio eu vendia os livros dele, Catatau, Agora É que São Elas. Quando ele ia dar palestras no Rio e eu sempre ia às palestras, aí ele falava? "Poxa, aqui no Rio esses negão careca ficam me dando dinheiro, vai pegar mal pra mim". Enfim, eu e a literatura é uma coisa que vem desde criança.
Marina Amaral - Você nasceu na Cidade de Deus?
Não, nasci no Estácio.
Marina Amaral - É um hábito, no morro, criança que na favela escreve?
Toda criança nasce artista, toda criança desenha, lembra? E depois vai perdendo essa coisa... agora, leitura é meio difícil. A relação com a leitura tem que vir antes de o cara começar a ler. Antigamente tinha os famosos casos, histórias de assombração, os mais velhos se reuniam na porta de casa e contavam história um pro outro, e eu peguei um pouco disso. Hoje não tem mais, tem televisão o tempo todo, as pessoas não se reúnem mais, ou então estão na birosca bebendo. Eu adorava histórias de assombração. Dormia com medo, mas no outro dia estava lá de novo pra ouvir. E tinha também as fábulas, as histórias, mas isso se perdeu. Então fiquei ilhado, eu e algumas pessoas, porque só eu que lia, então isso dificulta um pouco a relação.
Ferréz - E a relação com seus amigos, você era um garoto tido como normal ou tinha diferenças até de rolê, não sair junto por causa da literatura?
Eu era meio otário! Sempre fui meio otário, não sei jogar bola, soltar pipa... o samba é que me salvou. Porque na favela tem a questão do respeito, o cara que bate uma bola é respeitado. Eu era otário, não sabia dançar! Aprendi a sambar depois, e aprendi a tocar instrumento de escola de samba. Toco todos os instrumentos de escola de samba, já desfilei em bateria, fiz letra de samba e aí eu peguei um conceito, com a rapaziada do conceito. Mas a escola, o estudo, a biblioteca foram me afastando um pouco, porque você não tinha referência pra levar uma idéia com o pessoal.
Marina Amaral - Mas quem lia na sua casa, seu pai, sua mãe?
Quem lia muito era minha tia Celestina, que lê até hoje. Ela falava pra gente ler, morou com a gente. Agora, também peguei uma escola boa. A expansão do ensino começou na Revolução de 30, mas no morro, na favela não tinha escola até 1950, 60... você tinha que descer, o pessoal do morro descia - e tinha uma relação difícil com o pessoal da classe média. Na minha escola, a Azevedo Sodré, tem uma foto dos alunos, da turma toda, e só tem eu de negão. É, porque vinha pouca gente do morro. Como a escola, quando teve a ditadura militar, deteriorou, aí nasceu o ensino privado. E o ensino privado, que era o contrário, era pra quem não passava na escola pública, ganhou força.
Wagner Nabuco - Falando de educação, como você acompanhou no Rio a questão dos CIEPs do Darcy Ribeiro?
A idéia do CIEP, de fazer uma escola onde a criança fica o dia todo, é interessante. Mas o CIEP é horroroso, me desculpe o Niemeyer, um projeto de cimento e ferro, cinza. E as salas não têm parede inteira! Dei aula no CIEP, foi meu pior momento como professor.
Marina Amaral - Você deu aula bastante tempo?
Dez anos. Português e literatura, da 5a à 8a, 2o grau, até a universidade. Universidade, dei aula aqui em São Paulo, em Mogi-Mirim.
Marina Amaral - Então você é formado em letras?
Sou formado em letras.
Guto Lacaz - E o Cidade de Deus, você procurou uma editora ou foi procurado?
Fui procurado. Na verdade, é o seguinte: eu militava na poesia, nunca tinha pensado em escrever um romance. Aí, conheci uma garota, hoje já é uma jovem senhora, que trabalhava com a Alba Zaluar, que desenvolvia um projeto chamado "Crime e Criminalidade nas Classes Populares". Então tinha que entrevistar bandido, daí o pessoal: "Chama o Paulo Lins". Universitário que conhece bandido, né? Eu já estava a fim da menina e entrei. Acabou que fiquei - e ela também - dez anos trabalhando com a Alba. Eu não pensava em escrever um romance, fui mais por amor à pesquisa. Para ajudar a Alba Zaluar a desenvolver um projeto de antropologia sobre a favela, porque eu tinha acesso ao pessoal da malandragem, eram todos meus amigos e da minha idade. E comecei a entrevistar e ela querendo que eu escrevesse antropologia, sociologia, isso eu não escrevo. Não sou sociólogo nem antropólogo. Eu disse: "Posso fazer um poema". E ela: "Ah, então faz um poema, escreve alguma coisa sobre a sua vida". Fiz um poema, demorei três meses para fazer, e ela mostrou ao Roberto Schwartz, aqui em São Paulo. Ele ligou pra mim, fiquei todo contente, "pô, o Roberto ligou pra mim", era um crítico, eu estava na faculdade, já tinha lido quase a obra toda dele, na faculdade você é obrigado a ler o Roberto. E ele perguntou: "Permite publicar o poema na revista do Cebrap? Publicou o poema e deu o aval pra eu escrever um romance. Aí, minha vida complicou. Escrever um romance não é brincadeira, não.
Ferréz - Isso, você estava onde?
Eu estava na Cidade de Deus.
Ferréz - E o romance foi todo escrito lá?
Não. Escrevi em Cabo Frio, fui para uma casa maluca, estava desesperado porque não conseguia acabar o romance. Era uma casa na beira da praia, sem luz nem água, um barraquinho da Ione de Ribeiro Nascimento, ela emprestou a casa e fui eu e meu filho morar lá. No começo era maravilhoso, a onda do mar batendo, dormia com a marola, acordava, corria na praia, nadava. Depois de um mês, aquela solidão, aquele barulho do mar me irritava, não tinha mulher naquele negócio, não comi ninguém, não tinha nada. Deu seis meses, voltei pro Rio.
Guto Lacaz - O livro é mais autobiográfico?
Não, é imaginativo. Romance é que nem tijolo, é um atrás do outro. Eu falava: "Vou escrever tantas páginas por dia". Comecei com cinco. Aí, caiu pra três, depois ficou uma.
Sérgio de Souza - Levou quanto tempo?
No processo levei de seis a sete anos, mas fiquei dez anos envolvido com o livro. Eu parava, voltava, reescrevia várias vezes. Datilografia! Depois que fui ter computador, eu sou velho!
Marina Amaral - Quantos anos você tem?
Eu tenho 44, calibre de revólver!
Ferréz - E o que você usou da pesquisa da Alba?
Na verdade, é o seguinte: se eu fosse contar a realidade como ela era, seria impublicável.
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