Um put* texto pra quem gosta de jazz ou mesmo de saber sobre as questões musicais.

    Autor Mensagem
    Thio
    Veterano
    # mar/06


    O jazz é música de elite ?
    Kiko Continentino

    Ano passado tive o prazer de participar com meu conjunto instrumental (o
    ContinenTrio, formado com meus dois irmãos mais um baterista) de um
    prestigiado festival de música de qualidade no país, o Tim Valadares Jazz Festival, em MG.
    Seu organizador, o jornalista Tim Filho me chamou a atenção para um detalhe.
    Algumas pessoas na cidade (Governador Valadares) torciam o nariz dizendo que o jazz é música de elite, não reflete os anseios do povão.
    O curioso é que grande parte do público do festival é proveniente das áreas mais pobres da cidade, ao passo que as pessoas que o criticavam por tão importante trabalho situam-se nas camadas mais favorecidas da população. A pedido de Tim, comecei a elaborar um ensaio sobre o tema, que trancrevo agora:

    O jazz é música de elite ?

    Para mim trata-se de uma pergunta provocante e polêmica. Como gosto de coisas do gênero, vou tentar me aprofundar um pouco mais na questão fazendo algumas considerações à respeito do significado das palavras que formulam esta análise. Na minha opinião o jazz não é apenas um estilo de música. Mais do que isso ele representa um conceito musical / artístico. Podemos afirmar que o jazz não é apenas o que se toca, mas principalmente como se toca. Um aspecto que conta muito é a atitude do músico frente ao risco, frente ao incerto. Não existe limite, não existe formato imposto, talvez apenas sugerido. E o artista tem o direito (e até o dever) de propor novas soluções, novas direções. Para se tocar bem o jazz há que se ter um preparo técnico altíssimo, com similar na música
    erudita além de outras poucas situações. Mas o jazz também requer do músico o exercício pleno de sua criatividade. O que destaca o grande jazzman dos demais não é sua técnica, não é a forma e sim o conteúdo de suas idéias. É a maneira com que ele imprime sua identidade no som. Muitas vezes com elegância, com sutileza, outras tantas com vigor, impacto, enfim: o conceito jazzístico permite que o artista crie, exponha sua personalidade na música que está concebendo. Essa música não precisa ser necessariamente jazz. Pelo contrário, vejo cada vez mais o jazz como um veículo para outras linguagens, um passaporte para qualquer direção. Quem cursou essa escola está apto a mergulhar em outros estilos, logicamente com a humildade e respeito necessários à pesquisa de qualquer natureza.
    Prosseguindo na insana tarefa de decifrar o indecifrável, vamos agora abordar o conceito arte de elite.
    Historicamente sabemos que o conhecimento, o acervo de idéias de qualquer espécie (ciência, tecnologia, comportamento e arte, por exemplo) sempre esteve retido nas classes dominantes da sociedade. De natureza política, militar, econômica ou religiosa – o que muitas vezes englobava todos esses poderes – essa elite dominava as artes, interferia no seu desenvolvimento, deixando as classes menos favorecidas à margem desse processo, obviamente. O conhecimento, o saber, a cultura estava nas mãos dos poderosos, a elite. Ao povo restava a luta pela sobrevivência. Interessante notar que pouca coisa mudou nesse aspecto, a não ser talvez um detalhe que veremos mais adiante.
    O século XX representou um turbilhão na história da humanidade. Conquistas em todas as direções, tudo acontecendo numa velocidade espantosa, num ritmo vertiginoso de expansão contínua. O jazz despontou até a metade do século como a música popular norte-americana, estendendo essa popularidade ao resto do planeta. As pessoas cantavam e dançavam ao som das big-bands (as orquestras de jazz).
    Era a música que se ouvia nas rádios, nos programas de televisão, nos filmes de Hollywood. Era a trilha sonora de uma época, de uma geração.
    À partir dos anos 40, com o fim da era do swing, os músicos de jazz evoluíram de forma definitiva, evolução essa contestada por alguns puristas. Mas é importante saber que inegavelmente o movimento be-bop, encabeçado por Parker, Gillespie, Monk, Powell, Mingus, entre outros gênios, constituiu um salto qualitativo, uma conquista observada no tripé básico do idioma musical: melodia, harmonia e ritmo. Coincidentemente (ou não) o jazz perdeu o status de música popular, se transferiu dos grandes salões onde as bandas se apresentavam em bailes efervescentes para o aperto dos enfumaçados night-clubs. Outros movimentos viriam, o cool-jazz de Miles Davis (e Gil Evans), o free-jazz de Coltrane, até o fusion (com Miles novamente como um dos principais expoentes), onde o jazz essencial de alguma forma se esgotou e prosseguiu sua evolução incorporando-se a outros estilos como rock, blues, soul, etc. Até a bossa-nova interferiu nesse processo. Mesmo assim, cada vez mais o jazz moderno foi se associando a um público de nível superior, culturalmente falando. Desnecessário dizer que trata-se de uma minoria da população. São pessoas que aprofundam seus conhecimentos nas escolas, universidades, teatros, museus e afins. E é aí que reside nossa questão. Estamos falando de uma elite cultural e não econômica. Por mais que uma coisa possa interferir na outra (com dinheiro se tem melhores condições para estudar), tenho observado atualmente esse panorama se inverter de forma sutil, porém efetiva.

    Gostaria de me transportar para a realidade de nosso país.
    A cultura musical brasileira - uma das mais vastas e ricas do mundo moderno - teve seu ápice nos anos 60 junto com o cinema novo, a poesia, a literatura, as artes plásticas. Muitos acreditam que até o golpe militar em 1964, a cultura no Brasil passava por um momento dos mais férteis. Hoje em dia, com o processo de banalização cultural estabelecido, é comum notarmos certa inversão dos valores. Atualmente a arte funciona a serviço do mercado e não o oposto, como deveria ser.
    Hoje o artista bem sucedido é na maioria das vezes aquele que tem um olho (ou os dois) estrategicamente aberto para toda movimentação de capital no meio em que transita. Sempre antenado com o mercado, ele se torna refém de seu talento comercial, pois molda sua criatividade de acordo com as tendências de consumo do momento. Esse talento publicitário geralmente é endossado pela mídia (significativo alicerce desse processo). Nada mais natural, pois hoje em dia tudo em gira em torno do consumo.
    Já o artista que fica à margem do grande empreendimento que é o showbusiness pode se considerar um verdadeiro marginal, dentro do mercado. Para não se render às fórmulas impostas pelo jogo financeiro, resta a ele o obstinado exercício de seu ofício como um militante da música, situação parecida com uma espécie de guerrilha cultural.


    Voltando à questão inicial "o jazz é música de elite ?", curiosamente de um tempo para cá as classes economicamente mais favorecidas da população se renderam à música de baixa qualidade, muitas vezes denominada música do povo. É um rótulo que retrata bem a condição social, o ensino, a cultura negligenciada ao povo de um país com potencial tão grande. Tanto faz o estilo, brega-romântico-sertanejo-pagodeaxé,
    as vezes tudo junto no mesmo saco. Nota-se que há uma fórmula básica, uma receita bem definida: melodias pobres, harmonias patéticas, letras péssimas (muito cuidado com qualquer coisa que possa parecer inteligente) e refrões pegajosos, para colar na boca do povo. Pronto, somando uma estratégica dosagem de carisma pessoal (coisa que independe de qualidade artística) do animador, o sucesso está garantido.
    Entretanto, venho observando a formação de um público alternativo consistente, a procura de novas informações, novos conceitos, novos valores. Um público que percebe que a arte pode ser mais do que um produto, pode servir também para questionar e emocionar, fazendo com que as pessoas pensem e evoluam além de se divertirem. Com o passar do tempo, cada vez mais pessoas descobrirão que música não é como xampú, automóvel ou sabão em pó. A música pode realmente ser mais do que um produto, apesar de todos os segmentos que regem o mercado
    estabelecerem o contrário.
    Quanto a esse público ou essa elite, como preferirem, noto uma mudança
    expressiva no seu perfil. São pessoas geralmente de classe média ou baixa, o que para mim representa um avanço significativo nas platéias adeptas a uma proposta mais ousada de arte.
    Concluo com a esperança de um dia haver maior espaço democrático não só para o jazz, mas para qualquer tipo de idioma musical de qualidade no país e no mundo. Sabemos que para isso é necessário trabalhar dobrado, incansavelmente.
    Portanto, mãos à obra.


    Kiko Continentino, Junho de 2002
    Kiko é pianista, arranjador, compositor e produtor musical. Trabalha há seis anos
    com Milton Nascimento e vem se dedicando também a shows com seu primeiro CD
    instrumental "O Pulo do Gato", além do ContinenTrio, grupo que conta com a
    participação de seus irmãos Jorge e Alberto Continentino.

    Thio
    Veterano
    # mar/06
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    Putz. Se o moderador puder transferir este texto pro fórum de Mùsica em Geral, por favor...

    Claudio Natureza
    Veterano
    # mar/06
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    ele tá certo, sempre vai existir música de qualidade, e um dia as gravadoras e a mídia vão se arrepender pela banalização rasteira da música.

    vai chegar um dia que o próprio povo vai cansar de tanta baboseira comercial e barata.

    Lord Derfel Cadarn
    Veterano
    # mar/06
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    vai chegar um dia que o próprio povo vai cansar de tanta baboseira comercial e barata.


    acho que isso nunca vai ocorrer

    Thio
    Veterano
    # mar/06 · Editado por: Thio
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    Claudio Natureza
    Tomara!

    Acredito que a mudança vem de ambas as partes, consequentemente. Primeiro, as gravadoras lançando música de qualidade para o povo. Depois, o povo exigindo mais música de qualidade.
    Uma boa seria a educação musical obrigatória nas escolas. Principalmente porque ela não serve só pra quem vai mexer com música.
    O povo exigindo música boa, as gravadoras não terão outra alternativa.
    Mas, pro povo exigir música boa, muitos padrões terão que mudar. É difícil saber por onde começaria esta 'revolução'.

    Lord Derfel Cadarn
    Seu... acredito no poder na mente.
    Se ao menos temos a mente naquilo, ou aquilo na mente, aquilo tem mais chance de acontecer. Se não tivemos antes de acontecer, e se acontecer, aquilo não chegará à nós, e continuaremos acreditando que aquilo era impossível, porque não veremos. Nossa mente não acreditava naquilo.
    Acreditar é acontecer aquilo.

    Eu acredito que aquilo pode acontecer, sim.

    Alexandre Souza
    Veterano
    # mar/06
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    vai chegar um dia que o próprio povo vai cansar de tanta baboseira comercial e barata.

    isso sempre existiu e sempre existira, infelizmente...
    eu acho mais facil essa baboseira aumentar do q a musica de qualidade ser valorizada

    Thio
    Veterano
    # mar/06
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    Alexandre Souza
    Putz, cara. COmece por você, sei lá.

    Minha alternativa é começar por mim.
    Pra todo mundo que conheço eu mostro algum som legal (pra mim) que ouço. Ajuda.

    FBassist
    Veterano
    # mar/06
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    Jazz é massa! altos improvisos!!!

    Mikuin
    Veterano
    # mar/06
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    opa... legal o texto... jazz é foda, mas infelizmente nem todo mundo (quase ninguém) pensa assim...

    maggie
    Veterana
    # mar/06
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    Thio
    Putz. Se o moderador puder transferir este texto pro fórum de Mùsica em Geral, por favor...
    movido!

    Thio
    Veterano
    # mar/06
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    Mikuin
    talvez, nós não conhecemos quem pensa assim, mas devem ter muitos, sim. Acho que devem ter muitos mesmo.
    Sendo que aqui é um fórum de música, copiei este texto porque achei de suma importância para quem REALMENTE gosta de música e quer fazer desta um crescimento, tanto pessoal como conjunto, ideal ou social.

    maggie
    Obrigado, maggie, por sua atenção.

    Dogs2
    Veterano
    # mar/06
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    viram agora a diferença de jazz pra música aleatória (pra quem me enche o saco)???

    jazz exige técnica, música aleatória até um cachorro pode tocar

    Thio
    Veterano
    # mar/06
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    Dogs2
    Exige, porque é música tocada, e tocada bem.
    Mas jazz não é isso, nem isso é jazz.
    Jazz abrange isso, e mais um monte de coisa.

    diablero
    Veterano
    # mar/06
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    vai chegar um dia que o próprio povo vai cansar de tanta baboseira comercial e barata.


    acho que isso nunca vai ocorrer (2)


    mesmo mostrando musicas boas tem gente que prefere ouvir funk carioca

    Thio
    Veterano
    # mar/06
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    diablero
    Por que acostumou.
    É legal quando a gente vai martelando, até alguém desacostumar, se desvencilhar de algum hábito.

    Dogs2
    Veterano
    # mar/06
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    Thio
    Exige, porque é música tocada, e tocada bem.
    Mas jazz não é isso, nem isso é jazz.
    Jazz abrange isso, e mais um monte de coisa.


    vc acha que jazz abrange música aleatória?
    ah, então todo mundo da minha família sabe tocar um pouco de jazz

    diablero
    Veterano
    # mar/06
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    Thio

    eu diria que ja mudei um colega meu, mas foi o unico, o resto nao quer ouvir musicas decentes, os caras gostam de ouvir as musicas que tocam no leao

    da um araiva que nossa, e fosse pra ve as mulheres como eu faço

    Thio
    Veterano
    # mar/06
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    Dogs2
    JAzz abrange técnica, mais um monte de coisa.


    diablero
    Não foi você que mudou. Você produziu uma faísca, ele acendeu. E ascendeu.

    Dogs2
    Veterano
    # mar/06
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    Thio
    hmm
    ah tá

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