As importações e a estabilidade econômica

    Autor Mensagem
    JJJ
    Veterano
    # dez/15


    "Ah, lá vem o Jota defender importação de peças de guitarra, como se isso fosse importante pro país..."

    Não, não é.

    Importar peças de guitarra não é fundamental pro país crescer. É fundamental pra eu brincar de luthier de vez em quando...

    No entanto, vale uma reflexão sobre o único plano econômico que conseguiu algum sucesso nesse país e qual era realmente a base desse plano. O plano é o Plano Real, claro. Mas a base era o quê?

    A base era a "âncora cambial".

    Eu não sou economista, mas vivi aquela época e tenho alguma capacidade de raciocínio. Então vou tentar explicar em português simples o que isso significa (pra quem já não sabe). A âncora cambial era atrelar (um pra um) a nossa moeda (fraca) a uma moeda forte (o dólar) ao mesmo tempo em que se abria a economia, para que as mercadorias baseadas na moeda forte (notadamente importadas) "ancorassem" os preços, segurando-os, fazendo com que o nosso maior problema de então (a inflação inercial) fosse debelada aos poucos.

    A inflação inercial é aquela que surge não por motivos específicos (gasolina sobe, tudo sobe respectivamente e fim), mas aquela que se auto-alimenta (eu subo o meu preço, por isso você sobe o seu, por isso os salários são reajustados, por isso eu subo o meu preço e assim indefinidamente).

    A âncora cambial é que foi o grande lance do Plano Real. Tanto assim que FHC, quando viu, em um momento de crise, que não ia dar pra segurar o real frente ao dólar (um pra um) titubeou, resistiu e ainda segurou (Banco Central à frente) artificialmente o dólar por alguns meses, o que nos custou uma fortuna e foi o seu maior erro econômico (acho até que ele já reconheceu isso).

    Mesmo assim, quando, finalmente, tivemos que desvalorizar nossa moeda, ainda se conseguiu manter o sucesso do Real, porque a inflação inercial estava, finalmente, debelada. E o dólar não seguiu disparando descontrolado (exceto quando o país ficou com medo do Lula assumir a presidência, mas isso logo foi acalmado quando ele colocou o Meirelles pra segurar a economia).

    Passa o tempo e chegamos ao cenário atual. Algumas burradas econômicas e várias trapalhadas políticas nos levam à estagnação da economia. E, novamente, nos vemos, cara a cara, com a possibilidade da inflação inercial. Só que, dessa vez, a "âncora" não vai ser lançada... Por quê?

    Porque o dólar está caro e o país está se fechando às importações.

    E, agora sim, o Jota vai falar um pouco das suas pecinhas de guitarra, se me permitem...

    Procurei uma moldurinha de humbucker da Gibson. 5 dólares lá fora.

    Barato, né?

    Então, vamos ver... 5 dólares a 4 reais... 20 reais...

    Mas tem o frete... Vamos supor uns 5 dólares (barato... first class), daí dobra... 40 reais

    Aí chega aqui no Brasil, depois de um "tempinho".

    Imposto de Importação (é pessoa jurídica...), 60% sobre tudo: +24 reais.
    Imposto estadual (ICMS), que devia ser uns 18%, mas vira 35% por malabarismos tributários (MG): 35% sobre tudo: +14 reais.
    Tarifa dos Correios: +12 reais.
    IOF: + 2,50 reais.

    Total aproximado: 40+24+14+12+2,50 = 92,50 reais

    Percebem? 5 dólares viraram 92,50 reais!

    "Ah, Jota, isso não quer dizer nada! As importações de lojas estão sujeitas a outros regimes tributários! É coisa supérflua! blá, blá, blá, blá.........."

    Sim, tudo isso é verdade. Mas acompanhe meu raciocínio...

    Você entra no ML e vê o anúncio da mesma moldurinha de 5 dólares por 80 reais. E acha que tá bom! Afinal de contas, se importar, vai acabar pagando mais, não é mesmo???

    Não. Não é.

    Temos que lembrar que essa moldurinha custa CINCO DÓLARES!

    Temos que lembrar que essa moldurinha já foi o equivalente a CINCO REAIS!

    Temos que lembrar que um americano médio ganha, pelo menos, umas cinco vezes o que um brasileiro médio ganha!

    Finalmente, temos que lembrar que, SEM A ÂNCORA CAMBIAL, a inflação inercial, que conseguimos derrotar vinte anos atrás, ESTARÁ LIVRE PARA VOLTAR.

    Lembram que a indústria toda dizia que a "solução" era aumentar o dólar? Isso coisa de um ano atrás.

    E aí? O dólar disparou... e a nossa indústria? Resolveu seus problemas??? Não, PIOROU!!!

    A única solução para evitar a volta da inflação inercial é ABRIR A ECONOMIA, CACETE!!! Não fechá-la cada vez mais!!!

    Conclusão: ME DEIXA IMPORTAR A PORRA DA MOLDURINHA COM IMPOSTOS MAIS RAZOÁVEIS E O CARA DO ML VAI SER FORÇADO A VENDER A DELE MAIS BARATO!!!

    Simples assim.

    (economistas de plantão: podem discordar de mim à vontade... como já disse, não sou economista e posso estar TOTALMENTE errado na minha análise)

    sallqantay
    Veterano
    # dez/15
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    JJJ

    cara, o câmbio já passou de 4,00. Se abrir as importações nego vai sair comprando tudo lá fora e piorando a situação (o que vai alimentar mais a inflação, pois alguns preços dependem do USD)

    FELIZ NATAL
    Veterano
    # dez/15
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    Konrad pira

    Konrad
    Veterano
    # dez/15
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    JJJ

    Em minha modesta opinião, o risco de uma inflação inercial hoje é muito baixo. Os componentes da inflação inercial são estruturais (em grande parte sanados pela LRF e outros dispositivos - como a separação de atribuições entre BACEN e Tesouro em 2001 - na verdade uma definição de atribuições, limites de endividamento de Estados, limitação na emissão de moeda e ampliação de meios de pagamentos, saneamento de bancos estaduais), e psicológicos. Hoje só vejo o componente psicológico atuando com força relativa, mas sem força real para empurrar a inflação para cima como já foi antes.

    Mas eu posso estar errado.

    Konrad
    Veterano
    # dez/15
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    JJJ

    E outra: nenhum país se desenvolveu abrindo a economia desregradamente. Todos os países hoje ditos desenvolvidos praticaram a boa e velha proteção de mercado/barreira às importações: a Inglaterra já fazia isso 500 anos atrás (tudo documentado; preto no branco. Nada de análise ideológica aqui).

    Finlândia foi extremamente protecionista e fechada; Coreia idem.

    O nosso problema está, eu fico cada vez mais certo disso, na qualidade do material humano que elegemos, que, claro, reflete a qualidade de quem vota.

    JJJ
    Veterano
    # dez/15
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    sallqantay
    cara, o câmbio já passou de 4,00. Se abrir as importações nego vai sair comprando tudo lá fora e piorando a situação (o que vai alimentar mais a inflação, pois alguns preços dependem do USD)

    Não vai ter estouro da boiada. O dólar tá alto demais pra isso. Só vai impedir que achemos "normal" 5 dólares virarem quase 100 reais... É um mecanismo "regulatório" apenas.

    Konrad

    Respeito sua opinião, mas não creio que o risco de inflação inercial seja tão baixo, nobre colega... Começa devagar, como estamos vendo, mas pra pegar uma curva exponencial e disparar (ainda mais se o cenário político continuar nessa merda atual), não custa...

    Mas concordo, claro, com seu último parágrafo, com relação às pessoas que colocamos lá em Brasília. Isso não tem dúvida (muito embora, as opções também não sejam lá grande coisa, né? rs).

    General Patton
    Membro Novato
    # dez/15
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    Se existe uma coisa que a economia tradicional sempre concordou foi a liberalização do comércio exterior. Seja o modelo ricardiano, Stolper-Samuelson, teorema Hecksher-Ohlin ou qualquer outro trabalho feito por economistas sérios, as barreiras comerciais nunca apresentaram potencial teórico. No nation was ever ruined by trade.

    O máximo que pode ser cedido é o que Mill escreveu uma vez (o que de maneira alguma é aplicavel no caso brasileiro):

    "The only case in which, on mere principles of political economy, protecting duties can be defensible, is when they are imposed temporarily (especially in a young and rising nation) in hopes of naturalizing a foreign industry, in itself perfectly suitable to the circumstances of the country. The superiority of one country over another in a branch of production, often arises only from having begun it sooner. There may be no inherent advantage on one part, or disadvantage on the other, but only a present superiority of acquired skill and experience. . . . A protecting duty, continued for a reasonable time, might sometimes be the least inconvenient mode in which the nation can tax itself for the support of such an experiment. But it is essential that the protection should be confined to cases in which there is good ground of assurance that the industry which it fosters will after a time be able to dispense with it; nor should the domestic producers ever be allowed to expect that it will be continued to them beyond the time necessary for a fair trial of what they are capable of accomplishing."

    On topic: Inflação inercial não existe.

    A situação atual do Brasil no aspecto inflacionário se deve a uma gestão débil por parte do BC. A desvalorização cambial é algo necessário e serve como escape pra cagada já feita. Alguns estudos econométricos mostram que atribuir inflação a cambio, no cenário atual, é burrice. O peso é pequeno. Esse argumento serve apenas para os politicos tirarem o corpo fora; "câmbio é definido pelo mercado...". Infelizmente, algumas mulas ainda caem nessa.

    Bizet
    Veterano
    # dez/15
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    Konrad
    E Singapura?

    JJJ
    Veterano
    # dez/15
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    General Patton
    On topic: Inflação inercial não existe.

    Não existe, como? Tipo "nunca existiu"??? Tá doido?...

    Se você diz que não existe no momento... OK, ainda não. Mas toda inflação inercial começa devagar. É como um carro desgovernado descendo uma ladeira: começa devagar, daqui a pouco tá a 200 por hora e atropelando tudo...

    Benva
    Veterano
    # dez/15
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    Konrad

    +- Off: o que você acharia da implantação de um currency board?

    ****************************

    Vi algumas pessoas teorizando sobre o estado de inflação atual ser pela liberação do represamento dos preços que o governo praticava até então, somado a uma leve crise de confiança que faz os preços subirem antecipadamente, i.e. antecipando inflação futura.

    O que os srs. da economia acham disso?

    Fidel Castro
    Veterano
    # dez/15
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    Se existe uma coisa que a economia tradicional sempre concordou foi a liberalização do comércio exterior. Seja o modelo ricardiano, Stolper-Samuelson, teorema Hecksher-Ohlin ou qualquer outro trabalho feito por economistas sérios, as barreiras comerciais nunca apresentaram potencial teórico. No nation was ever ruined by trade.

    D'accord, mas mantenho que o estado deve manter ferramentas para ser um árbitro de emergência, tipo o tiozão que tira a NYSE da tomada quando começa a dar flash crash de algotrader safado.

    General Patton
    Membro Novato
    # dez/15 · Editado por: General Patton
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    JJJ

    Inflação inercial foi uma bobagem inventada por desenvolvimentistas como desculpa pela própria incompetência em politica monetária.

    Konrad
    Veterano
    # dez/15
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    Bizet
    E Singapura?

    Tira o Temasek da jogada e sobra muito pouco da tal economia super aberta e pró-mercado deles.

    Veja bem, eu não disse que o comércio não é importante para as nações (quem leu isso leu errado, ou está de má-fé); o que critiquei foi a abertura desregrada da Economia como forma de salvar a lavoura (que causou só caos onde foi feita); que ao fim e ao cabo é tão ruim quanto a planificação total.

    Konrad
    Veterano
    # dez/15
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    good ground of assurance that the industry which it fosters will after a time be able to dispense with it; nor should the domestic producers ever be allowed to expect that it will be continued to them beyond the time necessary for a fair trial of what they are capable of accomplishing."


    Exatamente o que diferencia Brasil de Japão, Coréia e de certa forma Cingapura.

    Bizet
    Veterano
    # dez/15
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    Konrad
    Mas não é meio que universalmente aceito que o net effect de livre comércio é positivo ou no mínimo neutro? Digo, que a perda em setores X e Y é compensada (e geralmente superada) pelos ganhos gerais?

    Ou você só quer dizer protecionismo com propósito desenvolvimentista em países (ou setores de um país) que ainda não são desenvolvidos?

    Veja bem, eu não disse que o comércio não é importante para as nações (quem leu isso leu errado, ou está de má-fé)

    Porra, alguém teria que fumar muito cogumelo desidratado pra interpretar assim.

    Konrad
    Veterano
    # dez/15
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    Bizet
    Mas não é meio que universalmente aceito que o net effect de livre comércio é positivo ou no mínimo neutro?

    Não vou entrar nessa polêmica. Nunca entendi essa premissa simplista que não considera, por exemplo, termos de troca ou verticalização.

    Ou você só quer dizer protecionismo com propósito desenvolvimentista em países (ou setores de um país) que ainda não são desenvolvidos?

    Não gosto do termo "desenvolvimentista".

    Porra, alguém teria que fumar muito cogumelo desidratado pra interpretar assim.

    Interpretam.

    JJJ
    Veterano
    # dez/15 · Editado por: JJJ
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    General Patton

    Bom... Você pode chamar do nome que quiser... Mas o que é, o que é? Salário sobe, empresário sobe preço pra empresa pagar salário, poder de compra cai, salário sobe pra compensar, ad infinitum? Eu chamo de inflação inercial. Se você quiser chamar de Afonso, tudo bem...

    Bizet
    Veterano
    # dez/15
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    Konrad
    Não vou entrar nessa polêmica.

    Não é pergunta trap não, cara. É curiosidade mesmo, você e um pasteleiro aí são os únicos da área que eu já vi falando bem de protecionismo, e eu não tenho como perguntar nada pro pasteleiro.

    Não gosto do termo "desenvolvimentista".

    Por quê? Eu digo desenvolvimentista no sentido de "política com a intenção de desenvolver o país da forma mais eficiente e rápida possível, sem comer bebês".

    Interpretam.

    Eu não me importaria muito com as interpretações doentes num fórum que tem o bf, o snakepit, o sallqantay e eu postando a rodo não, mas sei lá.

    Konrad
    Veterano
    # dez/15
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    Bizet

    Acho que há mais pasteleiros por aí:

    De memória, sem pensar muito:

    Tariff of 1828
    McKinley Tariff
    Fordney-McCumber Tariff

    Ainda:

    To maintain, between the recent establishments of one country, and the long-matured establishments of another country, a competition upon equal terms, both as to quality and price, is, in most cases, impracticable. The disparity … must necessarily be so considerable, as to forbid a successful rival ship, without the extraordinary aid and protection of government

    Alexander Hamilton

    Mais recente, sobre Reagan:

    Reagan often broke with free-trade dogma. He arranged for voluntary restraint agreements to limit imports of automobiles and steel (...). He provided temporary import relief for Harley-Davidson. He limited imports of sugar and textiles. His administration pushed for the "Plaza accord" of 1985, an agreement that made Japanese imports more expensive by raising the value of the yen.

    Bizet
    Veterano
    # dez/15
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    Konrad
    Acho que há mais pasteleiros por aí:

    Eu quis dizer pasteleiro no sentido de ter olho puxado mesmo. E não era pra ser pejorativo, é o meu jeitinho rsrs

    Também nunca consegui enxergar qual que é o problema em fazer protecionismo temporário enquanto X se torna mais competitivo (principalmente em termos de capital humano, que me parece ser o que tem evolução mais demorada) ou se recupera depois de um choque. Mas como não faço economia e vejo quase todo economista dizendo o contrário (e não vou fazer doutorado em trade pra descobrir a resposta sozinho), fico cabreiro. E não posso sair por aí quotando o Ha-Joon Chong falando de trade sem ter medo de ser como alguém que cita o Luiz Carlos Molion falando de aquecimento global, mesmo o ching-chong lá sendo mais conceituado.

    Reagan often broke with free-trade dogma. He arranged for voluntary restraint agreements to limit imports of automobiles and steel (...). He provided temporary import relief for Harley-Davidson. He limited imports of sugar and textiles. His administration pushed for the "Plaza accord" of 1985, an agreement that made Japanese imports more expensive by raising the value of the yen.

    Porra, até o Reagan. Que ele era mais intervencionista na prática que na retórica eu já sabia, mas que chegava a tomar medida protecionista, não.

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