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Veterano |
# ago/05
E eu ouvia meu coração batendo. Tun tun... Talvez em um perturbador flashback eu me encontrava, aquele sonho fora desgastante, desgraçado, desgostoso, desgracioso; poderia ficar aqui, no dicionário, vendo mais palavras ruins que começavam com o prefixo 'des'. O incrível foi o que eu fiz antes de dormir, as três e pouco da madrugada: liguei o rádio, coloquei um CD, volume sete. Eu sempre ponho números pares, mas aquele oito pareceu alto demais quando estavam todos dormindo em casa. Não gosto de ímpares, passou na minha mente quando olhei para aquele sete, pesadelo, sonho ruim. Não sei por que, mas aquele sete me incomodava. Deitei-me. Se foi a primeira música e em seu final as interessantes ondas sonoras já não faziam mais sentido, se eu me mexesse eu sairia daquele estado interessante onde nem as batidas fracas e calmas da bateria me mostravam algo. O som parecia distorcido. Começou a música dois e por dentro eu rí, de mim mesmo, eu rí, alto, em mim mesmo. Daí adormeci, rindo na minha mente dormi, não me recordo o exato momento, nunca recordamos isso, mas dormi. A distorção do som foi se apagando e não dei espaço mais ao som, agora veio a escuridão. E no meu sonho, que eu tentava ver, mas não dava, a noite ofuscava os pequenos traços de gente que eu conseguia ver e eu não via mesmo. Meu sonho foi totalmente no escuro, como um cego, sorte que eu via algo, ás vezes. Fui andando, andando, ví uma criança, de fraldas, com seus três ou quatro anos, sentada no chão. Tinha cabelos longos, negros, que provavelmente tinham o tamanho que a criança tinha. Sabe aquelas criancinhas desses filmes japoneses de terror? Quase igual, pelo menos de costas, não consegui lhe fitar a face. Achei alguns conhecidos - Oi aqui, oi alí, que sonho sem sentido, uma criança e pessoas que eu conheço. Continuei andando, aquele cenário não me era estranho, mas também não me era conhecido. Voltei para a criança e ví outra criança, agora um bebê, que chegou perto, mas com algum tipo de poder foi arremessado, por uma mão inexistente. Coitado...
Acordei. Uns três segundos e percebi, vai chover, eu senti as gotas de água, o barulho que elas faziam para chegar no chão. Aquele segundo, até pensei em física, quando me disseram que se não houvesse resistência do ar as gotas de água da chuva matariam. Exato. Começou a chuva forte, eu acordei no exato momento em que começara a chuva e eu sabia que ela ia começar antes de tal fato acontecer, fiquei atônito, mas ao mesmo tempo me foi dada uma alegria imensa. A chuva caía e eu tentava contar quantos pingos chegavam ao chão, sei lá, pra passar o tempo, ainda me encontrava na cama, contando água. Aí, um trovão aqui, outro alí, eles já não me assustavam mais e eu fiquei ouvindo o estrepitoso som, aquilo sim, me parecia uma voz divina, falando em uma língua divina, palavras divinas para o nosso mundo não divino. A chuva, que caía, por um momento era intensa, calma, intensa, calma, essas mudanças no humor da chuva refletiam no som que produzia e por alguns momentos eu não pude mais contar quantas gotas caíam. Nossa, esse último não foi um trovão, alguma coisa explodiu, de fato, sim, ouvi umas vozes distantes falando algo, uma língua que não me pareceu português, mas era. Sempre de longe eu não entendo o que as pessoas falam. Se explodiu ou não, problema não é meu. Levantei, fui a cozinha, peguei o copo, lavei, coca, quarto. Liguei o rádio e fiquei ouvindo música, andando pelo quarto, com um copo de coca na mão. Eu sempre fico horas e horas andando pelo quarto, ouvindo música, vezes imaginando eu tocando tal música, vezes pensando na vida, vezes pensando no que fazer no resto do dia. Hoje eu pensara tudo isso e mais, a chuva, faz minha mente funcionar de um modo espantoso. E eu pensei: vou escrever textos de páginas inacabáveis; desenhar desenhos com perfeição absoluta; engolir de novo algumas centenas de páginas do Senhor dos Anéis; compor músicas de harmonias e fraseados intensos; tocar piano como nunca, praticar horas e horas. Daí lembrei, que meu dia só tem mais umas dezesseis horas, a chuva, menos ainda. Esses dias se repetem assim, fácil fácil, penso em fazer muito e não faço nada, muito se faço uma das coisas que eu pensei. Ó, a chuva parou, o chão está molhado, o céu meio cinza, mas daqui a pouco fica azul. Domingo né, o céu tem que ficar azul nos domingos, é obrigação dele, domingo chuvoso deixa as pessoas tristinhas. Mas eu penso: Chove, chove. Só que uns outros mil pensam: Sol, sol. A vontade deles é maior, pra sair o churrasquinho, o futebol, a corrida no parque, não pode ter chuva. Eles sempre ganham, nunca chove domingo. Quando chove, que nem agora, por alguns minutos, no máximo horas. E daí? Agora que a chuva se fora, que faço eu? Nada, como sempre. Maldito sol, malditas nuvens, que não atendem meu pedido de ficar um pouco mais e me dar a calma que a chuva tem. Com ela minha mente se transforma em uma organizada biblioteca, tudo faz sentido, tudo, tudo. Agora que ela se fora, eu não sei o que fazer.
E eu ouvia o som do silêncio. ... ... Talvez em uma perturbadora bolha eu me encontrava, aquela noite foi calma demais. Acordei. Banho, coca, arruma mochila, eu estava atrasado. A aula começa sete e meia e eu saindo de casa as sete e meia. Quando eu coloquei o pé fora de casa ouvi, os pingos caindo. Atrasado! Atrasado! Agora fica aqui, espera a chuva passar. Ah, fiquei até as oito e cinco fazendo nada. Saí, olhei pro céu e ele não era nem cinza, nem azul, nem vermelho, nem amarelo, nem escuro, era branco. Raros os dias que eu via o céu branco, branco como leite, como um papel, totalmente branco. Daí olhei mais acima, ví o sol. O sol, o sol, fiquei olhando, olhando, me impressionei por conseguir olhar diretamente pra ele, as nuvens brancas eram meio transparentes e eu conseguia olhar através delas, a solitária bola amarela no céu, nem parecia o sol, parecia mais a lua com uma luz amarela. Notei a forma arredondada do sol, nunca percebi aquela estranha circunferência que ele tinha, estranho, eu nunca tinha conseguido olhar pro sol mesmo, só agora, por causa das nuvens, que faziam o dia meio nublado. Céu branco, sol amarelo. Uh, tinha tudo pra ser bom um dia desses. Mas vai se foder, com tudo que tenha direito, estragaram tudo e minha manhã se fora por água abaixo. Voltando agora, a chuva continuava e o céu ainda era branco como papel, não vi mais o sol, só o branco do céu. Sol, céu, chuva, chocolate. Na minha bolha fiquei, olhando a chuva e percebi que a chuva não é mais a chuva de antigamente. Uma reação em cadeia de acontecimentos desfavoráveis? Azar? Culpa da chuva que faz com que as pessoas fiquem de mal humor? Não sei, em alguns momentos eu sabia, mas agora não: chuva, me enganou.
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